Nuno Almeida

nuno-azelpdsalmeida-1429467227-mediumNasceu em 1975, em Lisboa.

Considera-se um artista multimédia, fotógrafo e designer, não necessariamente por esta ordem. Procura a todo o momento aperfeiçoar «uma estética muito pessoal e distintiva» rumo a um «equilíbrio harmonioso entre sensibilidades artísticas e funcionalidade».

Fez parte da formação académica no CENJOR, mas demonstrou sempre uma multiplicidade de interesses  que redundou em constantes projectos –  Fotografia, Música, Literatura, Design – «caos contínuo» que ainda hoje tenta ordenar no site http://projecto-cellophane.blogspot.com/.

O espaço celebrou há pouco tempo uma década de existência, marco devidamente assinalado pelo autor, aqui.

Contudo, o que motiva esta biografia – que regista mais uma entrada nos Novos Autores – é a ambiciosa iniciativa de cariz literário (numa mistura de idealismo e profissionalismo detalhado)  a que Nuno Almeida se entregou em meados de 2016.

Sobre isso, existem detalhes aqui.

Foi com gosto que participei na campanha de apoio, não porque à época tivesse lido qualquer um dos textos que formam os livros, ou estivesse absolutamente seguro da viabilidade da ideia, mas somente por admirar a sua iniciativa, capacidade de trabalho, imaginação, rigor, atenção ao detalhe e perseverança.

Ao contrário de Nuno Hipólito, Nuno Almeida não quis resumir-se às edições digitais, enquanto aguardava pela melhor oportunidade no meio tradicional. Talvez por ter em mãos um projecto menos técnico e mais pessoal, decidiu agarrar corajosamente (haverá quem diga ousadamente) todas as rédeas do processo, desde a escrita até à edição, passando pela publicidade. A única coisa que o autor carecia era de fundos, que conseguiu através do apoio inesperado – segundo o próprio – de muitas pessoas.

Depois de algumas peripécias, recebi em mãos o resultado final com o mesmo entusiasmo e agrado que experimento sempre que toco num livro pela primeira vez.

Existiam, contudo, diferenças.

Seja um clássico ou um novo autor, uma edição tradicional ou pessoal, qualquer outro livro está resguardado numa dimensão que este(s) não exibia(m).

Não é nada que se identifique num primeiro instante, sente-se antes de se racionalizar. Todos os livros têm (à sua medida) uma espécie de alma, mas estes pareciam exalá-la em vez de apenas acenarem com ela, como quem puxa de uma identificação.

O par de livrinhos de prosa poética nascidos da teimosia inquebrantável (e ao mesmo tempo hesitante) de Nuno Almeida – Histórias em Cellophane e Moléculas –  são mais orgânicos do que qualquer outra coisa que já me tenha passado pelas mãos. E faço questão de afirmar isto antes de cair em considerandos subjectivos acerca da qualidade dos textos – e de tudo o resto – ou até mesmo de confessar se tal projecto está mais ou menos próximo das minhas preferências literárias.

Não se trata disso. Apenas de notar uma diferença substancial (quem sabe a maior de todas) entre o produto racional, acabado, estilizado mas sempre industrializado que nos é quase sempre oferecido e aquele «ser estranho».

Porque é disso que se trata: de um produto de autor, com a sua marca inconfundível, num paralelo quase lynchiano.

Nuno Almeida traçou tudo a regra e esquadro: Texto, Fotografia, uma mescla de ambos com os Postais, Marcadores, Miolo, Capa, Design, Video, até uma Banda Sonora para os mais afortunados. Não existe uma gota de aborrecimento nesta construção e no entanto a mesma não se confunde com as artesanais e preguiçosas «edições de autor» que tantas vezes se descobrem nas sacolas dos egos impacientes.

Podemos concordar ou não com a iniciativa. Podemos ou não gostar da estética. Podemos identificar-nos ou não com o conteúdo. Podemos ou não considerar Nuno Almeida um escritor «válido». Não é isso o que mais importa. Aquilo que é absolutamente obrigatório é respeitar a coragem deste em levar até ao fim, com tal nível de investimento pessoal, uma iniciativa deste género no actual panorama editorial português. A coragem de se expor assim ao Mundo (por mais encriptação que introduza nos textos).

O maior elogio que se pode fazer não é concluir que o produto é bom ou mau.

É concluir que o produto é Nuno Almeida.


P1340378_smallTalvez o Graal de qualquer autor – e aqui cabem todos os campos artísticos – seja a Frase Perfeita. Uma única linha de plenitude, que num sopro defina a Personalidade (aqui podia escrever Mensagem, mas a segunda é já um derivado da primeira).

Nuno Almeida parece querer ir mais longe. Não busca apenas a plenitude num só formato (neste caso na Escrita), mas na Imagem e no Som, mesclando  – qual alquimista obstinado –  todos estes ingredientes de diversas e inspiradas formas, numa quimera rumo ao Plano Mestre.

É possível que esse desígnio se resuma à inatingível «linha do horizonte», mas essa é uma verdade conhecida de qualquer artista: nada no Destino, tudo na Viagem.

A primeira «palavra» que se ouve neste trabalho é «Coerência».

Nuno Almeida quer enunciar essa Frase Perfeita, mas quer vesti-la de múltiplas cores, logo, a Fotografia em 15×20 que me coube em sorte é uma ampliação de uma imagem que ilustra  o texto Alicerce, presente em Histórias em Cellophane. Cada marcador é filho de cada livro, com citações e imagens comuns. Ainda que independentes no conteúdo e forma, ambos os livros fazem por pertencer à mesma «família» visual, rigor que nem sempre se encontra em edições mais «profissionais». A marca Cellophane é a marca Nuno Almeida, sendo essa simbiose propositada, até mesmo planeada ao detalhe.

