Não foram muitas as ocasiões em que me lembrei da própria mortalidade. Nenhuma delas antes dos 25 anos. Até essa altura, mesmo que perante esse conceito obscuro, tudo nos parece uma metáfora, um mero período de sono profundo do qual inevitavelmente acordaremos. Não assimilamos de modo algum a finitude.
Chegado a esse quarto de século, fui confrontado pela primeira vez com a veracidade de todas aquelas palavras ocas. Era o meu ser, o meu corpo, a minha mente a esvair-se, não num sonho mas naquele instante e não é preciso elaborar sobre como tudo nos parece mais vivo quando estamos tão perto da morte. Nada voltou a ser igual desde esse período. Presumo que seja algo comum a todos os que comprovaram a possibilidade de desaparecer a qualquer instante. O prémio consiste numa espécie de revelação, que tende a tornar-se difusa com o tempo, embora nunca se ausente.
A segunda vez esperou mais cinco anos. De novo confrontado com a possibilidade de diagnóstico fatal, registei para sempre o sabor da primeira refeição após confirmar a continuação da vida. Nada lhe é comparável.
É agora? Acabou? Não. Ainda não. Podes continuar.
Estive sempre convencido que não temia a morte. Começo a assimilar que não é realmente esse o problema e nem me vou referir ao óbvio receio da dor profunda, ou sofrimento físico prolongado. Não é (apenas) isso.
O que está em causa é despedir-me das coisas. Tudo o que deixaria por fazer, ou por ver. As pessoas que abandonaria.
E claro, aquele disfarçado egoísmo infantil. Ninguém quer abandonar o parque na melhor parte da brincadeira.