Viveu entre 1900 e 1944. Escritor, poeta, aristocrata, jornalista e aviador pioneiro. Obteve alguns dos prémios mais importantes da literatura francesa, tendo também ganho o «National Book Award» dos Estados Unidos. Ficou conhecido sobretudo pela novela O Principezinho, mas também por relatos sobre aviação como «Terra dos Homens» e «Voo Nocturno».
Saint-Exupéry era um bem-sucedido piloto comercial antes da II Grande Guerra, cumprindo rotas na Europa, África e América do Sul dedicadas ao correio aéreo. Com o início do conflito, juntou-se à Força Aérea Francesa, dedicando-se a voos de reconhecimento até ao armistício com a Alemanha, em 1940. Ao ser dispensado pela Força Aérea, deslocou-se aos Estados Unidos na tentativa de convencer o governo local a entrar na Guerra, contra o nazismo alemão.
Passou 28 meses (mais de dois anos) na América, durante os quais escreveu três das suas obras mais importantes, antes de se juntar à Força Aérea Francesa Livre, no Norte de África – apesar de ter excedido há muito a idade máxima para esse tipo de funções e estar com problemas de saúde. Acabou por desaparecer, assumindo-se que terá morrido, durante uma missão de reconhecimento a partir da ilha de Córsega, sobre o Mediterrâneo, a 31 de Julho de 1944. Apesar dos destroços do avião terem por fim sido encontrados ao largo de Marselha, no ano 2000, a causa específica do acidente nunca foi descoberta.
Antes do conflito, Saint-Exupéry era já famoso enquanto aviador, em França. As obras publicadas após a sua morte cimentaram-lhe o estatuto de herói nacional, com especial destaque para O Principezinho, traduzido em 300 línguas. Posteriores traduções de outros trabalhos contribuíram para o reconhecimento internacional, como por exemplo «Terra dos Homens», um livro de memórias de cariz filosófico escrito em 1939. A obra acabou por emprestar o nome a uma organização humanitária focada nas crianças e foi ainda tema central da Expo 67, em Montreal. O aeroporto de Lyon (terra natal) recebeu o nome do autor, bem como a estação ferroviária adjacente.
Antoine nasceu em Lyon, numa família aristocrática católica, cuja linhagem recua comprovadamente vários séculos, em concreto até ao século V e a um bispo chamado Saint Exuperius. Foi o terceiro de cinco filhos dos viscondes Marie de Fonscolombe e Jean de Saint-Exupéry. O pai, executivo numa empresa de seguros, morreu de enfarte na estação ferroviária de La Foux, pouco antes do filho completar quatro anos.
A morte deste afectou toda a família, alterando-lhes o estatuto para «aristocratas falidos».
Saint-Exupéry tinha um trio de irmãs e um irmão mais novo, um loirinho chamado François que morreu aos 15 anos de uma febre reumática, contraída quando ambos frequentavam um colégio suíço, durante a Primeira Guerra. Antoine cuidou do irmão, o seu melhor amigo, junto ao leito de morte tendo mais tarde escrito que este «..ficou imóvel por um instante. Não gritou. Depois, tombou gentilmente, como uma jovem árvore». Esta imagem seria transformada, muitos anos depois, no emocionante final d’ O Principezinho. Com apenas 17 anos, transformou-se no único homem da família, ficando a princípio tão desnorteado como a mãe e irmãs. Contudo, passado algum tempo, assumiu a missão de protege-las e apoiá-las.
Após falhar por duas vezes nos exames para a Escola Naval, entrou para a Escola das Belas Artes como ouvinte, no curso de Arquitectura, com duração de 15 meses. Também não concluiu estes estudos, habituando-se depois a saltitar por diferentes trabalhos. Em 1921, iniciou o serviço militar como soldado no 2º Regimento de Caçadores a Cavalo, tendo sido enviado para Neuhof, perto de Estrasburgo. É lá que recebe aulas de voo privadas, tendo no ano seguinte sido transferido do Exército para a Força Aérea. Recebeu as insígnias ao ser enviado para o 37º Regimento de Caças, em Casablanca (Marrocos).
