Joseph Conrad

joseph-conrad-2Viveu entre 1857 e 1924. É considerado um dos grandes romancistas em língua inglesa, pois apesar de não falar fluentemente o idioma até aos vinte anos (e sempre com sotaque acentuado), era um mestre na prosa escrita, tendo trazido uma sensibilidade exótica à literatura britânica. Escreveu contos e romances, muitos deles com uma temática marítima, que retratam as provações do espírito humano num universo de indiferença. Curiosamente, o mar está ausente em alguns dos grandes trabalhos, como Nostromo, e O Agente Secreto.

É considerado um dos primeiros modernistas, embora as obras ainda contenham elementos do realismo novecentista. O seu estilo narrativo e personagens com perfil de «anti-herói» influenciaram muitos autores, como T.S. Eliot, William Faulkner, Graham Greene, e mais recentemente, Salman Rushdie.

Contemporâneo do Império Britânico, inspirava-se também nas suas origens de Leste e na experiência adquirida nos navios mercantes franceses e ingleses para compor contos e romances que reflectissem as características de um mundo dominado por europeus, analisando em paralelo a psicologia do ser humano. Desde cedo admirado pela crítica, as suas obras de ficção e não-ficção têm sido consideradas proféticas, tendo em conta os desastres nacionais e internacionais dos séculos XX e XXI.

 

Joseph Conrad nasceu a 03 de Dezembro de 1857 em Berdychiv, na Ucrânia, que fazia então parte do Império Russo. Era filho único. O pai era escritor, tradutor, activista político e candidato a revolucionário. Conrad teve como nome de baptismo Józef Teodor Konrad.

Ainda que a maioria dos habitantes da zona fossem ucranianos e que a cidade natal fosse maioritariamente composta por judeus, as terras eram propriedade da nobreza polaca, da qual Conrad descendia. A literatura polaca, sobretudo de cariz patriótico, era tida em grande conta pelos polacos locais.

Devido ao activismo político do pai, a família mudava-se com frequência. Em Maio de 1861, foram para Varsóvia, onde este se juntou à resistência contra o Império Russo. Tal gesto valeu-lhe a prisão. Conrad escreveria mais tarde: No pátio desta prisão encontram-se as minhas primeiras memórias. A 09 de Maio de 1862 a família exilou-se em Vologda, situada 500 kms a norte de Moscovo e dona de um clima inóspito.

Em Janeiro de 1863, a sentença do pai foi perdoada e seguiram para Chernihiv, no nordeste da Ucrânia, onde as condições eram mais agradáveis. Apesar disso, a 18 de Abril de 1865, a mãe morre de tuberculose.

O pai fez o possível por educar Conrad em casa. As leituras precoces permitiram-lhe o acesso a dois autores que seriam essenciais na sua vida: Víctor Hugo, onde encontrou a esfera de actividade que lhe dominaria a juventude, e Shakespeare, que iria aproximá-lo da literatura inglesa. Contudo, na época, o primeiro lugar era ocupado pela poesia romântica polaca. Meio século depois explicaria que:

lado polaco da minha obra chega-me de Mickiewicz e Słowacki. O meu pai lia-me Mickiewicz em voz alta e dizia-me para fazer o mesmo

Em Dezembro de 1867, mudam-se para uma zona da Polónia na posse da Áustria, que beneficiava de alguma liberdade interna e autonomia governativa. Depois de longos períodos em diversas localidades, a 20 de Fevereiro de 1869 seguem para Cracóvia. Poucos meses depois, a 23 de Maio, o pai morre, deixando Conrad órfão aos 11 anos. Tal como a mãe, também o pai sofria de uma forma grave de tuberculose.

