Viveu entre 1922 e 2010. Galardoado com o Nobel de Literatura de 1998. Também ganhou em 1995 o Prémio Camões, o mais importante prémio literário da língua portuguesa. Saramago foi considerado o responsável pelo efectivo reconhecimento internacional da prosa em língua portuguesa. A 24 de Agosto de 1985 foi agraciado com o grau de Comendador da Antiga, Nobilíssima e Esclarecida Ordem Militar de Sant’Iago da Espada, do Mérito Científico, Literário e Artístico e a 03 de Dezembro de 1998 foi elevado a Grande-Colar da mesma Ordem, uma honra geralmente reservada apenas a Chefes de Estado.
O seu livro Ensaio sobre a Cegueira foi adaptado ao Cinema tendo o filme sido lançado em 2008 e produzido no Japão, Brasil, Uruguai e Canadá. Foi realizado pelo brasileiro Fernando Meirelles (autor de «O Fiel Jardineiro» e «Cidade de Deus»). Em 2010, o realizador português António Ferreira adapta um conto retirado do livro «Objecto Quase», conto esse que viria a dar nome ao filme «Embargo», uma produção portuguesa em co-produção com o Brasil e Espanha. Também foi adaptado para o cinema o livro «O Homem Duplicado», um filme de 2014 dirigido por Denis Villeneuve e protagonizado por Jake Gyllenhaal.
«O Memorial do Convento» foi transformado em «Blimunda», uma ópera de Azio Corghi levada ao Scala de Milão, em 1990.
Saramago, conhecido pelo seu ateísmo e iberismo, foi membro do Partido Comunista Português e director-adjunto do «Diário de Notícias». Juntamente com Luiz Francisco Rebello, Armindo Magalhães, Manuel da Fonseca e Urbano Tavares Rodrigues fundou em 1992 a Frente Nacional para a Defesa da Cultura (FNDC). Casado em segundas núpcias com a espanhola Pilar del Río, Saramago viveu na ilha espanhola de Lanzarote, nas Ilhas Canárias.
A 29 de Junho de 2007 constitui a Fundação José Saramago, para a defesa e difusão da Declaração Universal dos Direitos Humanos e dos problemas do Meio Ambiente. Em 2012, a Fundação José Saramago abre as suas portas ao público na Casa dos Bicos em Lisboa, presidida pela sua esposa Pilar del Río.
José Saramago nasceu na vila de Azinhaga, no concelho da Golegã, oriundo de uma família de agricultores. Eram seus pais José de Sousa (1896-1964), que posteriormente foi polícia e Maria da Piedade (1898-1982). A sua vida é quase toda passada na cidade de Lisboa, para onde a família se mudou em 1924, antes mesmo do autor completar dois anos de idade, falecendo o irmão Francisco de Sousa (1920-1924) em 22 de Dezembro do mesmo ano.
A origem do apelido remete à alcunha da família. Um saramago é uma planta herbácea com flor que cresce na região da Golegã. À data do registo de nascimento de José, o conservador erroneamente regista a criança com a alcunha pela qual se conhecia a família.
Demonstra desde cedo interesse pelos estudos e pela cultura, curiosidade perante o Mundo que o acompanhou até à morte.
Dificuldades económicas impediram José Saramago de fazer os estudos liceais, que o levariam a frequentar a Universidade. Formou-se numa escola técnica e teve o seu primeiro emprego como serralheiro mecânico.
Fascinado pelos livros, visitava à noite e com grande frequência a Biblioteca Municipal Central/Palácio Galveias.
Aos 25 anos publica o primeiro romance, «Terra do Pecado» (1947), no mesmo ano de nascimento da sua filha, Violante dos Reis Saramago, fruto do primeiro casamento com Ilda Reis – com quem se casou em 1944 e permaneceu até 1970. Nessa época, Saramago era funcionário público. Viveu, entre 1970 e 1986 com a escritora Isabel da Nóbrega. Em 1988, casar-se-ia com a jornalista e tradutora espanhola María del Pilar del Río Sánchez, que conheceu em 1986 e com quem permaneceu até à morte.