Mais tarde, foi recolocado no 34º Regimento de Aviação em Le Bourget, nos arredores de Paris e sofreu o primeiro de muitos acidentes de avião. À conta disso, acedeu aos desejos da família da noiva, a futura romancista Louise Lévêque de Vilmorin e abandonou a Força Aérea a favor de um emprego administrativo. No entanto, o casal separou-se algum tempo depois e Antoine voltou à rotina dos trabalhos temporários durante vários anos.
Em 1926, regressou à aviação. Tornou-se num dos pioneiros do correio aéreo internacional, numa época em que os aviões eram ainda bastante rudimentares. Mais tarde, comentará que os pilotos beneficiários dos veículos mais avançados eram mais contabilistas do que aviadores. Trabalhou para a companhia «Aéropostale», fazendo a rota entre Toulouse e Dakar, tendo depois acumulado as funções de gerente no aeródromo de Cape Juby, situado no sul de Marrocos, perto do deserto do Saara. Entre as funções, estava a negociação para o regresso seguro de pilotos acidentados, aprisionados pelas tribos locais, missão sempre arriscada e que lhe valeu a primeira Legião de Honra por parte do governo francês.
Em 1929, foi transferido para a Argentina e nomeado director da companhia aérea «Aeroposta Argentina». Passou a viver em Buenos Aires, no edifício Galería Güemes. Começou a gerir novas rotas na América do Sul, negociando contractos e por vezes fazendo ele próprio os voos ou efectuando buscas de salvamento para aviões caídos.
A primeira novela do autor, «L’Aviateur», foi publicada em 1926 numa revista literária obscura. Em 1929, surge o primeiro livro, «Correio do Sul». É nessa fase que inicia a carreira de aviador e jornalista, especificamente com a rota Casablanca-Dakar.
Ao publicar «Voo da Noite», em 1931, Saint-Exupéry adquiriu o estatuto de novo talento no mundo literário. É a primeira das suas grandes obras a obter sucesso generalizado, tendo-lhe valido o prémio Femina. O enredo foca-se nas experiências como piloto comercial e director da companhia «Aeroposta Argentina». Nesse mesmo ano, em França, casa-se com a salvadorenha Consuelo Suncin, divorciada e viúva, uma artista e escritora de espírito boémio e língua afiada.
Antoine, profundamente encantado com ela, haveria de abandoná-la e para ela regressar inúmeras vezes – esta cumpria o papel de musa e, a longo prazo, de maldição. Tratou-se de uma união tempestuosa, à conta das frequentes viagens do autor e dos muitos casos amorosos a que se entregou, em especial com a francesa Hélène de Vogüé, conhecida como «Nelly» e baptizada de «Madame de B.» nas biografias. Esta foi a executora literária de Saint-Exupéry após a morte deste, tendo também escrito uma biografia sobre ele, sob o pseudónimo Pierre Chevrier.
O autor continuou a escrever até à Primavera de 1943, altura em que abandonou os Estados Unidos inserido no contingente americano a caminho do Norte de África, durante a II Grande Guerra.
Muito antes, a 30 de Dezembro de 1935, às 2h45 da manhã e após 19h e 44 minutos de voo, Saint-Exupéry e o mecânico-navegador André Prévot fizeram uma aterragem forçada no deserto líbio, no decorrer de uma tentativa de bater o recorde de velocidade entre Paris e Saigão, corrida com um prémio de 150 000 francos.
Ambos sobreviveram miraculosamente ao embate, ainda que os aguardasse um cenário de rápida desidratação, à conta do intenso calor do deserto. Tinham consigo mapas rudimentares e confusos, deixando-os sem qualquer noção do ponto onde estavam. Perdidos nas dunas, tinham como únicos mantimentos algumas peças de fruta e dois termos (um com restos de café, outro de vinho branco). Ainda um pequeno estojo médico com escassas quantidades de álcool e iodo.
