Horace Lafayette é um enigma. Sabe-se que nasceu em Basileia no ano de 1708, mas desconhece-se o ano da sua morte. O que resta dele são registos da sua passagem pelos exércitos Holandeses e Franceses, atribuladas deserções e rumores de pactos diabólicos. Restam também dois livros: «Tempos da Aurora» e «Metamorphosis Obscura». Deste último, datado de circa 1744 se retiram três «poemas obscuros», aparentemente instruções alquimicas simbólicas.

Detail of Christ’s Arm by Michelangelo Buonarroti
Açúcar Negro
Caminha e conhecerás, a doce carícia dos meus exércitos. Eu caminhei dias sem fim pelo fio do horizonte, onde encontrei uma mesa e em cima dessa mesa um corpo de mulher nu que ainda respirava. Em cima da pele quente, três cadeados e apenas um estava aberto com uma chave no ferrolho ferrugento.
Quando o Sol brilhou, nos últimos segundos eu disse o encantamento, ferrando as unhas na minha própria carne e fitando a chave dourada: ohmos, ohmos, facere, ulpesere, lopacere. Três vezes, sempre três vezes.
Houve um grande trovão sem som, por vibração inexplicável e tudo ficou negro na minha boca e um grande sabor a doce pude sentir. Levando os dedos à boca da mulher, perfurava-lhe as gengivas um sangue negro que provado sabia a açúcar e dele, caindo ao chão, floriam flores de pétalas pingadas de ocre.
Açúcar Negro que alimenta os humores salgados;
Três vezes o vais saborear, sempre três vezes sem medo;
Depois de provares, depois de sentires o seu poder;
És de ti a própria chave e a própria solução.
Três Passos
No calor e na sua punição encontraram a mão de Deus. Todo o seu amor era uma chama que ardia em três humores, mas nenhum era humano e nenhum lhes foi familiar. Desde a sua vinda, conheceram a Eterna Morte: o suplício da vida no grito dos metais na fornalha. Ulupse.
Criança, adulto e velho, ámen.
Guardador de um segredo de prata, guardava sem dormir a entrada do templo, mas nenhum templo pode ser guardado com segredos de prata. A chave dourada serve a todos os ferrolhos de prata e aniquila-os sem perdão.
Ouviu estas palavras do senhor dos fundos. Ele mesmo que silvava e puxava pelo seu braço, arrancava a sua pele em gritos de dor. E ele disse-lhe que um dia a saúde se tornava doença e a felicidade maldição e o azul do céu o cobalto dos infernos, mas nenhum sabor era tão delicioso como o da derrota dos orgulhosos a seus pés.
Um dia, numa taberna, teve um êxtase em que falou dez línguas perdidas e nelas contou os segredos de rotas que davam acesso às ilhas do Norte, onde vão morrer os heróis e onde o tempo pára quando ouve passos humanos. Mas ninguém o ouviu, todos o consideraram louco.
Não era o profeta, primeiro criança, depois adulto e velho nas suas convicções, ámen?
Adoração Eterna
Leva-me contigo punho de espada negro!
Quero conhecer o sabor de rumar perdido nos campos de enxofre, de ver almas a gritar por corpos perdidos como o meu. Mas a minha alma intacta, para sentir medo, para chorar novamente como uma criança.
Leva-me contigo punho de espada rubro!
Serei útil às tuas forças, que se preparam para sair, vejo os barcos engalanados com pestilentos pendões em tua glória e majestade.
Sou traiçoeiro e sem família, acharás valiosos os meus préstimos de enganador.
Leva-me contigo punho de espada escondido!
Sei andar sem conta ao tempo gasto ou à distância, no meu silêncio de Outono, triste e resignado de orgulho sem sentido. Verás como te trago ajoelhados os teus inimigos, como te trouxe as cabeças daqueles que confiaram em mim. Em troca não te peço nada, mas despeito e a honra de aceitar o teu comando, desde que seja sanguinário e de conquista.
Quero morrer, quero matar.
Quero seguir o rastro de fumo negro que és tu.