Surrealismo – Mário Henrique Leiria

586726Viveu entre 1923 e 1980. Foi aluno na Escola Superior de Belas Artes, de onde foi expulso em 1942 por motivos políticos. Participou nas actividades do Grupo Surrealista de Lisboa, entre 1949 e 1951 e depois em 1962. Após ser preso pela PIDE, instalou-se no Brasil, onde desenvolveu várias actividades, como a de encenador e de director literário da Editora Samambaia. Regressou a Portugal em 1970.

Colaborou, com pequenos contos, no suplemento Fim-de-semana do jornal República e no semanário humorístico Pé de Cabra. Chefiou a redacção de O Coiso, semanário impresso nas oficinas do República, durante 13 semanas, em 1975. Aderiu em 1976 ao PRP – Partido Revolucionário do Proletariado. Alguns textos seus, escritos em colaboração, foram recolhidos na Antologia Surrealista do Cadáver Esquisito (1961), organizada por Mário Cesariny.

Os últimos anos da sua vida foram muito difíceis, tolhido pela doença (degenerescência óssea) e afligido pela pobreza. Abrigou-se na casa materna, com a mãe e uma tia, muito idosas. Diz-se que terá morrido de fome prolongada, aos 57 anos.


 

Casamento

«Na riqueza e na pobreza, no melhor e no pior, até que a morte vos separe»

Perfeitamente.

Sempre cumpri o que assinei.

Portanto, estrangulei-a e fui-me embora.

 

A Velha e as Coisas

Verdade se diga que o país era pequeno, bem pequeno mesmo. Logo, é evidente,
as coisas também tinham de ser pequenas, para caberem.

Daí os partidos. Havia o Partido Blicano e o Partido Crático; assim reduzidos, cabiam. Eram a Oposição.

Além disso, havia a Posição. O General, os Dois Coronéis, o Sargento (justicialista),
o Professor Mustache, autor da Constituição e de «Cartas Patrióticas ao Corneta Pir»
e a Velha dirigindo, claro.

Portanto as coisas lá iam, o comportamento geral era bastante aceitável, as cebolas vendiam-se a contento, o nabo aguentava-se, havia a nêspera e o export-import funcionava mais ou menos.

Mas também havia as eleições à porta. Era preciso tento, nada de imprevidências.
E chamou-se o Galvez, dos Suplementos Literários, para montar o processo jurídico, organizar e levar o assunto a bom termo, como devia ser. O Galvez organizou.

Leram-se as dignidades do preparo. O discurso activou-se, e a pátria foi avisada
que estava em perigo. Houve quermesses. A Velha explicou tudo ao país, mais uma vez, pela televisão. Elegeram-se misses e praticou-se música histórica, própria da conjuntura.

Assim se foram três meses, com várias bofetadas esclarecedoras aos que, pelos cafés, ainda não sabiam.

Então chegou o dia do voto. Todos deram o papel que lhes tinha sido entregue.
Alguns espancamentos disciplinares, para clarear o voto, e a contagem fez-se.

A informação foi a seguinte:

Sopa de Feijão Branco (candidato Blicano) – 13728

O Bode (candidato Crático) – 13727

Dª Josefa Sur-Mer (candidata independente) – 13726

O General (candidato) – 13

Donde, conforme a Constituição, o General foi eleito de novo, por maioria absoluta.


250x

 

 

 

Este volume recolhe a ficção completa do autor, incluindo diversos textos inéditos e outros nunca antes compilados em livro. Coligem-se os volumes míticos: «Contos do Gin-Tonic» e «Novos Contos do Gin» juntamente com outros contos dispersos e inéditos, uma novela, teatro, guiões para cinema e uma banda desenhada.

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