Reduzidos a um dia de líquidos, ambos sofreram com miragens, alucinações auditivas e visuais. Ao segundo e terceiro dias, estavam já tão desidratados que pararam de transpirar. Ao quarto, foram descobertos por um beduíno num camelo que lhes administrou um tratamento local contra a desidratação, salvando-os. O encontro imediato com a morte preenche boa parte da sua obra de 1939, «Terra de Homens», vencedora de vários prémios. Da mesma forma, O Principezinho, que se inicia com um piloto acidentado no deserto é, em parte, uma referência a tal aventura.
Após a inicial experiência no conflito, o armistício assinado entre a França e a Alemanha forçou o autor ao exílio nos Estados Unidos, tendo a rota de evasão incluído Portugal. Alojou-se no Hotel Palácio, no Estoril, entre 28 de Novembro e 20 de Dezembro de 1940. Relata essa experiência na obra «Carta a um Refém». Chegou a Nova Iorque no último dia de 1940, focado em convencer o governo americano a entrar rapidamente no conflito, contra a Alemanha Nazi.
A 14 de Janeiro de 1941, num evento literário agendado para o Hotel Astor e com uma assistência em redor das 1500 pessoas, recebeu com atraso o «National Book Award» pela obra «Terra de Homens», que lhe havia sido atribuída um ano antes, quando assistia à destruição do exército francês.
Consuelo foi ter com ele a Nova Iorque alguns meses depois, na sequência de um período conturbado na comunidade de artistas onde vivia, na aldeia de Oppéde, no sul de França. Transformará esse contexto na sua autobiografia.
O casal habitou em diferentes zonas da cidade americana entre Janeiro de 1941 e Abril de 1943, entre apartamentos e casas senhoriais.
Foi também nesta fase que o autor adicionou um hífen ao apelido, farto de ser tratado por «Sr. Exupéry» pelos americanos. Entretanto, edita com grande sucesso as obras «Piloto de Guerra» e «Carta a um Refém», dedicando a última aos 40 milhões de franceses oprimidos pelo regime nazi, e outros trabalhos mais curtos.
Passaram igualmente algumas semanas no Québec, Canadá, na Primavera de 1942, tendo lá conhecido um rapazinho de oito anos, de cabelo loiro encaracolado e dono de uma inteligência precoce. De seu nome Thomas, era filho do filósofo Charles De Koninck, um amigo em comum.
No regresso e após uma fase muito atormentada pela doença e nervosismo, Antoine foi convencido a escrever um livro para crianças pela mulher de um dos editores, que procurou acalmá-lo e no processo rivalizar com a colecção de histórias de Mary Poppins, criadas por P.L. Travers. Saint-Exupéry decidiu então escrever e ilustrar O Principezinho, na segunda metade de 1942, tendo concluído o trabalho em Outubro. A obra seria publicada no início de 1943, em Inglês e Francês, mas apenas no território americano. Só depois da morte do autor chegaria ao país natal, no seguimento da libertação e do fim da Guerra, uma vez que este tinha sido banido pelo regime colaboracionista de Vichy.
Em Abril de 1943, após 27 meses em solo americano, Saint-Exupéry seguiu viagem inserido num regimento militar a caminho de Argel (capital da Argélia), juntando-se à Força Aérea Francesa Livre, associada dos Aliados. Nesta altura, somava já 43 anos, estando à beira de ser promovido a major mas excedendo em muito a média de idades dos presentes em unidades operacionais. Apesar de ultrapassar em oito anos a idade limite para exercer as funções de piloto, tinha pedido com grande insistência que lhe fosse atribuído um regime de excepção, tendo a sua vontade sido por fim atendida pelo General Dwight Eisenhower.
A realidade, porém, mostrava um homem vítima de grande dor e sofrimento, à conta das lesões provocadas pelos vários acidentes anteriores, ao ponto deste não conseguir equipar-se sozinho ou sequer virar a cabeça para a esquerda, de modo a confirmar a presença de aviões inimigos.
