Livrarias em Dublin

© Bernardo Martins

Planeava há muito um pequeno circuito por algumas das livrarias da cidade.

A ocasião surgiu, por fim, o que redundou numa tarde especialmente agradável. Deparei-me com um clima tão prazenteiro quanto possível nestas paragens, com espreitadelas frequentes do sol por entre um pouco convicto tapete de nuvens, uma temperatura cálida e raríssimas gotas de chuva.

Comecei pelo mais prático de todos os espaços, um recanto na margem norte do rio chamado BookMart. Fugiu-me da mente por alguma razão, mas ao avançar pela rua concorrida, comecei a desembrulhar a memória que me confirmava a familiaridade do local. Numa das primeiras semanas neste país, ali me dirigi para vender uns dicionários e outros excedentes, a troco de quase nada. Está hoje ainda menos vocacionada para os livros em segunda mão e com a sobrevivência quase dependente do DVD, CD e outros artigos.

Regresso, tranquilo, rumo à Winding Stair, talvez a mais charmosa de todas as que tenho na lista. Com vista para o rio, surge mais pequena do que imaginara, mas recheada de recantos acolhedores. Quem quiser pode relaxar em cadeiras ou poltronas, aquecer-se com um chá, chocolate quente ou café e desfolhar um dos muitos livros à disposição, ou até algum que tenha trazido consigo. Prometi a mim mesmo não ceder à tentação da compra, forçando-me à disciplina financeira de um livro mensal, mas não evito a renovação dos marcadores, adquirindo cinco, precisamente o número de livrarias que pretendo visitar. Cada um deles traz consigo a imagem e uma citação de um autor irlandês.

Atravesso uma das pontes sobre o Liffey rumo à margem sul e à Gutter Bookshop, não sem antes visitar o mercado do livro em pleno coração do Temple Bar, ali à disposição todos os fins-de-semana. Por pouco não me convenço a trazer as «Grandes Esperanças» de Dickens, devido ao convidativo preço de 3€, mas depois recuo face ao estado da edição e à vontade de lê-lo em português. Empurro então os passos até à Gutter, a mais moderna de todas, com as suas montras brilhantes e estantes metalizadas. Apesar de ser a que menos me atrai, visual e conceptualmente, é nela que descubro uma preciosidade chamada, passe a tradução livre, «Coisas Estranhas que os Clientes Dizem nas Livrarias». Para quem, como eu, trabalhou diversos anos no meio, é um autêntico tratado de bom humor, nostalgia, insólito e incredulidade. Ainda – como é aliás dito no pequeno livro – um salvo-conduto para a própria sanidade mental, pois assim se confirma que estamos – os antigos, actuais e futuros livreiros – em muito boa companhia e que existem clientes e situações absolutamente inacreditáveis em todos os sentidos, em qualquer parte do mundo. Acabo por comprá-lo, quebrando a promessa, e leio-o de uma penada, rindo desalmadamente e recordando tantas e tantas histórias semelhantes que me passaram pelas mãos, naqueles anos.

A poucos metros, encontro a Oxfam, uma livraria sem fins lucrativos, de apoio aos mais carenciados. É um fenómeno muito comum por aqui, cujo conceito passa por doar livros e outros artigos ou adquiri-los nas lojas a baixo preço, revertendo o dinheiro para as referidas associações de caridade. Tendo isto presente, parece-me incrível que num expositor se possa ler o seguinte aviso: «Os CD não se encontram nas caixas, pois estavam a ser roubados. Se tiver interesse, peça-os ao balcão». Sem comentários.

Termino a volta na Books Upstairs, a mais central de todas. É a única onde encontro uma boa oferta de revistas literárias locais.

A tarde não fica no entanto completa sem uma visita ao Merrion Square Park, um dos jardins públicos de Dublin. Este é muito conhecido por ficar à beira da famosa morada de Óscar Wilde e nele se pode apreciar uma estátua do escritor, ousada e original como o próprio. Percorro os caminhos rodeados por um arvoredo multicolor, bem cuidado, fresco e tranquilo. Um conjunto de acordes musicais arrasta-me para o centro do parque, onde decorre um festival de Verão. Algumas dezenas de pessoas espalham-se pelos relvados ondulantes, em convívio animado e pacífico.

O céu escurece, porém, e a mais convicta ameaça de chuva afugenta-me para o autocarro que me traz de volta a casa.

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