O jovem Conrad é deixado ao cuidado de um irmão da mãe. A sua saúde frágil e uma educação académica insuficiente trouxeram ao tio um conjunto de problemas, sobretudo financeiros. Conrad era mau aluno, apesar das explicações, sendo apenas brilhante em Geografia. Uma vez que os problemas de saúde tinham uma óbvia origem nervosa, os médicos sugeriram que o ar puro e o exercício físico permitiriam outra resistência. O tio concordou que um conjunto de rotinas rígidas e a exigência do trabalho serviriam para lhe incutir disciplina. Uma vez que tinha pouca vocação para estudar, era essencial que aprendesse um ofício. O tio adivinhou-lhe bom futuro na marinha, onde podia combinar a tendência para a navegação com a actividade comercial. Assim sendo, no Outono de 1871, um Conrad de 13 anos anunciou a intenção de se tornar marinheiro. Mais tarde, recordará que tinha lido à época um conjunto de aventuras marítimas e relatos expedicionários. Um amigo de adolescência lembra que o autor gostava de relatar aventuras fantásticas, sempre de teor marítimo, descritas com tal vivacidade que pareciam estar a ocorrer diante de todos.

Em Agosto de 1873, o tio enviou-o, com 15 anos, para junto de um primo, dono de um pequeno orfanato. As conversas decorriam em francês. A filha deste relembra:

Ficou connosco alguns meses… Intelectualmente era muito evoluído, mas não suportava a rotina escolar, considerando-a enfadonha e cansativa. Costumava dizer que tinha planos para se tornar um grande escritor. Detestava todo o tipo de restrições. Fosse em casa ou na escola, a sua atitude era sempre rebelde. Sofria de dores de cabeça intensas e ataques de nervos.

Conrad ficou apenas um ano no estabelecimento, antes de o tio voltar a recebê-lo, em Setembro de 1874.

Um mês depois seguiu para Marselha, em França, para dar início à carreira marítima. Apesar de não ter concluído o ensino secundário, era fluente em Francês (com bom sotaque), tinha noções de Latim, Alemão e Grego, um bom nível de História e Geografia, e um superficial interesse em Física. Era bem letrado, sobretudo na poesia romântica polaca. Fazia parte de uma das primeiras gerações da família obrigadas a trabalhar, sem ser na administração de propriedades. Vinha de uma classe alta, que teria mais tarde um importante papel na Europa Central e de Leste. Tinha já absorvido o suficiente em História, Cultura e Literatura para ser dotado de uma visão original do mundo, o que lhe permitiria mais tarde dar um importante contributo à literatura da sua Inglaterra adoptiva. Todas as tensões de infância, depois desenvolvidas na adolescência, estiveram na base dos grandes feitos literários.

Conrad era considerado cidadão russo, uma vez que tinha nascido em território polaco/ucraniano controlado na época pelos russos. Em Dezembro de 1867, com a devida autorização do governo, o pai tinha-o levado para a zona austríaca do território «russo», que gozava de alguma liberdade interna e um certo grau de autonomia. Depois da morte deste, o tio tentou obter-lhe a nacionalidade austríaca – sem sucesso, provavelmente porque Conrad não tinha autorização para se fixar em permanência no estrangeiro, o que o mantinha «preso» à cidadania russa. Também não podia regressar à Ucrânia, que fazia parte do Império Russo – isso implicava longos anos de serviço militar e, enquanto filho de um exilado político, permanentes pressões e dificuldades.

Por fim, acabaria por encontrar refúgio em Inglaterra. A 02 de Julho de 1886, pediu a nacionalidade britânica, que lhe foi concedida a 19 de Agosto desse ano. Contudo, apesar de ser agora um súbdito da Rainha, não tinha ainda deixado de estar submetido ao Czar. Para que isso acontecesse, foram necessárias inúmeras visitas à Embaixada Russa em Londres, onde reiterou humildemente essa vontade, que só foi cumprida em 1889.

Em 1874, Conrad deixou a Polónia para dar início à carreira na marinha mercante. Após cerca de quatro anos ao serviço da França, passou para a marinha britânica, tendo servido a Coroa nos 15 anos seguintes. Trabalhou em inúmeros navios e em múltiplas funções, até chegar por fim ao posto de capitão. Curiosamente, dos 20 anos de carreira na marinha, apenas metade foram de facto passados no mar.

A maioria dos contos e romances posteriores, bem como muitas das personagens, foram inspirados pela sua carreira mercante, por pessoas que conheceu ou de quem ouviu falar. Os nomes das personagens eram muitas vezes verídicos. O seu contrato de três anos com uma companhia mercantil belga, que incluía a capitania de um barco a vapor numa travessia pelo rio Congo, serviram de base para o romance Coração das Trevas.

