Nasceu em 1947. Autor de romances de suspense, sobrenatural, terror e fantasia. Os seus livros venderam mais de 350 milhões de cópias e muitos dos enredos foram transformados em filmes, mini-séries ou novelas gráficas. King publicou 61 romances (incluindo sete sob o pseudónimo de Richard Bachman) e seis livros de não-ficção. Escreveu ainda cerca de 200 contos, muitos deles reunidos em colectâneas.
O autor recebeu inúmeros prémios referentes ao seu género, nomeadamente o Prémio Bram Stoker, o World Fantasy ou o British Fantasy Society. É considerado por muitos o «Rei do Terror». Segundo J. J. Abrams:
O tempo tem vindo a provar que os seus livros são mais do que fenómenos da cultura popular – tem sabido merecer o respeito crescente do público, que o considera um dos autores mais importantes das Letras Americanas.
Stephen King nasceu em Portland, Maine. O pai trabalhava na indústria pesqueira, tendo adoptado o apelido King já na idade adulta.
Quando o autor tinha apenas dois anos, o progenitor abandonou a família. Stephen foi criado pela mãe juntamente com David, o irmão mais velho, debaixo de grandes dificuldades financeiras. Viram-se obrigados a mudar de casa e região com frequência, regressando à zona do Maine quando King tinha 11 anos devido aos problemas de saúde dos avós maternos. A mãe arranjou emprego numa instituição de apoio a pessoas com problemas psicológicos. King recebeu formação religiosa, mas abandonou a crença na altura do Secundário. Hoje em dia, apesar de se opor a formas organizadas de Religião, afirma acreditar em Deus.
Em criança, o autor terá visto um dos seus amigos morrer, ao ser colhido por um comboio, apesar de não guardar qualquer memória do sucedido. Segundo relatos da família, Stephen foi ter com o amigo e quando voltou estava em choque e emudecido, pelo que só mais tarde se tomou conhecimento da notícia. Há quem sugira que este evento poderá ter inspirado algumas das obras mais negras do escritor, mas este não faz qualquer referência ao caso no seu livro de memórias «On Writing» (2000).
King explica de forma detalhada de que forma foi inspirado a escrever histórias de terror no seu livro de não-ficção «Danse Macabre» (1981), num capítulo intitulado «An Annoying Autobiographical Pause». O autor compara o passatempo do seu tio – que consistia em procurar água com um ramo de macieira bifurcado – com a busca da sua vocação. A resposta surgiu-lhe enquanto explorava o conteúdo de um sótão com o irmão mais velho. Foi nessa altura que encontrou uma colectânea de contos de H. P. Lovecraft, que supostamente pertencera ao pai. Dirá, numa entrevista de 2009:
Sabia que tinha descoberto o meu lugar assim que li o livro.
King concluiu o Secundário em 1966. Continuou a demonstrar interesse pelo género de terror, consumindo com regularidade novelas gráficas do tema, nomeadamente «Tales from the Crypt». Começou a escrever por diversão ainda nos tempos de escola, vendendo aos colegas várias histórias inspiradas em filmes que vira (foi obrigado a devolver o dinheiro depois de ter sido descoberto pelos professores). Escreveu depois para diversas fanzines e chegou mesmo a receber um prémio de escrita, em 1965.
A partir do ano seguinte, Stephen frequenta a Universidade do Maine, formando-se em Artes e Língua Inglesa em 1970. Nesse mesmo ano, nasce a sua filha Naomi Rachel. Ao longo do curso, escreve para jornais da Universidade e mantém diversos trabalhos para financiar os estudos – como vigilante, gasolineiro e empregado de lavandaria. King conhece a futura mulher na Faculdade, casando-se com Tabitha Spruce em 1971.
Vende o seu primeiro conto enquanto escritor profissional em 1967.
Depois de se licenciar, o autor ficou habilitado a dar aulas no Ensino Secundário, mas não encontrou colocação imediata, pelo que equilibrava o orçamento através da venda de histórias para revistas. Muitas delas foram mais tarde reunidas em colectâneas. Certa vez, foi preso por abalroar um cone de trânsito, já que não tinha dinheiro para pagar uma multa de 250€. Só mais tarde, ao vender uma das suas histórias, conseguiu pagar a dívida. Finalmente, em 1971, foi contratado como professor numa escola do Maine e continuou a vender contos para revistas e a desenvolver ideias para futuros romances.