Tendo abdicado de uma apresentação «tradicional», o autor optou por promover os livros através de pequenos vídeos, nomeadamente para os textos O Espúrio e Os Lençois Brancos (Moléculas) e A Ilusão (Histórias em Cellophane).

Arrisco dizer que a primeira semente dessa tentativa de fusão se adivinhe já com o conceito de postal, no qual o texto do verso insinua uma ligação óbvia com a imagem frontal. Imagens que por sua vez nasceram de fotografias com temáticas diversas, recolhidas pelo autor um pouco por toda a Europa, descobrindo-se nova ramificação dessa tal Frase Perfeita, que aqui já conjuga três formas de expressão – Escrita, Fotografia, Postal, numa simbiose consanguínea sem nunca se tornar autofágica.

Histórias em Cellophane oferece-nos 16 textos originais em prosa poética, ilustrados por 16 fotografias, cabendo ao leitor não só descobrir os pontos de contacto entre os dois campos expressivos, como ponderar sobre a principal fonte de inspiração do autor: terá a imagem provocado o escorrer das tímidas palavras, ou procurou Almeida um conjunto de imagens que resumisse os textos que tinha em mãos?

Como sempre, as fronteiras são diluídas até ao limite e as respostas são elusivas. Citando Tchécov: O papel do artista é fazer perguntas, não respondê-las. Ou para citar o próprio Nuno Almeida em Teias: Os livros não me dão respostas. É tinta desperdiçada.

Em A Ilusão (que mereceu um video promocional) adivinha-se a predominância de uma personagem feminina (seja a Musa ou apenas a humana protagonista), mas é de novo incerta a natureza dessa voz narrativa.

Obedecendo ao único critério que tenho disponível – o gosto pessoal – destaco quatro construções das referidas dezasseis:

 – Teias, pela capacidade de descrever o contexto existencial onde se move a pretensa protagonista (e cada um dos leitores, até certo ponto): «um beijo defronte do precipício, um nadinha de charlatanice…».

 – Encarcerados, pela dualidade latente entre a precisa capacidade de análise do «real» e o desejo rebelde de alienação desse mesmo «real»: «Os outros, nunca nós, encarcerados na vida».

 – Veneno, não só pela originalidade e fina ironia da imagem que acompanha o texto, mas também (e sobretudo) por conclusões como: «É este o veneno que deves descobrir no soalho das responsabilidades…».

 – Inédito, por ser um tratado irónico sobre ego, ilusão e condenadas «revoluções»: «…farol de insectos gravitacionais e penúrias importantes, deixam-te ser. E aí, nos caixotes do lixo destinados à reciclagem, não existe vergonha em ser-se felino».

Histórias em Cellophane é um cartão de visita, um trapézio de formas de expressão, ainda com pouca vontade de sair do casulo e explicar-se ao exterior. Limita-se a anunciar «estou aqui» sem jamais julgar necessário acrescentar «quem é».

Moléculas apresenta outros 16 textos originais, ainda em prosa poética, mas já seduzidos por uma faceta narrativa. Para tal contribui igualmente a ausência de fotografias, substituídas por pequenas imagens criativas, exemplos do humor fino que serpenteia entre palavra e desenho.

Colocado perante essa obrigação, tenho de escolher este como o meu livro preferido entre os dois, precisamente por ser menos amplo, por querer dizer menos coisas, mas dizê-las melhor. Enquanto o livro anterior nos mostrava a paleta de cores, este assume com maior despudor a sua natureza de livro e as histórias no seu interior assumem com maior facilidade a sua natureza de histórias.

São quem sabe as primeiras «moléculas» de um Nuno Almeida assumidamente «escritor», menos preocupado com o Nuno Almeida «fotógrafo» ou com qualquer outra das suas encarnações.

Continua a ser visível para os minimamente atentos a sua intenção primeira e fulcral de atingir a Frase, evidência perceptível logo no primeiro texto, O Brilho, onde se refere a locais geográficos (Estocolmo, Barcelona, Oslo…) fornecedores de algumas das imagens que encontrámos no primeiro livro (e também nos postais).

Ao utilizar tais referências logo no dealbar do segundo livro, Almeida demonstra com clareza que os dois trabalhos são filhos do mesmo núcleo, que a coesão é necessariamente para manter, a todos os níveis, mas sobretudo narrativo – a tal Musa ou Protagonista que se crê feminina começa a ganhar forma e identidade, sendo-lhe descoberto o nome Alice.

(Sugere-se no entanto que o leitor não confie de imediato nesta solução. E se tivéssemos, por exemplo, um protagonista masculino a «falar-nos» de Alice?).

Ainda assim, os quatro primeiros textos deste Moléculas pretendem fazer esse trabalho: definir a Personagem nas suas diferentes cambiantes – Mente, Corpo, Contexto.

Escolho cinco textos acima dos restantes:

 – O Feitiço/A Maçã

 – O Espúrio

 – Os Desvarios dos Cafés

 – Perspectiva

 – Lâminas

Todos estes mostram Nuno Almeida na sua melhor narrativa, no crescimento obrigatório e natural das suas ideias e mensagens, no tímido nascer de uma «história».

Para onde o autor se encaminha a partir daqui, não sabemos.

Fiquemos, para descobrir.

 

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