Em 1955 e para aumentar os rendimentos, tinha começado a fazer traduções de Hegel, Tolstoi, Baudelaire, entre outros.
Depois de «Terra do Pecado», Saramago apresentou ao seu editor o livro «Clarabóia» que, depois de rejeitado, permaneceu inédito até 2011. Persiste, contudo, nos esforços literários e 19 anos depois troca a prosa pela poesia, lançando «Os Poemas Possíveis». Num espaço de cinco anos publica, sem alarde, mais dois livros de poesia: «Provavelmente Alegria» (1970) e «O Ano de 1993» (1975). Por essa altura troca também de emprego, abandonando a «Estudos Cor» para trabalhar no «Diário de Notícias» (DN) e depois no «Diário de Lisboa». Em 1975 retorna ao DN como director-adjunto, onde permanece por dez meses até 25 de Novembro do mesmo ano, quando os militares portugueses intervêm na publicação (reagindo ao que consideravam ser os «excessos» da Revolução dos Cravos) e demitem vários funcionários. Sendo um deles, Saramago resolve dedicar-se apenas à Literatura, substituindo de vez o jornalista pelo ficcionista.
Da experiência vivida nos jornais restaram algumas crónicas: «Deste Mundo e do Outro» (1971), «A Bagagem do Viajante» (1973), «As Opiniões que o DL Teve», (1974) e «Os Apontamentos» (1976). Mas não são as crónicas, nem os contos, nem a dramaturgia os responsáveis por fazer de Saramago um dos autores portugueses de maior destaque – essa missão está reservada aos seus romances, género a que retorna em 1977.
Três décadas depois de publicar «Terra do Pecado», Saramago retornou ao mundo da prosa ficcional com «Manual de Pintura e Caligrafia». Contudo, ainda não foi aí que o autor definiu a sua «voz». As marcas características do estilo «saramaguiano» só apareceriam com «Levantado do Chão» (1980), livro no qual o autor retrata a vida dura da população pobre do Alentejo.
Dois anos depois de «Levantado do Chão», surge o romance «Memorial do Convento» (1982), livro que conquista definitivamente a atenção de leitores e críticos. Nele, Saramago misturou factos reais com personagens inventadas: o rei D. João V e Bartolomeu de Gusmão com a misteriosa Blimunda e o operário Baltazar, por exemplo. O contraste entre a opulenta aristocracia ociosa e o povo trabalhador e construtor da história servem de metáfora à luta de classes marxista. A crítica brutal a uma Igreja ao serviço dos opressores inicia a exposição de uma tentativa de destruição do fenómeno religioso, enquanto devaneio humano construtor de guerras.
De 1980 a 1991, o autor trouxe a lume mais quatro romances que remetem para factos da realidade material, questionando a interpretação da «história» oficial: «O Ano da Morte de Ricardo Reis» (1985), sobre as andanças do heterónimo de Fernando Pessoa por Lisboa; «A Jangada de Pedra» (1986), em que se questiona o papel ibérico na então CEE através de uma metáfora na qual a Península Ibérica se solta da Europa e encontra o seu lugar entre a velha Europa e a nova América; «História do Cerco de Lisboa» (1989), onde um revisor é tentado a introduzir um «não» no texto histórico que corrige, mudando-lhe o sentido e «O Evangelho Segundo Jesus Cristo» (1991), onde Saramago reescreve o livro sagrado sob a óptica de um Cristo que não é Deus e se revolta contra o seu destino. Questiona-se ainda o lugar de Deus, do Cristianismo, do Sofrimento e da Morte.
Nos anos seguintes, entre 1995 e 2005, Saramago publicou mais seis romances, dando início a uma nova fase na qual os enredos já não se desenrolam em locais ou épocas determinadas e as personagens históricas se ausentam: Ensaio Sobre a Cegueira (1995); «Todos os Nomes» (1997); «A Caverna» (2001); «O Homem Duplicado» (2002); «Ensaio sobre a Lucidez» (2004) e «As Intermitências da Morte» (2005). Nessa fase, Saramago embrenhou-se nos caminhos da sociedade contemporânea, questionando o modelo capitalista e o papel da existência humana, condenada à morte.