Em 1973, recebeu luz verde de uma editora para a publicação do romance Carrie. Tratava-se do quarto romance de King, mas apenas o primeiro a ser aceite. Segundo consta, foi escrito na máquina de escrever portátil da mulher. O texto começou por ser um conto destinado a uma revista, mas o escritor atirou as primeiras três páginas para o caixote do lixo. Tabitha recolheu-as, leu e incitou-o a terminar a história, prometendo ajudá-lo a melhorar a perspectiva feminina. O autor seguiu o conselho e transformou o texto num romance. Confessará mais tarde:
Insisti porque estava desinspirado e sem ideias melhores…na altura estava convencido que tinha escrito o pior livro de sempre.
Segundo a crítica:
Carrie é a história de Carrie White, uma estudante do Secundário com poderes cinéticos – primeiro latentes, depois plenos. O texto revela-se duro em certos períodos e comovente noutros (sobretudo quando se foca na relação da protagonista com a mãe, religiosa fanática). Está também recheado de cenas sanguinárias.
Na altura em que o livro foi escolhido para publicação, King tinha o telefone avariado. O editor, que mais tarde se transformará num dos seus melhores amigos, decide então enviar um telegrama para casa do autor:
Carrie avançará oficialmente para publicação. Pagamento avançado de 2500€ de acordo com os Direitos. Parabéns, meu caro – o futuro começa agora.
Stephen confessa que comprou um carro novo com o dinheiro. Os Direitos serão mais tarde comprados por 400 000€, situação que lança em definitivo a carreira de King e transforma o livro num clássico do género.
«As Bruxas de Salem» foi publicado em 1975. O autor afirma:
Essa história faz o meu género. O meu coração tem um lugar especial para ela.
Depois da morte da mãe, Stephen muda-se brevemente para o Colorado, onde escreve «The Shining» (publicado em 1977). A família tinha já regressado ao Maine em 1975, onde o autor completou novo romance, «The Stand» (publicado em 1978). Em 1977, King começa a dar aulas de escrita criativa na Universidade do Maine.
Em 1982, publica «Estações Diferentes», uma colectânea de quatro novelas com um tom mais sério e dramático, menos conotadas com a ficção de terror pela qual se tornou famoso. A obra destaca-se sobretudo por ter visto três dessas quatro novelas adaptadas ao cinema: «Stand by Me» (1986) foi baseado em «The Body», «Os Condenados de Shawshank» (1994) foi baseado em «Rita Hayworth and Shawshank Redemption» e «Apt Pupil» (1998) surgiu a partir da novela com o mesmo nome.
Em 1985, King participou pela primeira vez em trabalhos de banda desenhada, nomeadamente numa edição especial dos X-Men. Tratou-se de uma edição com carácter de beneficência e mereceu a colaboração de vários autores não relacionados com o meio. No ano seguinte, surgiu «A Coisa» (1986), que se transformou no romance de capa dura mais vendido nos EUA nesse ano, tendo o escritor depois voltado a colaborar com o mundo da banda desenhada, desta vez em Batman, que elegeu como o seu super-herói preferido.
Logo no final dos anos 70, o autor começara a criar um conjunto de histórias interligadas acerca de um pistoleiro solitário, Roland, que se dedica a perseguir o «Homem de Negro» num universo alternativo que se pode classificar como uma mescla entre a Terra Média de J. R. R. Tolkien e o Oeste Americano tal como é visto nos westerns de Clint Eastwood e Sérgio Leone. Este projecto originou a série «A Torre Negra», que se desdobra em oito títulos diferentes criados sem pressa ao longo de 40 anos.
Por volta da mesma altura, King publicou uma série de contos – «Rage» (1977), «The Long Walk» (1979), «Roadwork» (1981), «The Running Man» (1982) e «Thinner» (1984) – sob o pseudónimo Richard Bachman. Aparentemente, o objectivo era confirmar se conseguia replicar o sucesso inicial e exorcizar os receios de que a sua popularidade fosse um mero acaso. Outra teoria defende que este foi o modo encontrado pelo escritor para contornar as políticas editoriais da altura, que autorizavam a publicação de apenas um título anual por autor.
