Um dos poderes mágicos atribuídos às palavras é o facto de nunca significarem apenas o que significam.
Recordo-me de observar o grupo de adolescentes, cheios daquele tipo de certezas que não passam pela cabeça dos adultos. A mãe de um deles, ansiosa por ser a jovem que nunca foi, tentava inserir-se no contexto através de umas frases «radicais» e umas poses desajeitadas. O grupo encolhia os ombros. Por fim, um deles despede-se desta forma: «Bom, adeus. Nós vamos sair à noite».
Do meu canto, não entendi imediatamente aquela sensação de estranheza que me assaltou. Sorri apenas com o transbordar de confiança daquele miúdo magro, excessivamente bronzeado pelo sol, às voltas com os primeiros perfumes e penteados.
Decorreu bastante tempo até o episódio assomar de novo na memória. Porém, esse regresso permitiu-me então identificar o verdadeiro sentido daquela expressão.
«Sair à noite» não se resumia ao facto de estarmos na rua, durante a noite. Carregava em si uma panóplia de significados, acções, expectativas, códigos, comportamentos, desejos, medos, desilusões e amadurecimentos.
São inúmeros os que saem durante a noite sem «sair à noite». Outros conseguem «sair à noite» durante o dia.
Aquele miúdo empertigado estava no fundo a confessar que atingira o estatuto de quem «sai à noite», coisa difícil de obter. Não se limitou a dizer «vamos andando» ou «vamos sair» e aquela aparente inutilidade de constatar que iam sair «à noite», tendo em conta as horas, escondia uma outra revelação muito mais importante.
Aquela mãe, por exemplo, nunca «saiu à noite» por mais que tenha estado na rua depois do crepúsculo.