Em 1894, com 36 anos, Conrad decidiu com alguma relutância abandonar o mar, em parte por razões de saúde e pela escassez de trabalho, mas também porque tinha redescoberto um interesse tão grande na escrita que optou por seguir de vez a carreira de escritor. O primeiro romance, A Loucura de Almayer, foi publicado em 1895. Utiliza pela primeira vez o nome literário «Joseph Conrad».

Edward Garnett, um jovem editor e crítico literário, que se tornaria de grande importância para a carreira literária de Conrad, ficou impressionado com o manuscrito, embora «inseguro sobre se o Inglês tinha qualidade suficiente para ser publicado». Garnett mostrou o romance à mulher, Constance Garnett, mais tarde uma conhecida tradutora da literatura russa, tendo esta considerado que o lado «estrangeiro» do autor era uma vantagem.

Apesar de Conrad ter tido um contacto apenas superficial com os povos do Sudeste Asiático, a região está muito presente nos trabalhos iniciais. Este parecia consciente que a sua falta de afinidades culturais com os leitores anglófilos o impedia de competir com os autores nativos, quando se tratava de escrever sobre a sua cultura. Para além disso, escolher um cenário colonial não-inglês libertava-o da lealdade «patriótica» – as primeiras obras, incluindo Coração das Trevas contêm reflexões amargas sobre o colonialismo.

As primeiras obras acabam por defini-lo como escritor romântico e exótico – um mal-entendido acerca das suas intenções que o haveria de perseguir para o resto da vida.

A maioria dos escritos começou por ser publicada em jornais e revistas da especialidade. Contudo, o sucesso financeiro tardava, o que obrigava o autor a pedir adiantamentos e empréstimos. Por fim, uma bolsa do governo de carácter anual, concedida a 09 de Agosto de 1910, libertou-o de alguma forma dos problemas financeiros, e com o tempo os leitores começaram a comprar-lhe os livros. Apesar do seu talento ser reconhecido pela elite intelectual inglesa, o sucesso popular fugiu-lhe até 1913, quando publicou Acaso – paradoxalmente uma das obras mais fracas.

Os críticos dividem a carreira literária de Conrad em três fases:

 – A primeira e mais longa, de 1890 até à Primeira Guerra, contém os seus melhores romances, onde se incluem Coração das Trevas, Nostromo e O Agente Secreto.

 – A segunda fase, durante a Guerra e após o sucesso popular de Acaso, marca a ascensão de Conrad ao estatuto público de «grande escritor».

 – A terceira, após a Guerra e até à sua morte em 1924, revela por fim uma espécie de «paz desconfortável», uma vez que o conflito permitiu-lhe «libertar a mente do terror e ansiedade».

Conrad era um homem reservado, que raramente revelava as emoções. Desprezava os sentimentos, descritos nos livros com total contenção, cepticismo e ironia. Há quem diga que era uma reacção às palavras do tio, que o retratava na adolescência como «extremamente sensível e excitável, ou seja, um exemplo dos defeitos da família».

Conrad batalhou a vida inteira com uma saúde fraca, tanto física como mental. Uma crítica literária à sua biografia sugeria que o livro se poderia intitular Trinta Anos de Dívidas, Depressão e Angústia. Em 1891, foi hospitalizado durante vários meses, com um diagnóstico de gota, dores nevrálgicas no braço direito e ataques recorrentes de malária. Queixava-se também de inchaço nas mãos «que lhe dificultava a escrita». Tinha ainda fobia a dentistas, negligenciando os dentes até serem tirados. Confessa numa carta que cada romance que escreveu lhe custou um dente. Psicologicamente, descreve também sintomas de depressão.

Em Março de 1878, com 20 anos, e após um período em Marselha, tenta o suicídio com um tiro no peito. De acordo com o tio, estava atolado em dívidas. Existem dúvidas sobre a real intenção de Conrad em pôr termo à vida, mas os sintomas de uma depressão conjuntural estão lá.

Pouco se sabe acerca dos relacionamentos íntimos de Conrad antes do casamento (embora tenham existido), o que confirma a percepção popular de um indivíduo isolado e solteirão, que preferia a companhia dos amigos.