Saint-Exupéry foi deslocado, juntamente com outros companheiros, para a sua antiga unidade, agora rebaptizada «Grupo de Reconhecimento 2/33 Savoie», com a função de pilotarem «P-38 Lightnings», aviões descritos por um oficial como «material desgastado e pouco útil». Estes eram ainda assim mais sofisticados do que os exemplares que o autor conhecia, obrigando-o a suportar sete semanas de treinos desgastantes antes de lhe ser atribuída a primeira missão. Destruiu um avião logo na segunda viagem, devido a problemas de motor, tendo permanecido em terra nos oito meses seguintes. Voltou, de novo, a ser dado como apto para o voo, desta vez após a intervenção pessoal de uma alta patente do Exército Americano.
No regresso às missões, recuperou também o velho hábito de ler e escrever durante o voo. O entusiasmo pelos estudos literários absorviam-no, prolongando certa vez as leituras até aos últimos segundos antes da descolagem, entregando o aquecimento e testagem dos motores do avião aos mecânicos. Noutra ocasião, para desespero dos colegas que o aguardavam em terra, andou em círculos na zona do aeroporto durante uma hora, de modo a conseguir terminar a leitura de um romance. Fazia-se acompanhar com frequência de um pequeno caderno de apontamentos nos voos de longo curso em solitário e boa parte dos textos filosóficos foram escritos nestes períodos, nos quais podia reflectir no mundo que sobrevoava.
Antes do regresso às missões com o esquadrão, situado no Norte de África, o regime colaboracionista de Vichy declarou unilateralmente que o autor fazia parte dos apoiantes – facto que se revelou um grande choque para Antoine. No seguimento, o General francês (e futuro presidente) Charles de Gaulle, por quem Saint-Exupéry tinha pouca estima, insinuou publicamente que o escritor apoiava a Alemanha nazi. Muito deprimido, este começou a beber em excesso, agravando um quadro de saúde (física e mental) já muito frágil, ao ponto de começar a ser ponderada a hipótese de lhe ser revogada a licença de voo.
A derradeira missão de reconhecimento do autor consistia em recolher informações sobre os movimentos das tropas alemãs junto ao vale do rio Rhone, na antecâmara da invasão aliada do sul de França. Apesar de ter sido readmitido na expressa condição de realizar apenas cinco missões, no dia 31 de Julho de 1944 Antoine levantou voo num avião desarmado para a sua nona missão de reconhecimento, a partir de uma base aérea da Córsega. Para grande preocupação dos companheiros, não regressou, desaparecendo sem deixar rasto. A notícia depressa se espalhou nos meios literários e daí para os escaparates internacionais.
Em Setembro de 1998, a leste da ilha de Riou (sul de Marselha) foi encontrada por pescadores uma pulseira identificativa, em prata, com os nomes do autor, da mulher Consuelo e da editora americana, Reynal & Hitchcock. Estava ainda presa a um bocado de tecido, presumivelmente da farda militar. O anúncio da descoberta transformou-se num momento de grande emoção em França, onde Saint-Exupéry se transformara num herói nacional, embora alguns duvidassem da veracidade dos factos, uma vez que o objecto tinha sido encontrado bastante longe da sua rota oficial, levantando a hipótese do avião não ter sido, afinal, abatido.
Em Maio de 2000, um mergulhador encontrou destroços de um avião, afundado ao largo da costa de Marselha, correspondente ao tripulado pelo autor e próximo do local onde a pulseira havia sido descoberta. O sucedido emocionou a França, que havia encomendado buscas pelo avião e especulado acerca do destino do escritor ao longo de várias décadas. Após uma pausa de dois anos, imposta pelo governo nacional, o remanescente do avião foi então recuperado, em Outubro de 2003.
No ano seguinte, um conjunto de peritos confirmou a autenticidade dos destroços, estabelecendo em definitivo tratar-se do avião pilotado por Saint-Exupéry.
Não foram encontradas qualquer tipo de marcas ou evidências de tiroteio, mas o facto foi considerado de menor importância uma vez que se tratava de uma pequena parte do avião.
Em Junho de 2004, os fragmentos foram doados ao Museu do Ar e do Espaço, em Paris, onde a vida do autor é comemorada através de uma exposição.