Richard Bachman acabou por ser descoberto enquanto pseudónimo de Stephen, sobretudo através da investigação persistente de um livreiro de Washington, chamado Steve Brown, que descobriu semelhanças entre os livros.
O caso acabou por originar uma conferência de imprensa, na qual se anunciou a «morte de Bachman». King dedica o seu livro de 1989, «A Metade Sombria» – também ele acerca de um pseudónimo que ganha vida própria – ao «falecido Richard Bachman».
O autor recorreu outras vezes a pseudónimos. O conto «The Fifth Quarter» saiu sob autoria oficial de John Swithen (o nome de uma personagem no romance Carrie), tendo sido publicado numa revista em 1972. O texto reaparecerá na colectânea «Sonhos e Pesadelos», em 1993, agora atribuído ao próprio King. Numa apresentação do romance «Blaze», atribuído a Bachman, Stephen alega com bom humor que é «Bachman» quem se serve do pseudónimo Swithen.
Já em 2000, o autor publicou um romance de terror online, em formato de folhetim, chamado «The Plant». À conta do pouco sucesso financeiro, o público convenceu-se que King abandonara o projecto, mas este admitiu mais tarde que a razão para a quebra tinha sido simplesmente a falta de novas ideias. O texto existente continua disponível no site do autor, agora de forma gratuita. Ainda no mesmo ano, escreveu também uma novela digital intitulada «Riding the Bullet» e afirmou que o formato e-book passaria a representar metade do mercado entre 2012 e 2013, embora contrapusesse que «as pessoas fartam-se depressa dos brinquedos novos».
Em 2006, King publicou um romance apocalíptico, «Cell – Chamada para a Morte». O enredo aborda uma força misteriosa que transforma todos os utilizadores de telemóveis em assassinos autómatos. O autor refere na introdução do livro que não usa tais aparelhos.
Em 2008, publica um romance «Duma Key» e uma colectânea «Just After Sunset», com 13 contos.
Em 2009 sai o romance «A Cúpula», uma reconversão de outro trabalho nunca terminado, apesar de duas tentativas nos finais dos anos 70 e princípios de 80. Atinge as 1074 páginas, transformando-se no maior livro desde «A Coisa». Entrou directamente para o topo da lista dos mais vendidos do «The New York Times».
Nos inícios de 2010, King anunciou que o livro seguinte era uma colectânea de quatro novelas intitulada «Full Dark, No Stars». Em Abril do mesmo ano, saiu ainda outra novela, «Blockade Billy».
Seguiu-se «11/22/63» em Novembro de 2011, premiado em 2012 enquanto melhor romance de fantasia. Ainda em 2012, sai o oitavo volume da série «A Torre Negra». Depois disso, «Benvindos a Joyland», um romance acerca de um assassino em série que divaga por um parque de diversões. Em finais de 2013, é lançada a sequela de «The Shining» (1977), intitulada «Doutor Sono».
Durante uma conferência na Universidade de During, Massachusetts, em finais de 2012, King anunciou que estava a trabalhar num romance policial acerca de um agente reformado, obrigado a lidar com o assédio de um assassino. Na altura, o título provisório era «Sr. Mercedes» e a história tinha surgido a partir de um caso real. A intenção do autor era fazer um conto de poucas páginas, mas o enredo acabou por evoluir para um romance. Sai em 2013.
É depois anunciado, já em meados de 2014, que esse romance faz parte de uma trilogia, tendo-se seguido «Finders Keepers» em 2015 e «Fim de Turno» em 2016.
Segundo o autor, o segredo para o sucesso literário é:
Ler e escrever entre quatro a seis horas diárias. Se não existir disponibilidade para isso, não é possível ser um bom escritor.
O autor estabelece uma quota diária de 2000 palavras e não abandona o trabalho enquanto não a cumpre. Tem também uma ideia muito clara sobre o conceito de talento:
Se escreveram alguma coisa e por ela receberam um cheque na volta do correio, se ao depositá-lo confirmaram que este não era careca e com isso pagaram a conta da luz nesse mês, considero-os talentosos.
Quando lhe perguntam os motivos que o fazem continuar a escrever, explica:
A resposta a isso é bastante simples – não tenho capacidade para fazer mais nada. Nasci para escrever histórias e adoro fazê-lo. É por isso que escrevo. Não me consigo imaginar a fazer outra coisa ou a deixar de fazer isto.