Em Março de 1896, casa-se com uma inglesa, Jessie George. O casal tem dois filhos. O mais velho revela-se uma desilusão, nos estudos e no carácter. Jessie era uma mulher rude, de origens proletárias, e dezasseis anos mais nova que ele. Os amigos de Conrad não a compreendiam nem a toleravam com facilidade. Contudo, de acordo com outras fontes, Jessie simbolizava aquilo que estava em falta na vida do escritor, ou seja, uma companheira «dedicada, eficaz e simples». É notório que foi ela quem «permitiu as bases que sustentaram a carreira literária de Conrad, a qual teria tido muito menos sucesso sem a sua existência».

O casal alugou inúmeras casas em França, Londres, e sobretudo na província inglesa. Estas, por vezes, pertenciam a amigos – para assim estarem perto deles, aproveitar a paz do campo e acima de tudo poupar na renda. Com excepção das férias em França e Itália, uma viagem à Polónia e outra aos Estados Unidos, Conrad passou o resto da vida em Inglaterra.

A 03 de Agosto de 1924, morre na sua casa em Kent, de ataque cardíaco.


A obra retrata a viagem de barco do narrador pelo rio Congo, rumo ao coração de África. Marlow conta a sua história aos amigos a bordo de um barco ancorado no rio Tamisa, em Londres. Isto fornece o enquadramento para a obsessão deste com Kurtz, um negociador de marfim, facto que permite a Conrad estabelecer um paralelismo entre Londres e África enquanto locais obscuros.

A ideia base da obra é a de que existe uma ténue diferença entre a pretensa civilização e aqueles considerados selvagens. São assim abordadas as questões do imperialismo e do racismo.

Publicada pela primeira vez em três partes na Blackwood Magazine, foi depois editada e traduzida em várias línguas.

O autor reconheceu que o texto foi parcialmente baseado na sua própria experiência, aquando das viagens por África. Em 1890, com 32 anos, foi nomeado capitão de um vapor ao serviço de uma companhia belga e encarregue de subir o rio Congo. Ao longo do percurso, e à medida que testemunha a crueldade e corrupção dos europeus, torna-se cada vez mais desencantado com o Imperialismo. O narrador é visto enquanto voz do próprio autor.

Existem várias fontes possíveis para a personagem do antagonista, Kurtz. Georges-Antoine Klein, um agente que adoece e mais tarde morre a bordo, é uma delas. Os membros principais da desastrosa «coluna traseira» da expedição parecem também inspirados em pessoas reais, incluindo o líder, Edmund Musgrave Barttelot, o negociante de escravos Tippu Tip e o explorador galês Henry Morton Stanley.

Quando o autor começou a escrever a obra, oito anos após o regresso de África, decidiu procurar inspiração nos seus diários de viagem. Segundo este:

Trata-se da história agitada de um jornalista que se torna gerente de um porto no coração de África e acaba por ser venerado por uma tribo de selvagens. Parece ridículo, assim dito, mas não é.

A bordo do Nellie, ancorado no rio Tamisa, em Inglaterra, Charles Marlow relata aos amigos os eventos que culminaram na sua nomeação para capitão de um barco a vapor, ao serviço de uma companhia mercante. Descreve as várias viagens pela costa africana e depois pelo interior, rumo ao posto avançado da empresa, um local descrito por Marlow como caótico: reina a desorganização, há peças de maquinaria espalhadas por todo o lado, ocorrem explosões aleatórias e inúteis. Homens negros são acorrentados em grupos, maltratados, desmoralizados e explorados até à morte, todos vigiados por um outro nativo, fardado e armado. É neste local que Marlow encontra o contabilista da companhia, que lhe fala de um Mr. Kurtz, visto como alguém altamente respeitado, que traz mais lucro à empresa que todos os outros funcionários juntos.

