Network


Prefácio

 

Vale essencialmente por cinco cenas, que são cosidas entre si de modo a construir uma história. Uma história, diga-se, premiada a vários níveis e hoje praticamente icónica em certos meios.

A questão é que as duas horas de película estão cheias de contradições. Começa por hesitar entre ser um filme ou uma peça de teatro. Prossegue, sem se decidir a ser um drama ou uma comédia negra. Os textos são excelentes, quase todos, mas acabam por ser demasiado perfeitos ao nível da oralidade para serem ditos por gente comum, num comum quotidiano. Tem tanto de brilhantismo nos diálogos como de futilidade nas personagens, praticamente todas planas, arquétipos de ideias, ventríloquos de visões morais ou subversivas.

Atenção. É uma obra incontornável. É mesmo profética em muitos aspectos e reduzida às tais cinco grandes cenas, qualquer coisa de fantástico. O problema é que não é um filme.

Senão vejamos: dois extraordinários monólogos de um jornalista decadente, deprimido e quase demente. Uma cena bem construída entre este e o presidente de um grande grupo financeiro. Duas cenas «emocionais» entre um director de informação e a sua mulher e amante, respectivamente. Eis tudo.

O que pretendia ser «Network»?

A ser bem construído (ou melhor construído), seria um grito de denúncia impossível de ser aprovado por qualquer estúdio, onde se atacaria a Nova Ordem Mundial, o Capitalismo, o Quarto Poder, entre outras coisas. Retractaria uma Humanidade venenosa e envenenada, oca de qualquer sentimento. Uma velha guarda rendida, atirada para o lodo e uma nova geração formatada, de energias focadas na manutenção e reforço do sistema, em vez de seu contestatário.

«Network» faz tudo isto, mas fá-lo de forma medrosa e envergonhada. Como quem diz uma graça e logo pede desculpa se alguém se ofendeu. Ao tentar ser demasiado metafórico, demasiado efabulado, quase a atravessar para o surreal risível, numa atmosfera em que todos se entregam a ataques de histerismo, todos gritam com todos, onde há gente que desmaia a cada dois minutos como se fossem bonecos articulados, fica a meio caminho. Nem completamente independente, onde toda a falta de sentido faria sentido, porque saberíamos estar colocados numa «dimensão alternativa», nem completamente acessível, escorreito, porque não passa por aí o objectivo nem a linha argumentativa.

Calculo que um certo público terá encolhido os ombros, alguns terão entendido embora lhes tenha sabido a pouco e outros terão simplesmente ignorado a existência da obra. Não agradou nem a gregos nem a troianos, porque preso num limbo: nem filme independente contestatário, nem filme elegante para as massas.

E por isso, numa das cenas mais conhecidas, se vê uma multidão a gritar às janelas: «I’m mad as hell and I’m not going to take it anymore» como quem grita «Bem-vindos ao Ano Novo». O peso é o mesmo, a importância também.

Simular indignação é o que resta.

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