A ida para Lanzarote conta mais sobre o escritor do que deixa transparecer a versão oficial (a censura portuguesa). Com esse gesto de afastamento rumo à ilha mais oriental das Canárias, Saramago finca raízes num local de geografia inóspita (trata-se de uma ilha vulcânica, com pouca vegetação e nenhuma fonte de água potável). A decisão tem um carácter revelador, tanto mais se levarmos em conta que, neste caso, «mais oriental» significa dizer mais próximo de Portugal e do continente europeu.
Sempre atento às injustiças da era moderna, vigilante das mais diversas causas sociais, Saramago não se cansava de investir através da arma que lhe coube usar – a palavra: «Aqui na Terra a fome continua, / A miséria, o luto, e outra vez a fome», pode ler-se em «Fala do Velho do Restelo ao Astronauta» (do livro «Os Poemas Possíveis»).
Saramago faleceu no dia 18 de Junho de 2010, aos 87 anos de idade, na sua casa em Lanzarote onde residia com a mulher Pilar del Rio, vítima de leucemia crónica. Estava doente havia algum tempo e o seu estado de saúde agravou-se na última semana de vida. O funeral teve honras de Estado, tendo o corpo sido cremado no Cemitério do Alto de São João, em Lisboa. As cinzas foram depositadas aos pés de uma oliveira, em Lisboa, em 18 de Junho de 2011.
José Saramago ficou conhecido por utilizar um estilo oral, saído dos contos de tradição popular onde a vivacidade da comunicação é mais importante do que a correcção ortográfica de uma linguagem escrita. Todas as características são as de uma linguagem predominantemente usada na oratória, na dialéctica, na retórica e que servem sobremaneira o seu estilo interventivo e persuasivo. Assim, utiliza frases e períodos compridos, usando a pontuação de uma maneira não-convencional; os diálogos das personagens são inseridos nos próprios parágrafos que os antecedem, pelo que não existem travessões nos seus livros. Este tipo de marcação das falas propicia uma forte sensação de «fluxo de consciência», ao ponto do leitor ponderar se um certo diálogo foi real ou apenas um pensamento. Muitas das suas frases ocupam mais de uma página, usando-se vírgulas onde a maioria dos escritores usaria pontos finais. Da mesma forma, muitos dos seus parágrafos ocupariam capítulos inteiros de outros autores.
Estas características tornam o estilo de Saramago único na literatura contemporânea, sendo este considerado por muitos críticos um mestre no tratamento da língua portuguesa. Em 2003, o crítico norte-americano Harold Bloom considerou José Saramago «o mais talentoso romancista vivo nos dias de hoje», referindo-se a ele como «o Mestre». Declarou ainda que Saramago é «um dos últimos titãs de um género literário que se está a desvanecer».
Romance publicado em 1995 e traduzido para diversas línguas. A obra narra a história de uma epidemia de cegueira branca que se espalha por uma cidade, causando o colapso da vida das pessoas e abalando as estruturas sociais. A obra tornou-se uma das mais famosas do autor, juntamente com «Memorial do Convento» e «O Evangelho segundo Jesus Cristo», revelando-se sem dúvida um dos principais motivos para a atribuição do Nobel da Literatura, em 1998.
Aos olhos do autor:
Este é um livro francamente terrível com o qual eu quero que o leitor sofra tanto como eu sofri ao escrevê-lo. Nele se descreve uma longa tortura. É um livro brutal e violento e é simultaneamente uma das experiências mais dolorosas da minha vida. São 300 páginas de constante aflição. Através da escrita, tentei dizer que não somos bons e que é preciso que tenhamos coragem para reconhecer isso.
Enredo
A cegueira começa num único homem, durante a sua rotina diária. Sentado ao volante, no semáforo, este sofre um ataque, sendo aí – à medida que as pessoas correm em seu socorro – que uma cadeia sucessiva de cegueira se forma.
