Viveu entre 1917 e 1986. Escritor, guionista e fotógrafo. A fama do autor assenta em dois livros: Planície em Chamas, formado por dezassete contos e publicado em 1953, e o romance Pedro Páramo, publicado em 1955.
Juan Rulfo é considerado um dos grandes escritores latino-americanos do século XX. A sua obra é composta por uma mescla de realidade e fantasia, com a acção a decorrer em cenários mexicanos. As personagens reflectem e representam as características da região, com as devidas problemáticas socioculturais entrecortadas por um mundo fantasioso. Os textos de Rulfo, sobretudo Pedro Páramo, representam uma cisão na literatura mexicana, marcando o fim do romance revolucionário e permitindo o experimentalismo narrativo.
Órfão de pai aos sete anos, perdeu a mãe quatro anos depois. Em 1929 mudou-se para San Gabriel, onde morou com uma avó e depois num orfanato na cidade de Guadalajara. Em 1924 havia iniciado a escolaridade primária. Em 1933 tentou entrar na Universidade de Guadalajara, mas acabou por mudar-se para a Cidade do México. Em 1934 iniciou a sua actividade literária e começou a colaborar com a revista América.
A partir de 1938 viajou pelo interior do país, em comissões de serviço, e começou a publicar os contos mais importantes em revistas literárias.
A partir de 1946 dedicou-se também à fotografia, com sucesso. Em 1947 casou-se com Clara Angelina Aparício Reyes, com quem teve quatro filhos. De 1954 a 1957 trabalhou como editor no Instituto Nacional Indigenista, na Cidade do México.
Depois de muitos textos publicados ao longo dos anos em diversas revistas, publicou Pedro Páramo, em 1955.
Entre 1956 e 1958 escreveu o segundo romance, El gallo de oro, que só foi publicado em 1980.
Concluídos os dois romances, Rulfo abandona a escrita de livros. Em Março de 1974, durante um debate estudantil na Universidade Central da Venezuela, justificou esse abandono com a morte do seu tio Celerino, com quem «falava de tudo». Este tio existiu mesmo e foi com ele que o autor visitou muitas aldeias e soube de muitas histórias, consideradas mitos e lendas.
O escritor Enrique Vila-Matas considera este argumento de Rulfo um dos mais originais de sempre. Por outro lado, para o escritor César Leante, o autor quis assim fugir à repetição dos temas da crueldade e da dor, presentes nos trabalhos anteriores. Esta teoria encaixa noutra declaração de Rulfo, onde este defende que ao escrever Pedro Páramo, pretendia libertar-se da ansiedade, pois a escrita leva sempre ao sofrimento.
Pedro Páramo
Durante muito tempo, foi este o único romance publicado pelo autor. Demorou a nascer, pois segundo Rulfo, as primeiras ideias surgiram-lhe ainda antes dos trinta anos. Em cartas para a namorada, em 1947, já faz menção à obra, então titulada Una estrella junto a la luna, confessando-lhe as dificuldades que estava a ter. Posteriormente, declarou que os contos presentes em Planície em Chamas tinham servido de ensaio para o romance. Admite também influências de William Faulkner e Halldór Laxness. Conclui o livro entre 1953 e 1954, com a ajuda de uma bolsa do Centro Mexicano de Escritores. Fez-se uma edição de dois mil exemplares, dos quais se venderam metade, tendo os restantes sido oferecidos. Foi traduzido em várias línguas: alemão, sueco, inglês, francês, italiano, polaco, norueguês e finlandês.
Alguns críticos consideraram-no de imediato uma obra-prima, ainda que não faltassem leitores, presos aos tradicionalismos do século XIX, que não se entenderam com a estrutura e reagiram com incompreensão. Estudos mais recentes a esse respeito confirmam no entanto que o reconhecimento da obra, dentro e fora do México, tem sido ininterrupto e crescente, sendo esta cada vez mais estudada e analisada, de ano para ano.
