Recordo-me suficientes vezes do ano (longínquo) em que cheguei a Lisboa.
Estávamos no final da década de 90, à beira da Exposição Mundial, e a velha capital aparecia aos meus olhos como a última fronteira. Tendo passado dezoito anos na província, ainda recordado de um tempo em que chegar a Lisboa exigia que desesperássemos cinco horas dentro de um automóvel, em curvas e contracurvas por estradas nacionais, aquele seria por fim o momento da grande viragem.
O pico da civilização lusa.
Ao dobrar a esquina para apanhar um dos primeiros autocarros para a faculdade, registei com uma clareza desusada a reflexão. À minha frente, estendiam-se quatro anos de existência na capital. Na altura considerei aquele número uma vida interminável de experiências. Pura ingenuidade. Os quatro passaram a sete, depois dez, finalmente quinze.
Foram várias as ocasiões em que ensaiei o divórcio. A famosa crise dos sete anos levou-me um ano de volta a casa. Depois do regresso, aos dez, deixei-me arrastar até Coimbra e lá cheguei a procurar casa e trabalho. Foi uma traição passional, daqueles incêndios incontroláveis que cospem queimaduras de último grau mas sufocam em pouco tempo.
De todas as vezes, com maior ou menor convicção, regressava à velha Lisboa dos eléctricos, do Tejo, das colinas, do castelo, dos cafés de esquina, dos jardins, do Bairro, de todos os bairros, das pombas, do sol, das varandas, da roupa branca, do tapete de telhados.
Contudo, não há amor que sempre dure. Fiquemos ou não a seu lado.
As pessoas desapareceram, física ou espiritualmente, as ruas embaciaram, os bairros degradaram, as histórias perderam brilho. E não só pela crise dos jornais, mas sobretudo pela crise de qualquer outra coisa. Crise da própria vida, de algo que excede o prazo.
É possível que qualquer miúdo de 18 anos que neste instante esteja a desembarcar em Lisboa a veja exactamente como eu a vi, à época.
Como a última fronteira. O eterno amor.
Assim foi quando muitos anos depois cheguei a Dublin.
Assim será no próximo horizonte.