Outra pergunta frequente passa por saber os motivos que o fizeram optar pela escrita de terror:
Está a inferir que tenho escolha? – Resume.
King dá início ao processo criativo através da premissa «E se?». Por exemplo, o que aconteceria se um escritor fosse raptado por uma enfermeira sádica residente no estado do Colorado? («Misery»).
O autor serve-se muitas vezes de um escritor enquanto protagonista, como são os casos de Paul Sheldon em «Misery», Bill Denbrough em «A Coisa», Ben Mears em «As Bruxas de Salem» ou Jack Torrance em «The Shining». Foi ainda mais longe, transformando-se ele próprio num personagem na série «A Torre Negra».
Alguns editores de ficção científica fazem diversos elogios ao autor, destacando sobretudo a sua «prosa emocionante, verosimilhança dos diálogos, estilo descontraído e honesto e denúncia apaixonada da estupidez e crueldade humanas, especialmente contra as crianças, características que fazem dele um dos mais reconhecidos escritores ‘populares’».
Outros vêem-no enquanto exemplo da moderna ficção de terror:
Para ele, a história de terror é sempre uma batalha entre o normal e o bizarro. Uma vez que o primeiro encontra os meios para subsistir, a tranquilidade regressa.
Apesar disto, há quem considere que:
Os trabalhos mais famosos de King (as histórias de terror) são os de menor qualidade literária. Na sua maioria, são demasiado extensos, ilógicos e com tendência a oferecer conclusões de cariz «divino». Ainda assim, desde 1993, o autor tem vindo a corrigir os seus piores defeitos, publicando livros mais pequenos, mais credíveis e em geral melhores.
Outro editor afirma que:
King conseguiu, sozinho, emprestar credibilidade à literatura de massas. Apesar de existirem muitos escritores que atingiram antes dele o sucesso comercial, Stephen foi o primeiro a introduzir realismo nos seus trabalhos.
Acrescenta ainda:
«As Bruxas de Salem» é uma obra onde se encontra uma caracterização rica, uma abordagem social cuidada e atenta e um notório equilíbrio entre enredo e construção de personagens. Este conjunto de características confirmou que os autores podiam atrever-se a pegar em velhos temas como o vampirismo e dar-lhes uma abordagem moderna. Antes disso, muitos escritores de cariz popular resignavam-se a ver o seu trabalho seriamente censurado pelos editores. ‘Este tipo de coisas estraga a narrativa’, dizia-se. Pelo contrário, foi ‘esse tipo de coisas’ que permitiu o sucesso de King e emprestou ao género uma credibilidade nunca antes vista.
Em 2003, o autor recebeu um importante prémio no National Book Awards pelo conjunto da sua carreira, o que desagradou a alguns, nomeadamente ao conhecido crítico Harold Bloom:
É uma decisão inacreditável, mais um passo na chocante degradação da nossa vida cultural. No passado, considerei King um escritor de folhetins, mas acho que estava a ser demasiado simpático. As semelhanças entre ele e Edgar Allan Poe são nulas. Este não passa de um escritor incompetente e prova-o em cada frase, parágrafo e livro que faz.
Outros vieram em sua defesa:
Que fique claro que o trabalho de King tem obrigatoriamente de ser considerado ‘literatura’ pois é algo que merece ser publicado e tem sido lido com notório apreço. Os detractores querem, talvez, insinuar que a ‘literatura’ de Stephen não é a preferida da elite académica.
O autor casou-se com Tabitha Spruce em princípios de 1971. Esta também é romancista, para além de activista filantrópica. O casal alterna entre as três casas que possui: duas em diferentes zonas do Maine e uma terceira na Flórida. Têm ainda três filhos, uma rapariga e dois rapazes, para além de quatro netos.
Nos princípios da década de 70, o autor desenvolveu problemas com a bebida, doença que o afectou mais de dez anos. Pouco depois da publicação de Carrie, em 1974, a mãe de Stephen morreu com um cancro no útero. Este confessou mais tarde que estava alcoolizado no funeral da progenitora. Os vícios do escritor, relacionados com álcool e outras drogas, tornaram-se tão sérios na década de 80 que o mesmo admitiu posteriormente que mal se lembra de ter escrito o romance «Cujo». Pouco depois da publicação deste, família e amigos combinaram uma «intervenção», despejando no tapete a seus pés um conjunto de provas das diversas dependências: latas de cerveja, beatas de cigarro, restos de cocaína, Xanax, Valium, marijuana e outros remédios. O autor conta que depois disto procurou ajuda, parou com tudo – incluindo o álcool – e tem-se mantido sóbrio desde o final dos anos 80.