Pedro Páramo foi muito apreciado por autores como Jorge Luís Borges, que afirmou:
Trata-se de um dos melhores romances em língua hispânica e de toda a Literatura.
A obra é considerada um dos melhores e mais influentes romances da literatura hispano-americana, tendo recebido elogios de escritores como Gabriel Garcia Márquez, Carlos Fuentes, Octávio Paz, Günter Grass e Susan Sontag.
A trama decorre na cidade de Comala, no estado de Colina. A época não é explicitada, mas há indicações de ser contemporânea da Revolução Mexicana e da Guerra Cristera. Alguns membros da família de Rulfo foram vítimas da violência revolucionária, cujo epicentro foi o seu estado natal de Jalisco, pelo que os escritos frequentemente remetem para tais episódios.
A história é narrada numa mistura entre primeira e terceira pessoas, com alternância dos personagens na voz da primeira pessoa. Não há capítulos, mas uma infinidade de fragmentos, que não seguem uma sequência temporal. O carácter de Pedro Páramo é deslindado pouco a pouco pelo autor por meio desses discursos múltiplos, fragmentados, desordenados e muitas vezes contraditórios. A linguagem é directa e enxuta e abundam os regionalismos nas falas dos personagens. Pode ser considerado um romance regionalista ou pertencente ao «realismo mágico», pois o texto, que começa no primeiro estilo, vai-se paulatinamente transformando no segundo, à medida que se revela a verdade a respeito de Pedro Páramo e da cidade de Comala. A estrutura intrincada e inovadora é provavelmente a responsável pela inicial resposta negativa dos leitores, mas assegurou o perene renome e a influência da obra sobre os escritores latino-americanos.
Juan Preciado, após a morte da mãe, volta à cidade de Comala para procurar o pai, Pedro Páramo. Logo à chegada, fica a saber que este já morreu há anos. Em Comala, entra em contacto com diversos moradores, todos de alguma forma ligados ao falecido pai, proprietário da fazenda «Meia-lua», a maior da região. Muitos são, inclusive, filhos naturais dele.
Aos poucos, pequenas contradições e absurdos vão-se sucedendo: ouvem-se fantasmas, borram-se os limites entre real e sobrenatural, sono e vigília, passado e presente, até que se entende que todos, inclusive os diversos narradores, que se alternam, estão mortos. Apesar de não estarem conscientes de seu próprio estado, os habitantes do lugar percebem que os demais estão mortos. Estão condenados a vagar eternamente devido ao facto de terem cometido pecados (suicídio, incesto, assassinato, etc.) que não foram absolvidos pelo padre na hora da morte. Uma excepção é Toríbio Alderete, assassinado por Pedro Páramo e deixado insepulto justamente para que sua alma não tivesse descanso.
A narrativa vai também desvendando o carácter de Pedro Páramo, «erva daninha» que passa, principalmente através da violência, de criança miserável à pessoa mais poderosa de Comala. Após herdar a propriedade arruinada do pai, Lucas Páramo, casa-se com Dolores Preciado com o objectivo de apoderar-se da herança desta e pagar as dívidas à família Preciado. Após alguns anos, manda-a viajar para visitar a irmã e nunca mais a manda buscar.
Já idoso, desposa Susana San Juan, amor de infância que havia deixado a cidade ao casar-se e que agora, viúva e louca, a ela retorna. Quando Susana morre, os habitantes de Comala, ao ouvir os sinos, pensam tratar-se de alguma festa e entregam-se à comemoração, o que lhes vale a ira de Pedro Páramo. Este decide cruzar os braços e deixar a cidade «morrer de fome». Encerra-se na fazenda e, a partir daí, a cidade vai definhando.
O verdadeiro personagem do livro é a própria Comala, lugar de mortos-vivos; ou o purgatório, sugere-se mais à frente. Ao mesmo tempo que Pedro Páramo é odiado por todos, torna-se indispensável para a sobrevivência da comunidade. Comala adquire gradativamente as características de Pedro Páramo e, quando este morre, Comala morre com ele.
