Não é difícil encontrar referências a Luís de Camões neste espaço. Basta espreitar aqui, aqui, ou aqui, entre muitos outros textos.
Talvez por isso – e apesar de ser a ele que António José Saraiva se refere neste excerto – estejamos desta vez a falar de outra coisa.
«Em resumo, na véspera da sua partida para Goa, (o autor) é um homem sem ofício certo, vivendo à lei de fidalgo, de língua chistosa e dardejante, de espada pronta, pobre e desamparado, posto à margem por uma sociedade que se tornava palaciana, regrada e beata e em que os pergaminhos, para valerem, tinham de ser lustrados com dinheiro.
A tradição conservou-lhe a fama de perdulário (…) e também a de ingrato. Naquela época entendia-se por ingratidão o não ser bastante serviçal, subserviente e humilde para com os grandes que dispensavam esmolas ou protecções.
(O autor) nunca foi capaz de aprender essa virtude do pobre.
(…)
Era demasiado fidalgo para poder governar-se como pobre; demasiado pobre para poder permitir-se liberdades de fidalgo. E, por cima disto, humanista, com o sentimento de superioridade que todos eles tinham relativamente à gente que acreditava nos pergaminhos ou no dinheiro.
Tanto bastava para fazer dele um inadaptado, mais não sendo preciso para explicar a sua perdição, de que ele tem consciência».