Marlow parte numa caravana, que se desloca a pé pela selva ao longo de 200 kms, rumo à Estação Central, local onde está estacionado o barco que ele terá de capitanear. À chegada, descobre com irritação que o transporte se avariou dois dias antes. O gerente explica que tentaram subir o rio, ao serem informados que uma outra base se encontrava em perigo, e que o respectivo chefe, Mr. Kurtz, estava doente. Marlow descreve os funcionários da Companhia neste local como preguiçosos e traiçoeiros, carregados de inveja e ganância, todos em busca de rápida ascensão nos quadros e de maiores lucros. Contudo, fazem-no de forma caótica, ineficaz e indolente, levando Marlow a concluir que todos eles se limitam a esperar e a fugir dos problemas. São necessários meses para reparar o barco, devido à falta de peças e ferramentas, para grande frustração do protagonista. Ao longo do tempo, Marlow descobre ainda que Kurtz está longe de ser admirado, sendo pelo contrário invejado (sobretudo pelo gerente). O seu estatuto é visto como imerecido, uma vez que só foi obtido à conta dos seus contactos europeus.

A subida do rio até à base de Kurtz demora exactamente dois meses. A bordo seguem o gerente, três ou quarto funcionários e cerca de vinte indígenas, registados como tripulação. O barco detém-se por pouco tempo junto de uma cabana abandonada próximo das margens, onde Marlow encontra uma pilha de madeira, com uma nota a indicar que se trata de uma oferta e a avisar que deverão avançar rápida e cautelosamente à medida que se aproximam da base.

Fazem uma pausa para passar a noite, a cerca de oito quilómetros. Ao amanhecer, notam que o barco está envolto num espesso nevoeiro. Na margem, ouvem um troar intenso e um clamor inexpressivo. Horas depois, à medida que a navegação se torna cada vez mais difícil, o vapor é atacado por uma nuvem de pequenas flechas vindas da floresta. Os funcionários disparam às cegas para o mato, e o nativo que cumpre o papel de guarda abandona o leme e dispara ele próprio uma arma. Marlow toma o comando para evitar que o barco se descontrole. O nativo «traidor» é atingido por uma lança e cai aos pés de Marlow. Este faz soar repetidamente a buzina, assustando os atacantes e fazendo cessar a chuva de flechas. Marlow e outro funcionário confirmam a morte do nativo e o primeiro força o segundo a tomar o leme para se poder ver livre dos sapatos encharcados de sangue. Todos assumem (erradamente) que Mr. Kurtz está morto. Num flash forward, Marlow menciona que a Sociedade Internacional para a Supressão dos Hábitos Selvagens encomendou um relatório a Kurtz, que este redigiu eloquentemente. Uma adenda escrita à mão apela ao «extermínio de todos os selvagens». Marlow comenta que Kurtz não é merecedor de todas as vidas que se perderam para tentar encontrá-lo. Depois de calçar um par de chinelos, o protagonista regressa ao leme. O gerente revela uma vontade forte de voltar para trás, mas nesse momento, a base torna-se visível.

Marlow repara num homem na margem, que acena entusiasticamente, convidando-os a atracar. À conta das expressões e gestos, juntamente com o colorido da roupa, é visto por Marlow como uma espécie de arlequim. Os funcionários, fortemente armados, escoltam o gerente até à margem, de modo a recolherem Mr. Kurtz. O colorido personagem junta-se a eles e revela-se um aventureiro russo que descobriu por acaso a base de Kurtz. Confessa ter sido ele a deixar a pilha de madeira e o bilhete na cabana abandonada. Marlow, através da conversa, apercebe-se do temperamento de Kurtz, da veneração que os nativos têm por ele e até que ponto o mesmo tem estado doente. O russo admira Kurtz pelo seu intelecto, pelas opiniões que revela sobre o amor, a vida e a justiça, sugerindo que se trata de um poeta. Confessa que Kurtz lhe abriu os olhos e parece admirar-lhe o poder – e a facilidade com que o exerce. Marlow, por outro lado, sugere que Kurtz enlouqueceu.

