«Veio saber do manuscrito? Está em leitura, não é? Estava a confundir, foi lido com interesse, claro que me lembro! Notável elaboração linguística, viva denúncia, não recebeu a carta? Lamentamos muito ter de lhe anunciar, na carta vai tudo explicado, já a mandámos há uns tempos, os correios atrasam-se sempre, vai recebê-la sem dúvida, os programas editoriais muito sobrecarregados, a conjuntura não favorável, vê que a recebeu? E que mais dizia? E agradecendo-lhe por no-lo ter dado a ler devolvê-lo-emos com urgência, ah, vinha buscar o manuscrito? Não ainda não o encontrámos, só mais um pouco de paciência, há-de aparecer, não se rale, aqui nunca se perde nada, mesmo agora achámos uns manuscritos que há dez anos que os procurávamos, oh, daqui a dez anos não, o seu será achado ainda antes, pelo menos esperamos, temos tantos manuscritos, pilhas desta altura, se quiser mostramos-lhe, compreende-se que queira o seu, não outro, era o que faltava, queria dizer que temos para aí tantos manuscritos que não nos interessam nada, imagine se íamos deitar fora o seu que é tão importante, não, não para o publicarmos, é importante para o devolvermos».
in Se Numa Noite de Inverno, Um Viajante – Italo Calvino