Apesar de não ser ostensivamente autobiográfica, grande parte da obra de Saint-Exupéry retirou inspiração das experiências deste como piloto. O exemplo mais famoso é decerto a novela O Principezinho, uma história poética ilustrada por aguarelas, na qual um piloto que se despenhou no deserto encontra um jovem príncipe, chegado à Terra depois de ter caído de um pequeno asteróide.
Trata-se de um enredo filosófico, que inclui crítica social, baseado na estranheza do mundo dos adultos. Segundo um biógrafo:
Muito raramente se encontra um contexto no qual autor e personagem se ligam tão intimamente como Antoine de Saint-Exupéry e o seu Principezinho. Permanecem enleados, gémeos inocentes, tombados do céu.
Novela publicada nos Estados Unidos, em Inglês e Francês, em Abril de 1943 e em França, após o final da II Guerra e a morte de Antoine de Saint-Exupéry, uma vez que este tinha sido banido durante o regime de Vichy. A narrativa é acerca de um jovem príncipe que visita diversos planetas (incluindo a Terra) durante uma viagem através do Universo, abordando temas como a solidão, amizade, amor e perda. Apesar de ser direccionada para um público juvenil, a novela contém reflexões acerca da existência, experiência adulta e natureza humana.
Revelou-se a obra de maior sucesso do autor, vendendo cerca de 140 milhões de cópias em todo o mundo (uma das mais vendidas de sempre). Foi traduzida em cerca de 505 línguas e dialectos, apenas suplantada pela Bíblia, tendo sido ainda alvo de variadas adaptações para rádio, teatro, filme, televisão, ballet e ópera.
Enredo
O narrador começa por reflectir acerca da natureza dos adultos, nomeadamente a sua inabilidade em compreenderem «as coisas importantes». Decide então fazer um teste, que determine se uma pessoa crescida consegue ser tão inspirada como uma criança. Exibe uma imagem onde se observa uma jibóia que acabou de engolir um elefante. Os adultos, contudo, opinam sempre que se trata de um chapéu, provando assim que o narrador deve resumir a conversa a temas «razoáveis», dispensando o fantasioso.
Este é um piloto de aviões e, um dia, despenha-se no deserto do Sahara, ficando isolado da civilização. Tem água apenas para uma semana e terá de ser breve a reparar o avião. A certa altura, recebe a inesperada visita de um rapaz, vulgarmente conhecido por «principezinho».
Este possui cabelos loiros, um riso contagiante e repete as perguntas até que estas sejam respondidas.
Pede ao narrador para que este desenhe uma ovelha. Ele, antes disso, mostra-lhe a imagem do elefante dentro da jibóia, que o rapaz interpreta correctamente, para grande surpresa do outro. Após tentar por três vezes, sem sucesso, desenhar a ovelha, o já impaciente narrador rabisca uma caixa, alegando que a ovelha está lá dentro. O príncipe exulta, explicando que era exactamente aquele, o desenho que pretendia.
Ao longo de oito dias, à medida que o narrador tenta consertar o avião, o jovem relata a história da sua vida. Começa por descrever o minúsculo planeta natal, nada mais do que um asteróide do tamanho de uma casa denominado «B 612». As características relevantes do mesmo são três pequenos vulcões (dois activos e um adormecido/extinto), a par de um conjunto variado de plantas.
O príncipe descreve ainda os tempos passados a limpar os vulcões e a raspar as ervas daninhas que infestam a superfície do planeta, muito em particular os embondeiros, que ameaçam constantemente sufocar o terreno. Caso estes não sejam arrancados no preciso momento em que são descobertos, as raízes podem colocar o pequeno planeta em risco. Assim sendo, o príncipe necessita de uma ovelha que se alimente das plantas indesejadas, embora receie que esta possa, por engano, comer algumas com espinhos.
Confessa ainda o seu amor por uma rosa vaidosa e tola, que habita no asteróide há algum tempo. Esta é dada a pretensiosismos e exageros para obter atenção e obrigar o príncipe a cuidar dela. Explica que tem alimentado e cuidado da rosa, protegendo-a do frio e do vento com uma campânula de vidro, regando-a e afastando as lagartas.