A partir do barco, através de um telescópio, Marlow examina a base em pormenor e nota com surpresa uma fila de estacas, onde se exibem as cabeças cortadas de numerosos nativos. Junto à curva, surge o gerente na companhia dos funcionários, transportando um esquálido e fantasmagórico Kurtz numa maca improvisada. A zona é de súbito invadida por nativos, com intenções violentas, mas Kurtz grita qualquer coisa e estes retiram-se para a floresta. Carregam-no para o vapor e deitam-no numa das cabinas, onde este tem uma conversa privada com o gerente. Marlow observa uma bela mulher nativa, que percorre a margem com passos ponderados e se detém junto ao barco. Esta ergue os braços acima da cabeça e regressa à floresta. Marlow escuta uma discussão entre Kurtz e o gerente. O primeiro afirma que o seu trabalho na base está incompleto e acusa a Companhia de interferir com os seus planos. Quando o gerente sai da cabina, informa Marlow que Kurtz prejudicou a reputação da Companhia na região, e que os seus métodos são «inapropriados». Mais tarde, o russo confessa saber que a Companhia pretende destituir Kurtz, quem sabe mesmo matá-lo e Marlow confirma que foram equacionados enforcamentos. O russo informa então que foi Kurtz quem ordenou o ataque dos nativos, na esperança que a Companhia recuasse na intenção de o remover. Insiste em partir imediatamente, mencionando uma canoa que o aguarda e confessa o quanto gostava de ouvir Kurtz a recitar poesia.

Depois da meia-noite, Marlow descobre que Kurtz abandonou a cabina e regressou a terra. Desembarca atrás dele e encontra-o muito fraco, a rastejar rumo à base, tentando ainda pedir o auxílio dos nativos. Marlow ameaça magoar Kurtz se este lançar o alarme, mas aquele limita-se a lamentar o facto de não ter prosseguido o seu trabalho. Marlow compadece-se da sua situação grave e perante as ameaças de Kurtz, argumenta que o sucesso deste na Europa «está assegurado». Perante isto, o outro autoriza Marlow a levá-lo de volta ao barco. No dia seguinte, preparam a viagem de regresso. Os nativos, incluindo a bela mulher, reúnem-se uma vez mais nas margens, lançando gritos incompreensíveis. Notando que os funcionários se preparam para disparar, Marlow faz de novo soar a buzina, de modo a afugentar a multidão. Apenas a mulher permanece, de braços estendidos. Os funcionários abrem fogo à medida que a corrente leva o barco de volta.

A saúde de Kurtz piora durante o regresso e o próprio Marlow sente-se cada vez mais doente. O vapor avaria e enquanto se procedem às reparações, Kurtz oferece a Marlow um conjunto de documentos, incluindo o relatório e uma fotografia, pedindo-lhe para esconder tudo aquilo do gerente. Quando Marlow volta a falar com ele, Kurtz está moribundo e nos últimos instantes, sussurra «O terror! O terror!». Marlow apaga a vela e procura agir como se nada se tivesse passado, quando se junta à tripulação para jantar. Pouco depois, um subalterno do gerente aparece e anuncia num tom grave que «Mr. Kurtz está morto». No dia seguinte, Marlow presta pouca atenção aos funcionários enquanto estes enterram «qualquer coisa» num buraco lamacento. Cai muito doente, também ele à beira da morte.

Após regressar à Europa, Marlow torna-se amargo e despreza o mundo «civilizado». Aparecem diversos visitantes em busca dos documentos confiados por Kurtz: Marlow fornece o relatório intitulado «Supressão dos Hábitos Selvagens» (com a adenda rasgada) a um representante da Companhia, consciente que este está apenas em busca de pistas sobre o paradeiro do marfim e pouco interessado em tratados humanistas. O homem recusa o documento. A outro visitante, que alega ser primo de Kurtz, Marlow oferece cartas de família e notas de pouca importância. Fornece por fim o relatório a um jornalista, para ser publicado em caso de interesse. Restam-lhe apenas cartas pessoais e uma fotografia da noiva de Kurtz, a quem este se referia como «a minha pretendente». Quando Marlow a visita, esta está vestida de negro e mergulhada num luto profundo, embora se tenha passado mais de um ano desde a morte do noivo. Pressiona Marlow em busca de mais informação, pedindo-lhe para que este repita as últimas palavras de Kurtz, as famosas «O terror! O terror!». Incomodado, Marlow mente e diz-lhe que o noivo morreu a pronunciar o nome dela.

 

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