Viveu entre 1855 e 1886. Foi considerado um dos precursores da poesia portuguesa no século XX.
Filho do lavrador e comerciante José Anastácio Verde e de Maria da Piedade dos Santos Verde, Cesário matriculou-se no Curso Superior de Letras em 1873, mas frequentou-o apenas alguns meses. Ali conheceu Silva Pinto, que ficou seu amigo para o resto da vida. Dividia-se entre a produção de poesias, publicadas em jornais, destacando-se a revista Branco e Negro (1896-1898) e as actividades de comerciante herdadas do pai.
Em 1877 começou a ter sintomas de tuberculose, doença que já lhe tirara o irmão e a irmã. Estas mortes inspiraram contudo um dos seus principais poemas, Nós (1884).
Tenta curar-se, sem sucesso, e vem a falecer no dia 19 de Julho de 1886. No ano seguinte, Silva Pinto organiza O Livro de Cesário Verde, compilação da sua poesia publicada em 1901.
No seu estilo delicado, Cesário empregou técnicas impressionistas com extrema sensibilidade ao retratar a Cidade e o Campo, que são os seus cenários predilectos. Evitou o lirismo tradicional, expressando-se de uma forma mais natural.
Dicotomia Cidade/Campo
A supremacia exercida pela cidade sobre o campo leva o poeta a tratar estes dois espaços em termos dicotómicos. O contacto com o campo na sua infância determina a visão que dele nos dá e a sua preferência. Ao contrário de outros poetas anteriores, o campo não tem um aspecto idílico, paradisíaco, bucólico, susceptível de devaneio poético, mas sim um espaço real, concreto, autêntico, que lhe confere liberdade. O campo é um espaço de vitalidade, alegria, beleza, vida saudável.
Na cidade, o ambiente físico, cheio de contrastes, apresenta ruas macadamizadas ou esburacadas, casas apalaçadas (habitadas pelos burgueses e pelos ociosos), quintalórios velhos, edifícios cinzentos e sujos… O ambiente humano é caracterizado pelos calceteiros, cuja coluna nunca se endireita, pelos padeiros cobertos de farinha, pelas vendedeiras enfezadas, pelas engomadeiras tísicas, pelas burguesinhas…
É neste sentido que podemos reconhecer a capacidade de Cesário Verde em trazer para a poesia o real quotidiano do homem citadino.
Ao ler-se o poema Da Tarde, pertencente a Em Petiz, é visível o tom irónico em relação aos citadinos, mas onde o tom eufórico também sobressai, ao percorrer os lugares campestres ao lado da sua «companheira». A preferência do poeta pelo campo está expressa nos poemas De Verão e Nós (o mais longo), onde desaparecem a aspereza e a doença ligadas à vida citadina e surge o elogio ao ambiente campesino.
A arte de Cesário Verde é pois reveladora de uma preocupação social e este intervém criticamente. O campo oferece ao poeta uma lição de vida multifacetada (por exemplo, os camponeses são retratados no seu trabalho diário) que ele transmite com objectividade e realismo. Trata-se, pois, de uma visão concreta do campo e não da abstracção da Natureza.
A Mulher
Deambulando pelos dois espaços, depara com dois tipos de mulher, que estão articulados com os locais. A cidade maldita surge associada à mulher fatal, frívola, calculista, madura, destrutiva, dominadora, sem sentimentos. Em contraste com esta mulher predadora, surge um tipo feminino, por exemplo em A Débil, que é o oposto complementar das esplêndidas aristocráticas, presentes em poemas como Deslumbramentos e Vaidosa. Essa mulher é frágil, terna, ingénua e despretensiosa.
A mulher (desfavorecida) do campo é-nos mostrada numa perspectiva diferente. A vendedora em Num Bairro Moderno, ou a engomadeira em Contrariedades mostram as características da mulher do povo no campo. Sempre feias, pobres e por vezes doentes, ou em esforço físico, as mulheres trabalhadoras são objecto da admiração de Cesário.