Apesar de se ter apaixonado pela rosa, este apercebe-se que ela terá começado a aproveitar-se dele, tendo por isso decidido abandonar o planeta e explorar o resto do Universo. Ao despedirem-se, esta pede desculpa por nunca ter sabido demonstrar o quanto o amava. Deseja-lhe sorte e recusa continuar a ser protegida pela campânula, como ele sugere, afirmando que irá agora cuidar de si própria. O príncipe lamenta nunca ter de facto entendido a melhor forma de amar a sua rosa, ao destacar nela as palavras vaidosas em lugar das acções ternas.
Desde então, visitou seis outros planetas, cada um deles habitado por um adulto solitário, irracional e conservador:
– Um rei despojado de súbditos, que se limita a gritar ordens inúteis, como por exemplo ordenar ao sol que desapareça à hora do crepúsculo;
– Um homem orgulhoso, que deseja apenas elogios e admiração, permanecendo para sempre o homem mais admirado do seu desabitado planeta;
– Um alcoólico que bebe para tentar esquecer a humilhação que sente por ser alcoólico;
– Um homem de negócios, cego diante da beleza das estrelas, preferindo mergulhar na infinita tarefa de contá-las e classificá-las, julgando assim ser o «dono» de todas elas;
– Um acendedor de candeeiros públicos num planeta tão pequeno que cada dia tem a duração de minuto. Este desperdiça a existência ao seguir cegamente um conjunto de ordens que passam por apagar e acender o candeeiro a cada 30 segundos, equivalentes ao dia e à noite;
– Um geógrafo idoso que nunca esteve em lado nenhum, nem observou nenhuma das coisas que regista.
Este último declara ao príncipe que a sua rosa é um ser efémero e não faz parte de nenhum registo, recomendando-lhe que visite em seguida o planeta Terra. A estadia deste principia com um resumo bastante pessimista da Humanidade. A meia dúzia de personagens anteriores representam, segundo o narrador, a grande maioria do mundo adulto. Senão observe-se:
Existem no planeta 111 reis, 7000 geógrafos, 900 000 homens de negócios, 7 500 000 alcoólicos, 311 000 000 homens orgulhosos. Ou seja e em resumo, 2 000 000 000 de adultos.
Contudo, uma vez que o príncipe aterrou num deserto, convenceu-se que a Terra estava desabitada. Começou por encontrar uma cobra amarela que depressa alegou ser capaz de reenviá-lo para casa, se fosse esse o seu desejo. Em seguida, deparou-se com uma flor do deserto, que confessou ter visto apenas meia dúzia de homens naquela parte do mundo e que esses não tinham raízes, permitindo que o vento os empurrasse sem destino e aceitando existências difíceis. Após escalar a montanha mais alta que alguma vez vira, o príncipe esperava conseguir observar a totalidade do planeta e com isso encontrar as pessoas, mas deparou-se apenas com a infindável e desolada paisagem. Ao chamar para o infinito, foi recebido pelo seu eco, que este considerou ser a voz de uma pessoa extremamente aborrecida, que se limitava a repetir palavras de outros.
Pelo caminho, viu ainda uma fila de roseiras, episódio que logo o fez reflectir sobre os tempos em que celebrava a exclusividade da sua rosa, concluindo também que esta mentira acerca dessa exclusividade. Alimenta a progressiva sensação de que não é, afinal, um grande príncipe, pois o seu planeta contém meros três vulcões e uma flor, bastante mais vulgar do que ele julgara. Deitou-se na relva, a chorar, sendo então visitado por uma raposa.
Esta desejava ser domesticada e ensinou o príncipe a fazê-lo. Ao atingir esse estatuto, as coisas deixam de ser vulgares passando a ser únicas. Existem, é claro, inconvenientes, uma vez que o relacionamento pode originar tristeza e saudade, numa futura separação.