Uma cegueira branca, como um mar de leite e jamais compreendida, alastra-se rapidamente em forma de epidemia. O governo decide agir e as pessoas infectadas são colocadas numa quarentena com recursos limitados, que irá desvendar aos poucos as características primitivas do ser humano.
A força da epidemia não diminui com as atitudes tomadas pelo governo e depressa o mundo se torna cego. Apenas uma mulher, de forma misteriosa e oculta, manterá a visão, enfrentando todos os horrores que serão causados, presenciando visualmente todos os sentimentos que se desenrolam na obra: poder, obediência, ganância, carinho, desejo, vergonha; dominadores e dominados.
Tais sentimentos revelar-se-ão de diversas formas: lutas entre grupos pela pouca comida disponibilizada, compaixão pelos doentes e mais necessitados, como idosos ou crianças, embaraço por acções que antes nunca seriam cometidas, actos de violência e abuso sexual, mortes…
Ao conseguir finalmente sair do antigo sanatório onde o governo os pusera de quarentena (à conta de um fogo posto na camarata de um grupo dominante, que instalara ainda mais o desespero controlando a comida a troco de todos os bens dos restantes e de serviços sexuais), a mulher depara-se com a ausência de guarda: a cidade estava toda infectada. Cadáveres, lixo, detritos, todo o tipo de sujidade e imundice se instalara. Os cegos passam a seguir os seus instintos animais e sobrevivem como nómadas, instalando-se em lojas ou casas desconhecidas.
A obra acaba quando de súbito, exactamente pela ordem de contágio, o mundo cego dá lugar ao mundo bárbaro. No entanto, as memórias não se desvanecem.
Saramago mostra, através desta obra intensa e sofrida, as reacções do ser humano às necessidades, à incapacidade, à impotência, ao desprezo e ao abandono. Leva-nos também a reflectir sobre a moral, costumes, ética e preconceito através dos olhos da personagem principal, a mulher do médico, que se depara ao longo da narrativa com situações inadmissíveis – mata para se preservar (e aos outros) e testemunha cenários bizarros, como cadáveres espalhados pelas ruas e incêndios. Após a saída do sanatório, ao entrar numa igreja, presencia um cenário em que todos os santos se encontram vendados: «se os céus não veem, que ninguém veja…».
Personagens
José Saramago não faz a distinção de personagens pelos seus nomes, mas sim pelas suas características e particularidades. Entre as principais temos o primeiro cego, a mulher do primeiro cego, o médico, a mulher do médico (que vê), a rapariga dos óculos escuros, o velho da venda preta e o rapazinho estrábico.
Vão aparecendo ao longo do livro outros personagens secundários, como o cego da pistola, o cego que escreve em braille, o ladrão, os soldados, a velha do primeiro andar, o cão de lágrimas…
Excertos
Por que foi que cegámos, Não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão, Queres que te diga o que penso, Diz, Penso que não cegámos, penso que estamos cegos, Cegos que veem, Cegos que, vendo, não veem.
O medo cega, disse a rapariga dos óculos escuros, São palavras certas, já éramos cegos no momento em que cegámos, o medo cegou-nos, o medo nos fará continuar cegos, Quem está a falar, perguntou o médico, Um cego, respondeu a voz, só um cego, é o que temos aqui.
Lutar foi sempre, mais ou menos, uma forma de cegueira, Isto é diferente, Farás o que melhor te parecer, mas não te esqueças daquilo que nós somos aqui, cegos, simplesmente cegos, cegos sem retóricas nem comiserações, o mundo caridoso e pitoresco dos ceguinhos acabou, agora é o reino duro, cruel e implacável dos cegos, Se tu pudesses ver o que eu sou obrigada a ver, quererias estar cego, Acredito, mas não preciso, cego já estou, Perdoa-me, meu querido, se tu soubesses, Sei, sei, levei a minha vida a olhar para dentro dos olhos das pessoas, é o único lugar do corpo onde talvez ainda exista uma alma…