Em meados de 1999, numa certa tarde de Junho, King estava a caminhar na berma de uma estrada na zona do Maine. Um condutor de uma carrinha, distraído pela agitação do cão solto que com ele viajava, atropelou o escritor, que foi atirado para um valado com cerca de quatro metros de altura. De acordo com testemunhas, Stephen foi atingido nas costas, mas o condutor não ia em excesso de velocidade, alcoolizado ou a efectuar uma condução perigosa. Nas suas memórias, o autor afirma que caminhava de frente para o trânsito. Outra testemunha, que conduzia na mesma estrada, recorda que passou pelo escritor primeiro e depois viu aquela carrinha na faixa contrária «aos ziguezagues», tendo comentado: «espero que o tipo da carrinha não atropele o caminhante».
King manteve-se suficientemente consciente para fornecer números de contacto às autoridades, mas foi atacado por dores intensas. Foi depois transportado de helicóptero para um hospital central. Múltiplas lesões – um pulmão colapsado, diversas fracturas na perna direita, uma ferida na cabeça e uma anca partida – mantiveram-no internado cerca de um mês. Os ossos da perna estavam de tal modo esmigalhados que chegou a pensar-se numa amputação, mas a estrutura óssea acabou por ser estabilizada. Depois de cinco operações em dez dias e um período de fisioterapia, o autor retomou a vida profissional, apesar de ter a anca em tão mau estado que só era capaz de estar sentado 40 minutos por dia, antes que a dor se tornasse insuportável.
O advogado do escritor e outras pessoas ajudaram-no a comprar a dita carrinha, oficialmente para que esta não fosse parar ao eBay. O veículo acabou depois por ser destruído num ferro-velho, para grande desilusão de King, que sonhava poder desfazê-lo com as próprias mãos.
Romance epistolar de terror. Apesar de não ser o primeiro a ser escrito, foi o primeiro livro publicado pelo autor, em 1974, com uma tiragem inicial de 30 mil cópias. Situado sobretudo no futuro ano – à época – de 1979, aborda a vida da protagonista que dá nome à obra, Carrie White, uma aluna de Secundário impopular, alienada e sem amigos, que é frequente vítima de abusos. Esta, ao descobrir por acaso ser possuidora de um conjunto de capacidades cinéticas, utiliza-as para se vingar de todos aqueles que a atormentaram. Nesse processo, acaba por provocar um dos piores desastres alguma vez ocorridos na pequena cidade. O autor comentará mais tarde que considera este texto «cru» e dono de uma «surpreendente capacidade para magoar e aterrorizar». Transformou-se num dos livros mais banidos do sistema de ensino americano. O enredo utiliza diversos artifícios, como sejam pretensos recortes de jornal, artigos jornalísticos, cartas e excertos de outros livros, para melhor retratar a destruição da cidade ficcional de Chamberlain, levada a cabo por Carrie no decurso da sua vingança contra os sádicos colegas de escola e até a própria mãe, Margaret.
O livro é dedicado à mulher do autor: Isto é para Tabby, que me inspirou a começar a história e depois me ajudou a completá-la.
