Berlim – 5

Terá sido coincidência que um dos piores momentos da carreira dos Queen – o álbum Hot Space – tenha sido gravado num estúdio em Munique, Alemanha? E que esse estúdio ficasse situado numa cinzenta torre de apartamentos, tornada famosa por ser do seu topo que muitos suicidas davam o salto final? Será estranho que o próprio Freddie Mercury tenha caído numa depressão e trilhado os seus caminhos mais escuros por esta altura? Terá sido apenas por acaso, ainda, que a notícia da morte de David Bowie – também ele grande amigo e colaborador da banda – me tenha chegado enquanto ainda permaneço em Berlim?

Não sei a resposta. Estou mergulhado num silêncio pesado. Lembram-se daquela analogia sobre a pessoa com quem nada tínhamos em comum e da qual queríamos distância? Imaginem agora que apesar da situação tóxica, esta se recusa a deixar-nos partir. É nesse ponto que estamos.

Isto porque, descobri há poucos minutos, me enganei na data do voo. Queria com todas as forças partir amanhã, mas o bilhete é apenas válido para o dia seguinte. Tenho portanto de suportar mais vinte e quatro horas nesta Berlim. Não na Berlim que milhares de turistas visitam todos os anos. Não na Berlim das festas, do Verão, dos parques cheios, da oferta cultural, da vida alternativa. Não na Berlim dos postais. Nesta Berlim. Na minha azarada experiência, invernal e arrevesada. Numa cidade que talvez só exista na minha cabeça, mas que para todos os efeitos, é a única que me resta. E da qual não me consigo livrar.


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Estou tão cansado que só consigo sair de casa no final da manhã. Reúno a paciência que me resta e desemboco na Potsdamerplaz, onde acabo por ter um bom almoço, no qual provo um apfelstrudel (folhado de maçã).

Depois, deixo que a chuva leve mas constante apanhe boleia do vento frio e me empurre até novo autocarro, que me traz a casa.

Por fim, no dia seguinte, o táxi até ao aeroporto. Um táxi nervoso e desengonçado, com o rádio aos berros. Que apenas por milagre não se envolve num acidente ao ultrapassar outro carro pela direita – e o que seria de mim se ficasse retido num acidente de viação a poucas horas do voo.

Depois, a segurança do aeroporto. Pela primeira vez desde que viajo – e faço-o com frequência há mais de dez anos – obrigam-me a abrir a mochila, em busca não sei de quê. Talvez da bomba-relógio que é o meu humor neste momento. A terminar, o código no bilhete que não é lido à primeira e um derradeiro insulto em alemão, que não traduzo.

Fecho os olhos assim que o avião descola e procuro visualizar a cinzenta Dublin, que em comparação com isto, é quase uma ilha grega.

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