Escolas Literárias
Podemos afirmar a sua aproximação a várias estéticas, embora seja visível a proximidade com Baudelaire por retratar realidades quotidianas, o que o aproxima dos poetas portugueses do século XX e o fez incompreendido no seu tempo.
Embora não pudesse ser enquadrado em nenhuma das escolas poéticas dos países de língua portuguesa da época, teria de estar relacionado com as estéticas do seu tempo de alguma forma. Se tivermos em conta o interesse pela captação do real, por exemplo, ao considerarmos o tipo de cenas pelas quais o poeta optou, os seus quadros e figuras citadinas, concretas, plásticas e coloridas, é fácil detectar aqui a afinidade ao Realismo. A ligação aos ideais do Naturalismo verifica-se na medida em que o meio surge determinante dos comportamentos. Se considerarmos o facto de o poeta figurar plasticamente uma cena, isso poderia aproximá-lo do Parnasianismo. Porém, a sua obra ainda tem um certo sentimentalismo que remete ao Romantismo e as imagens retratadas, muitas vezes de personagens doentes ou pobres, jamais poderiam ser retratadas por um parnasiano.
Aproxima-se ainda dos impressionistas, que captam a realidade mas que a retratam já filtrada pelas percepções, o que, definitivamente, o inscreve no quadro dos poetas fundadores da modernidade. Ecos de sua obra podem ser vistos nos poemas de Fernando Pessoa, parecendo Cesário Verde ser o predecessor do heterónimo Álvaro de Campos de Opiário e sendo citado várias vezes por Alberto Caeiro.
Nesta obra encontramos um dos universos poéticos mais estimulantes e complexos de toda a Literatura Portuguesa. A multiplicidade de influências que nele se cruzam não impede a sua afirmação como momento inaugural de um discurso poético de ruptura, já verdadeiramente moderno.
O carácter inovador desta poesia congrega pistas estéticas várias, que foram posteriormente trilhadas pela poesia portuguesa dos finais do século XIX e da primeira metade do século XX, revelando todas as suas potencialidades expressivas. Contrastando com a recepção obtida aquando da sua publicação dispersa em vários jornais e revistas, o reconhecimento da importância desta obra na poesia portuguesa é actualmente unânime.
O Sentimento de um Ocidental
(excertos)
Toca-se às grades, nas cadeias.
(…)
Coração que se enche e que se abisma.
(…)
A nódoa negra e fúnebre do clero.
(…)
E eu sonho a Cólera, imagino a Febre
Nesta acumulação de corpos enfezados
Sombrios e espectrais recolhem os soldados
inflama-se um palácio em face de um casebre.
(…)
E saio. A noite pesa, esmaga.
Nos passeios de lajedo arrastam-se as impuras.
Ó moles hospitais! Sai das embocaduras
Um sopro que arrepia os ombros quase nus.
(…)
As burguesinhas do Catolicismo
Resvalam pelo chão minado pelos canos
E lembram-me, ao chorar doente dos pianos
As freiras que os jejuns matavam de histerismo.
(…)
Desdobram-se tecidos estrangeiros
Plantas ornamentais secam nos mostradores
Flocos de pó-de-arroz pairam sufocadores
E em nuvens de cetins requebram-se os caixeiros.
(…)
Se eu não morresse nunca! E eternamente
Buscasse e conseguisse a perfeição das coisas!
(…)
Mas se vivemos, os emparedados, sem árvores
no vale escuro das muralhas.
Julgo avistar, na treva, as folhas das navalhas
E os gritos de socorro ouvir, estrangulados.
(…)
Eu não receio, todavia, os roubos
Afastam-se, à distância, os dúbios caminhantes.
E sujos, sem ladrar, ósseos, febris, errantes
Amareladamente, os cães parecem lobos.
(…)
E, enorme, nesta massa irregular
De prédios sepulcrais, com dimensões de montes
A Dor humana busca amplos horizontes
E tem marés, de fel, como um sinistro mar.