Enredo
Carietta “Carrie” White é uma rapariga de 16 anos, que habita na pequena cidade de Chamberlain, Maine. É vítima frequente de abusos à conta da sua aparência e excessiva religiosidade, em parte influenciada pelo fanatismo ditatorial da mãe, Margaret. Certo dia, Carrie nota o surgimento da primeira menstruação durante o duche que se segue à aula de Educação Física. Aterrorizada, não consegue perceber o que se passa, uma vez que a mãe, temerosa de tudo o que se relacione com intimidade, nunca lhe explicou a realidade feminina. As colegas de turma servem-se do episódio para se divertirem ainda mais à conta dela, lideradas por uma aluna rica e popular chamada Chris Hargensen. É frequente, a partir daquele dia, atirarem-lhe pensos higiénicos e tampões. A professora de ginástica, Rita Desjardin, ajuda-a e procura explicar-lhe o significado do sucedido. A caminho de casa, Carrie descobre por acaso a sua invulgar capacidade para controlar à distância o movimento de objectos. A mãe, informada do caso, acusa a filha de ser uma pecadora e fecha-a no armário, obrigando-a a rezar. No dia seguinte, Desjardin censura as alunas que abusaram psicologicamente de Carrie e castiga-as com uma semana de suspensão. Caso se descubra que não cumpriram o castigo, há outro mais grave à espera delas: suspensão grave e ausência do baile de finalistas. Chris, desafiante, quebra de imediato o castigo, sendo assim sujeita à pena mais dura. No seguimento, tenta reverter a situação através da influência do pai, um famoso advogado, mas sem sucesso. Acto contínuo, decide vingar-se de Carrie. Sue Snell, outro membro do grupo popular, confessa o seu arrependimento e convence o namorado, Tommy Ross, a convidar Carrie para o baile. Esta desconfia, mas acaba por aceitar a oferta e dedica-se a costurar, ela própria, um vestido para o evento. Entretanto, Chris pede ao namorado, Billy Nolan, para que com os amigos prepare dois baldes de sangue de porco, a serem colocados num local específico, enquanto ela trata de subverter a eleição de modo a eleger Carrie rainha do baile.
Chegado o dia, as coisas começam por correr bastante bem. Os amigos de Tommy são simpáticos e este percebe que se sente atraído por Carrie. Contudo, o plano de Chris segue em frente, com sucesso, pelo que no momento da coroação os recipientes despejam o seu conteúdo sobre as cabeças de Carrie e Tommy. Este acaba por desmaiar com a pancada de um dos baldes e morre poucos minutos depois, à conta de uma hemorragia interna. A imagem de uma Carrie coberta de sangue provoca inadvertidamente o riso de quase todos os presentes. Incapaz de lidar com tamanha humilhação, esta abandona o local. Já no exterior, recorda de súbito os seus poderes ocultos e decide vingar-se de todos. Começa por selar as portas do edifício. Depois, dá origem a um incêndio, cuja progressão acaba por atingir um conjunto de tanques de combustível. A explosão monstruosa provoca a destruição da escola. Todos os presentes no baile acabam por morrer, seja por electrocussão, queimaduras ou inalação de fumos. Carrie, perdendo por completo o controlo sobre a sua fúria, impede qualquer tipo de socorro, boicotando os sistemas anti-incêndio e aproveitando para destruir estações de combustível e linhas eléctricas nas proximidades. Durante todo o processo, revela-se capaz de informar os habitantes da cidade acerca do sucedido, através de uma mensagem subliminar, embora sem revelar a sua identidade.
Carrie regressa então a casa, para confrontar a mãe – convencida que a filha está possuída pelo demónio. Segundo esta, a única forma de a salvar é matá-la. Margaret confessa ainda que a concepção da filha surgiu através do que se poderia considerar uma violação, por parte do marido. Em seguida, fere-a no ombro com uma faca de cozinha, mas a outra reage bloqueando-lhe o batimento cardíaco com a força do pensamento, provocando assim a sua morte. Na sequência do embate, Carrie descobre que foi ferida com gravidade e arrasta-se para uma casa antiga, onde terá sido concebida (quando os pais lá moravam). No caminho, encontra Chris e Billy, que tendo saído mais cedo, foram agora informados do sucedido no baile. Este tenta atropelá-la, mas ela utiliza os poderes mentais para controlar o carro e enviá-lo contra uma parede, matando os ocupantes. Sue Snell, outra sobrevivente, tem estado a acompanhar os eventos através da «transmissão» mental de Carrie e acaba por encontrá-la num parque de estacionamento, desmaiada. Ambas estabelecem um curto diálogo telepático. Carrie estava certa de que a colega tinha sido co-autora da humilhação, mas acaba por perceber que esta estava inocente e que nunca teve nada contra ela, de facto. Carrie perdoa-a e acaba por falecer a chamar pela mãe, em lágrimas. É declarado o estado de emergência em Chamberlain e os sobreviventes começam a organizar a partida definitiva. Apesar dos esforços das autoridades a nível financeiro e não só, de modo a garantir a reconstrução das infraestruturas, torna-se previsível que a região sofra um grave despovoamento. Desjardin e o director da escola sentem-se responsáveis pelo sucedido e pedem demissão. Ainda que diversos «estudos» concluam que não existem outros seres humanos com as capacidades de Carrie White, tomamos conhecimento de uma troca de cartas entre duas irmãs de raça índia, onde se descreve com entusiasmo as capacidades telepáticas da bebé de uma delas e se aproveita para recordar que tal poder vem de longe, pois já a avó de ambas o possuía.