Personagens
Pedro Páramo – Homem cruel e sem escrúpulos que se tornou a pessoa mais importante de Comala.
Dolores Preciado – Legítima esposa de Pedro Páramo; as suas palavras entremeadas no texto sugerem que, no tempo em que morava em Comala, o lugar era alegre e fértil.
Juan Preciado – Único filho legítimo de Pedro Páramo, que, no entanto, não o registou.
Abúndio Martinez – Arrieiro, um dos filhos ilegítimos de Pedro Páramo e primeira pessoa de Comala que Juan Preciado encontra. Após a morte da esposa, embebeda-se e sai pela cidade em busca de ajuda para enterrá-la. Ao encontrar o pai, mata-o.
Edviges Dyada – Amiga de Dolores Preciado, hospeda Juan Preciado em sua casa. Segundo afirma, tinha sido avisada da chegada dele pela mãe agonizante. Na noite de núpcias de Dolores, a pedido desta, substituiu-a na cama. Suicida-se.
Susana San Juan– Eterno amor de Pedro Páramo, mas que se casa com Florentino e muda de cidade. Volta após ficar viúva, mas está louca de dor. Odeia o pai devido a um episódio ocorrido na mina de Andrómeda durante a infância.
Don Bartolomeu San Juan – Pai de Susana, volta com ela a Comala após a morte do marido. Opõe-se ao seu casamento com Pedro Páramo, sendo morto a mando deste.
Miguel Páramo – Filho bastardo de Pedro Páramo, que inicialmente o renega mas que, por insistência do padre, acaba por reconhecer. Tem o carácter do pai, que assume sempre a responsabilidade pelos seus crimes e abusos. Morto num acidente durante uma cavalgada.
Padre Renteria – Pároco local, encarna a corrupção da Igreja, pois atende a todos os caprichos dos poderosos. Em função disso, tem a autoridade para absolver os moribundos removida pelos superiores, o que faz com que os mortos de Comala nunca descansem.
Doroteia – Louca que vivia da caridade pública e arranjava mulheres para Miguel Páramo. É enterrada junto a Juan Preciado, no mesmo caixão.
Damiana Cisneros – Outra amiga de Dolores Preciado, trabalhadora na fazenda «Meia-lua».
Damásio Tilcuate – Capataz de Pedro Páramo, que este converte em falso revolucionário de modo a manter protegidas as suas terras.
Fulgor Sedano – Administrador da fazenda de Pedro Páramo, ajuda-o a executar as suas decisões, seja a pedir a mão de uma mulher ou a negociar uma dívida, passando por matar um homem. Morto por um grupo de revolucionários.
Justina Diaz – Ama de Susana San Juan.
Gerardo Trujillo – Advogado dedicado de Pedro Páramo. Ao decidir mudar-se para outra cidade, após muitos anos de serviços prestados, nada recebe do patrão.
Toríbio Alderete – Fazendeiro vizinho de Pedro Páramo, morto por este para ter a sua propriedade incorporada à fazenda «Meia-lua».
A coincidência do nome da cidade onde se passa a narrativa e a cidade real de Comala pode ser acidental. O nome pode ter sido escolhido como uma alusão ao termo «comal», utensílio plano e circular, feito de argila ou metal, usado para cozinhar tortilhas.
Já o nome Pedro alude a pedra. Pedro Páramo é um homem duro como pedra e ao morrer, desmorona-se «como um monte de pedras».
O autor logra quase eliminar o narrador, de forma a fazer aumentar ao máximo a participação do leitor. Dois processos são utilizados para fazer desaparecer o narrador: a construção da narrativa a partir das vozes de diversos personagens e a elipse. Um exemplo de elipse aparece no tratamento da morte de Toríbio Alderete: os acontecimentos não são narrados; simplesmente expõem-se os antecedentes (as instruções de Pedro Páramo a Fulgor Sedana, a conversa entre este e Alderete, etc.) e alusões como o grito do assassinado e os seus passos pela casa são distribuídas pelo livro.