Pode não parecer, mas já me andam a dever uma pitadinha de adulação.
Afinal, comecei a pagar o preço de passar doze horas por dia com o nariz mergulhado em computadores e livros. Estou obrigado pelos especialistas a usar óculos sempre que executar qualquer uma destas actividades, o que equivale a tê-los postos quase sempre.
Tal permitiu-me recordar a famosa rábula onde um jornalista com pose de canal cultural entrevista um «jovem escritor».
Entra logo a matar:
Quer dizer que é poeta...
Com certeza que sim, repare, tenho uma boina.
Adquiri também eu, ultimamente, uma resposta pronta:
Parece que escreves umas coisas...
Com certeza que sim, repara nos óculos...
O verdadeiro riso está nas coisas que se julgam sérias, sendo nelas que os grandes autores da escrita humorística encontram os melhores exemplos.
Não faltam amostras dos estereótipos acima focados e acrescento que para além das boinas e dos pares de óculos, existem ainda os «grupos criativos», os «críticos amigos» e muitos outros apêndices que elevam tais «promessas» a qualquer coisa.
Ainda a rábula:
Já escreveram que eu sou o maior poeta de todos os tempos...
Ah sim? Quem?
Eu, ontem à noite no meu computador…e como coloquei o ficheiro em anexo, é coisa para ficar na História...
A revista LER publicou, em 2012, uma crónica exemplar:
Comecemos assim: escreves para vender e brilhar em recepções ou escreves porque te falta o carácter para não o fazer (Kraus)? Se escreves para vender, tenho pena que não te tenhas dedicado à construção civil (voltará pujante depois da crise), se escreves para aparecer nos jornais e na televisão, és um bidé com antenas. Os editores gostam de bidés com antenas e ainda mais se venderem muito e fizerem o broche de pino.
O que é fazer o que os editores dizem? É fazer tudo menos sexo anal com bodes. Isso não. O que temos de fazer é aparecer, responder, constar dos jornais: já lhe fizeram o favor de editar a porcaria que escreveu. (…) Vender livros é isto. Literatura é isto, seus trambolhos; se não querem, façam edição de autor lá na parvónia onde rastejam.