Uma análise mais completa a Ramalho Ortigão pode ser lida aqui, focando-se o texto presente em considerações de Eça de Queirós sobre a colaboração entre ambos para a feitura d’As Farpas.
Um dos fins da arte realista é obrigar a ver verdadeiro. «As Farpas» tinham esta maneira: fazer rir do ídolo, mostrando por baixo o manequim.
Notas Contemporâneas
Lê esse prospecto. Compreendes logo o que é: jornal de luta, jornal mordente, cruel, incisivo, cortante e sobretudo jornal revolucionário. (…) Mais fogo, mais vigor, mais violência e mais intenção. No estado em que se encontra o País, os homens inteligentes que têm em si a consciência da revolução não devem instruí-lo, nem doutriná-lo, nem discutir com ele – devem farpeá-lo. «As Farpas» são pois a pilhéria, a ironia, o epigrama, o ferro em brasa, o chicote, postos ao serviço da Revolução.
Correspondência dispersa
«As Farpas» hão-de viver porque elas são o mais interessante documento deste tempo: nelas se encontra, muito viva, a impressão das duas grandes feições dos nossos dias – a risível incapacidade da burguesia dirigente e a grande corrente de revolução científica, que surge por baixo. É essa poderosa mistura de chalaça e de ideal (ideal no sentido moderno) que as torna um livro sem precedente e que lhe dará a si um bom nicho no Panteão da Arte.
Correspondência com Ramalho Ortigão
(…) Possui duas qualidades eminentes, de grande resultado moral, raras nos seus contemporâneos: não é bacharel e tem saúde. A biografia do seu espírito é mais complexa. Diz-se geralmente – Ramalho Ortigão, autor de «As Farpas». Não seria inexacto dizer – «As Farpas», autoras de Ramalho Ortigão.
Paris, ou antes um dos lados de Paris, a Paris do chique, das operetas, das dançarinas e dos pequenos tiranos, deixaram-lhe nos olhos e no espírito um grande deslumbramento. Se lá se tivesse estabelecido então, teria escrito com fervor no «Le Figaro». (…) Iria, por estilo, jantar chez Vachette, com o ramo de violetas, de uniforme e gabar as grandes ideias do reinado, bebendo Romanée-Imperial. Publicaria em casa de Michel Levy um volume intitulado «Contos do Asfalto» e, declarada a guerra, como era bravo ter-se-ia alistado nos Zuavos e morrido heroicamente. Em Portugal, era a contrafacção lisboeta deste tipo amado.
Um orador ilustre falava em S. Bento. Ninguém como Ramalho para recolher numa bacia os períodos escorridos e mostrar ao público que aquela eloquência sublime eram as fezes biliosas de velhos compêndios decorados.
A glória de Ramalho é o seu estilo e as suas concepções satíricas. É, sem dúvida alguma, o estilista mais poderoso de Portugal. Tem uma linguagem viva, colorida, bem cunhada, duma grande elasticidade e duma grande solidez, ferindo admiravelmente, colando-se à ideia como um estofo, ao mesmo tempo prática e resplandecente.
Seria um romancista extraordinário, se fosse psicólogo como é desenhista e se tivesse o instinto certo do momento dramático como tem a visão exacta da atitude caracterizante.
Notas Contemporâneas