Com o auxílio da raposa, o príncipe conclui que a sua rosa era de facto única e especial, uma vez que era objecto do seu amor e compromisso. Tinha, de alguma forma, sido «domesticada», sendo por isso mais importante que todas as outras rosas por ele observadas no jardim. Ao despedirem-se, com alguma mágoa, a raposa partilha um segredo: só se vê bem com o coração, o essencial é invisível aos olhos.
O príncipe conhece, por fim, duas pessoas no planeta Terra:
– Um funcionário dos caminhos-de-ferro, que lhe conta acerca dos passageiros que se apressam constantemente de um lugar para o outro, jamais satisfeitos onde estão e jamais conhecedores do que procuram. Nesses comboios, apenas as crianças se preocupam em olhar pela janela;
– Um mercador, que informa o príncipe acerca do seu produto – um comprimido capaz de eliminar a sede durante uma semana.
De regresso ao presente, estamos no oitavo dia após o acidente de avião e quer o narrador, quer o príncipe, morrem de sede. Este último está visivelmente abatido e triste, à conta das várias memórias. Deseja cada vez mais voltar a casa e reencontrar a sua flor.
Entretanto, o rapaz encontra um poço, para salvação de ambos. Mais tarde, o narrador observa-o a conversar com a serpente, abordando o regresso a casa e a grande vontade em rever a flor, deixada à sua sorte. O príncipe despede-se, de forma emocionada, do narrador, explicando que se de algum modo parecer morto é apenas porque o seu corpo se tornou demasiado pesado para regressar a casa. Avisa-o ainda para não presenciar a situação, que poderá perturbá-lo. O outro, consciente do que se vai seguir, recusa abandoná-lo. O rapaz consola-o, sugerindo que basta este observar as estrelas para se recordar do riso contagiante e será então como se todas as estrelas estivessem a rir. Afasta-se, autorizando a serpente a mordê-lo e logo tombando discretamente.
Na manhã seguinte, o narrador vê-se incapaz de encontrar o corpo do principezinho. Consegue, por outro lado e por fim, reparar o avião e abandonar o deserto.
É deixada à consideração do leitor se o rapaz voltou de facto a casa ou faleceu. O enredo termina com a imagem do local onde ambos se encontraram e onde a serpente roubou a vida terrena do príncipe. O narrador requisita a qualquer pessoa que atravesse aquela zona para que entre em contacto, logo que se depare com um rapaz de cabelo loiro que recuse responder a perguntas.
O enredo d’ O Principezinho surgiu numa altura em que o autor era «um expatriado, desesperado com o que se passava no seu país e no mundo em geral». De acordo com um dos críticos, «a narrativa comporta inúmeros elementos do fantástico e do irreal – não podemos viajar para outro planeta com ajuda de um bando de pássaros – mas o resultado acaba por ser satisfatório já que a estrutura baseia-se na imaginação das crianças e não no realismo intolerante dos adultos.
Perfeccionista de gema, apreciador do poeta francês do séc. XIX Stéphane Mallarmé, Saint-Exupéry «trabalhava durante muitas horas, extremamente concentrado», apesar de admitir bastantes dificuldades em dar início ao processo criativo. Afirma-se ainda que «na base da busca do autor pela perfeição estava um elaborado processo de edição e reescrita, que reduzia os manuscritos originais em cerca de dois terços». Escrevia com frequência à noite, iniciando o trabalho por volta das 23h, com o auxílio de abundantes quantidades de café. Explicava que nessa fase da noite sentia-se «livre» e capaz de se concentrar, «escrevendo horas a fio sem lidar com a fadiga», acabando por adormecer insensivelmente no final da sessão. Acordava de madrugada, sentado à secretária e com a cabeça nos braços. Confessava ser esta a única forma de conseguir trabalhar, pois a partir do momento em que mergulhava num projecto literário, o mesmo transformava-se numa obsessão.
No que diz respeito a fontes de inspiração, acredita-se que a raposa tenha sido baseada numa amiga íntima do autor, residente em Nova Iorque, chamada Silvia Hamilton Reinhardt, eventual criadora da famosa frase «…o essencial é invisível aos olhos».
