O Natal nunca foi aquilo que em crianças nos atrevemos a sonhar. Se quisermos ser frios, teremos de dizer que a época não passa de um conjunto de ilusões. Se tivermos vontade de ser cruéis, acrescentamos que tudo se resume a uma mentira descarada.
Se me dispusesse a fazer investigação suficiente, talvez descobrisse nas suas origens pagãs alguma razão pura, qualquer intenção honesta que pretendesse celebrar uma boa colheita, homenagear esta ou aquela divindade que fosse considerada a patrona da abundância, da saúde, da família ou da sorte. E não seria mau de todo.
Assim que o Cristianismo se apoderou de tal fenómeno, à semelhança do que fez com quase todas as manifestações do género, tentando (e conseguindo) aglutiná-las numa só Fé, a coisa começou a resvalar. Está irrefutavelmente provado que toda a construção é uma farsa. Existe uma resposta sólida para o mito de Jesus, dos Reis Magos, da Virgem. Até mesmo para a própria data. O pretenso «nascimento» da figura divina teria «ocorrido» no Verão, tendo depois, por diversas conveniências, sido estendido para o fim do ano.
Não quero transformar esta crónica numa intifada. Apenas salientar o absurdo.
Como último recurso, abandonadas as razões pagãs ou religiosas para celebrar a data, temos sempre a Família. Tal quadra seria então, simplesmente, um modo de reunir os ente-queridos no final de cada ano, festejar os sucessos e presença de cada um, a saúde de todos, quem sabe oferecer um presente simbólico, mas sobretudo exaltar o espírito de comunhão e partilha.
A questão é que, mais cedo ou mais tarde, esse derradeiro mito acaba por ruir, também ele. Gasta-se o tempo com pequenas querelas entre os presentes e questiúnculas sobre os ausentes. Depressa se esquece a pureza das intenções (quando as há) a troco de uma loucura consumista, que transborda numa sufocante troca de prendas ou num indigesto frenesi gastronómico. As armas (comida e consumo) para encher o vazio que facilmente se adivinha.
Não quero sequer falar dos contrastes e da patética caridade com data e hora marcada, tão propícia da quadra. No mesmo boletim informativo cabem as queixas sobre o excesso de consumo e as queixas sobre a fome que se passa. Sobre a criança que perde os verdadeiros valores debaixo da pilha de presentes e sobre a outra que não conhece os pais, ou nada recebe deles. Sobre os continentes supostamente abastados e os outros, esfaimados.
São demasiados temas, demasiado longos todos eles, para aqui serem abordados como merecem.
Fico-me pela minha insignificante percepção.
De tanto ouvir dizer que «o Natal é quando um homem quiser» houve um ano em que o presidente da Venezuela decretou o Natal em Novembro. É o cume de um ridículo que se tem agravado ao longo das décadas, no qual todos os países do mundo dito civilizado embarcam, em nome do lucro. As montras e ruas decoram-se cada vez mais cedo, sucedem-se as promoções, os anúncios, os lembretes.
Continuemos a fingir que existe algo para além do visível.