O autor escreveu o romance na fase em que vivia numa caravana, servindo-se de uma máquina de escrever portátil (a mesma que usou para escrever «Misery») pertencente à mulher, Tabitha. A ideia era produzir um conto para uma revista, mas King desistiu e atirou as primeiras três páginas para o caixote do lixo. Este recorda:
Uma das minhas leitoras disse-me, a certa altura: ‘Escreves todas aquelas histórias de cariz masculino, mas és incapaz de escrever sobre mulheres’. Ao que eu respondi: ‘Se quisesse podia fazê-lo’. Aquilo motivou-me e acabou por me surgir uma ideia acerca de um episódio que se passaria num chuveiro público feminino e a protagonista teria poderes telepáticos. As colegas de balneário fariam tudo para atormentá-la, atirando-lhe lenços de papel enquanto ela procurava lidar com a menstruação. O incidente despoletaria uma certa reacção hormonal e a protagonista usaria essa raiva para se vingar…comecei por escrever a cena do duche, mas odiei o resultado e mandei tudo fora.
Esclarece ainda que:
Carrie tem sobretudo a ver com as diferentes lutas femininas pelo poder e com os vários receios que as mulheres infligem nos homens, por exemplo ao nível da sexualidade…há que dizer que tendo escrito o livro em 1973…tinha perfeita noção da existência dos movimentos feministas e do que isso significava. O enredo aborda o desconforto masculino perante uma futura igualdade de direitos entre os dois sexos. Para mim, Carrie White representa uma adolescente subaproveitada, um exemplo daquele tipo de pessoa cujo espírito se deixa consumir por uma sociedade de homens – e mulheres – predadores, contexto que nasce desde logo nas escolas secundárias em geral e nas suburbanas em particular. Contudo, também simboliza a Mulher, à medida que descobre as suas capacidades pela primeira vez. Tal como Sansão, acaba por esmagar os opositores debaixo dos escombros do seu templo. Carrie serve-se do seu «poder selvagem» para destruir a sociedade apodrecida.
A personagem Carrie White surgiu a partir da mescla de duas raparigas que o autor se recorda de observar nos seus tempos de estudante. Comenta acerca de uma delas:
Era uma rapariga estranha, que vinha de uma estranha família. A mãe dela não era uma fanática religiosa como a mãe de Carrie mas era uma viciada no jogo. A filha utilizava a mesma roupa o ano todo e é óbvio que as outras crianças faziam pouco dela. Recordo-me perfeitamente do dia em que apareceu na escola com roupa nova, que ela própria comprou. Era uma miúda banal, provinciana, mas tinha-se visto livre da saia preta e da camisa branca – o que sempre usara – e em vez disso apareceu com uma blusa axadrezada de várias cores, com mangas enchumaçadas e uma saia que estava na moda, naquele tempo. Sem surpresa, os colegas atormentaram-na ainda mais, porque ninguém queria que ela rompesse o estereótipo.
King comenta que sempre teve curiosidade em descobrir como seria viver com uma mãe daquelas, pelo que decidiu criar uma história que fosse o contraponto da Cinderela. Quanto à ex-colega de escola, o autor afirma que esta «casou com um homem igualmente estranho, tiveram filhos e ela acabou por se suicidar».
Os poderes da protagonista foram baseados em certas leituras que o autor fez sobre o tema. Segundo King:
Carrie foi escrito depois d’ «A Semente do Diabo» mas antes d’ «O Exorcista», o que abriu novas possibilidades narrativas. No fundo, não tinha grandes esperanças com este livro. Pensava com frequência: ‘Quem é que quer ler um livro sobre uma adolescente qualquer, às voltas com problemas menstruais?’ Não podia acreditar que estava a perder tempo com aquilo.