Os perigosos e omnipresentes embondeiros, segundo analistas, poderão representar o Nazismo, na sua tentativa de dominar e destruir o planeta. Por outro lado, as garantias do príncipe acerca do corpo enquanto veículo inútil assemelham-se às últimas palavras do jovem irmão do autor, François, que terá afirmado no seu leito de morte:
Não te preocupes. Estou bem. Não se pode fazer nada. É apenas o meu corpo.
Acredita-se também que a rosa, de bom fundo mas petulante e vaidosa, terá sido inspirada na mulher do autor, Consuelo de Saint-Exupéry, sendo o pequeno planeta natal uma alegoria para a Guatemala, onde o piloto se despenhou e sofreu diversas fracturas. Forçado a convalescer no território, tinha como paisagem próxima do seu quarto os famosos três vulcões. Apesar do casamento bastante tumultuoso entre ambos, o autor mantinha um sentimento especial pela mulher, transformando-a na «rosa do príncipe», alvo de todas as atenções no seu minúsculo planeta. As dúvidas acerca da relação e as várias infidelidades são espelhadas pelo enorme roseiral que o príncipe encontra durante a sua visita ao planeta Terra.
Esta tese é confirmada por estudiosos, que declaram ser Consuelo «a musa a quem Saint-Exupéry confessava a própria alma, em várias cartas». Afirma o príncipe sobre a rosa que «devia tê-la julgado pelos actos e não pelas palavras. Ela abraçava-se a mim e inspirava-me. Nunca devia ter partido. Devia ter percebido a ternura que se escondia atrás daquelas pobres birras».
Em relação à personagem do príncipe, existem várias hipóteses:
– A sua própria juventude, uma vez que nos primeiros anos os amigos e familiares apelidavam-no de «Rei Sol», devido ao seu cabelo loiro e encaracolado;
– Como foi dito antes, o autor também conheceu um rapazinho de oito anos com inteligência precoce e cabelo loiro, filho de um amigo, no decurso de uma viagem ao Canadá, em 1942;
– Possibilidade mais remota, a de Land Morrow Lindbergh, o filho loiro do colega aviador Charles Lindbergh, casado com Anne Morrow Lindbergh, que ele conheceu numa noite passada na casa destes em Long Island, no ano de 1939.
Existe ainda quem veja a personagem a partir de uma referência cristã, uma vez que a criança está «livre de pecado» e «acredita na vida depois da morte», contexto que o motiva a regressar ao seu «paraíso pessoal». Ao ser questionado acerca disto por um jornalista, Saint-Exupéry limitou-se a responder que certo dia, ao olhar para uma folha que ele julgava branca, nela observou a imagem de uma criança: «perguntei-lhe quem era. Ele respondeu que era o Principezinho».
Muitas das análises iniciais revelaram alguma perplexidade com as múltiplas camadas daquela fábula, recheada de lições morais, quem sabe por esperarem uma obra muito mais convencional de um dos autores mais populares em França. Contudo, nada que não tivesse sido previsto pelo editor, que sabia estar perante uma obra que não encaixava totalmente nem na categoria de livro infantil nem na de livro para adultos. Segundo um artigo de imprensa:
O que se considera um bom livro infantil? O Principezinho, que se revela uma fábula incrível para adultos, possui igualmente valor indesmentível para crianças de seis, oito ou dez anos. Talvez encaixe na mesma categoria de «As Viagens de Gulliver», enquanto obra que existe em dois planos. Será possível criar um enredo recheado de paradoxos e ironias, oferecendo também motivos de interesse a uma criança?
A promoção lidou com o assunto afirmando: «No que nos diz respeito, trata-se apenas do novo livro de Saint-Exupéry», acrescentando à contracapa que «existem poucas histórias que de certa forma, num certo plano, alterem o mundo dos seus leitores para sempre. Esta é uma delas».
Outros ainda:
«O enredo apresenta grandes porções daquilo que se considera ser o espírito filosófico e poético do autor. Trata-se, em certa medida, de uma espécie de crença».
«Este livro irá brilhar junto das crianças com luz especial. Irá tocá-los em algum sítio que não a mente e iluminá-los até chegar o momento de compreenderem a história».