Autor Colombiano: Gabriel Garcia Márquez

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Viveu entre 1927 e 2014. Foi escritor, jornalista, editor, activista e político.

Considerado um dos autores mais importantes do século XX, foi um dos escritores mais admirados e traduzidos no mundo, com mais de 40 milhões de livros vendidos em 36 idiomas.

Foi laureado com o Prémio Internacional Neustadt de Literatura em 1972, e o Nobel de Literatura em 1982, pelo conjunto da obra, que entre outros livros inclui o aclamado Cem Anos de Solidão. Foi o responsável pela criação do «realismo mágico» na literatura latino-americana. Viajou muito pela Europa e viveu até à morte no México.

 

Gabriel Garcia Márquez, também conhecido por Gabo, nasceu a 06 de Março de 1927, na cidade de Aracataca, Colômbia, um entre onze filhos. Logo depois do nascimento, o pai tornou-se farmacêutico. Em Janeiro de 1929, os pais mudam-se para Barranquilha, enquanto Garcia Márquez permanece em Aracataca. Foi criado pelos avós maternos. Quando tinha oito anos, o avô morreu, e ele mudou-se para a casa dos pais em Barranquilha, onde o pai era agora proprietário de uma farmácia.

O avô materno, Nicolas Márquez, veterano da Guerra dos Mil Dias, cujas histórias encantavam o menino, e a avó materna, Tranquilina Iguarán, exerceram forte influência nas histórias do autor. Um exemplo são os personagens de Cem Anos de Solidão.

Gabriel estudou em Barranquilha e no Liceu Nacional de Zipaquirá. Passou a juventude a ouvir contos das Mil e Uma Noites e a sua adolescência foi marcada por livros, em especial A Metamorfose, de Franz Kafka. Ao ler a primeira frase do livro: «Quando certa manhã Gregor Samsa acordou de sonhos intranquilos, encontrou-se na sua cama, metamorfoseado num insecto monstruoso», pensou: «Então eu posso fazer isso com as personagens? Criar situações impossíveis?». Em 1947, muda-se para Bogotá para estudar Direito e Ciências Políticas na Universidade Nacional da Colômbia, mas abandonou antes da graduação. Em 1948, vai para Cartagena das Índias e começa o seu trabalho como jornalista.

Iniciou-se no jornal El Universal. Em 1949, vai para Barranquilha e trabalha como repórter para o jornal El Heraldo. Neste período torna-se integrante de um grupo de escritores para estimular a Literatura. Em 1954, passa a trabalhar no El Espectador como repórter e crítico.

Em 1958, trabalha como correspondente internacional na Europa, regressa a Barranquilha e casa-se com Mercedes Barcha com quem tem dois filhos. Em 1961, vai para Nova Iorque para trabalhar como correspondente internacional, mas as suas críticas aos exilados cubanos e as suas ligações a Fidel Castro fizeram-no ser perseguido pela CIA, e devido a isso acaba por mudar-se para o México.

Os seus livros alcançaram repercussão na Europa nos anos 1960 e 1970. Estes reflectiam sobre os rumos políticos e sociais da América Latina. Teve como primeiro trabalho o romance La Hojarasca, publicado em 1955. Em 1961, publica Ninguém escreve ao coronel. A obra Relato de um náufrago, muitas vezes apontada como o seu primeiro romance, conta a história verídica do naufrágio de Luís Alejandro Velasco e foi publicado primeiramente no El Espectador, tendo somente passado a formato de livro anos depois, sem que o autor soubesse. Este possui obras de ficção e não ficção, tais como Crónica de uma Morte Anunciada e O Amor em Tempos de Cólera. Em 1967, publica Cem Anos de Solidão – livro que narra a história da família Buendía na cidade fictícia de Macondo, desde a sua fundação até a sétima geração – considerado um marco da literatura latino-americana e exemplo único do estilo a partir de então denominado «realismo mágico». As suas novelas e histórias curtas – fusões entre a realidade e a fantasia – valeram-lhe o Nobel de Literatura, em 1982. Em 2002, publicou a sua autobiografia Viver para Contar, logo após ter sido diagnosticado com um cancro linfático. Márquez apontou como seu mestre o escritor William Faulkner.

Em Abril de 2009 declarou que se tinha aposentado e que não pretendia escrever mais livros. Essa notícia foi confirmada em 2012, quando o seu irmão, Jaime Garcia Márquez, anunciou que tinha sido diagnosticada uma demência a Gabriel Garcia Márquez e que, embora estivesse em bom estado físico, havia perdido a memória e não voltaria a escrever.

Morreu a 17 de Abril de 2014 na Cidade do México, vítima de uma pneumonia, pouco depois de completar 87 anos. O autor lutava contra a reincidência de um cancro que lhe atingia os pulmões, gânglios e fígado.


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Esta obra tem a peculiaridade de ser umas das mais lidas e traduzidas em todo o mundo. Durante o IV Congresso Internacional da Língua Espanhola, realizado na Colômbia, em Março de 2007, foi considerada a segunda obra mais importante de toda a literatura hispânica, ficando apenas atrás de Dom Quixote de la Mancha. Utilizando o estilo conhecido como «realismo mágico», cativou milhões de leitores e ainda atrai milhares de fãs.

A primeira edição da obra foi publicada em Buenos Aires, Argentina, em Maio de 1967, pela Editorial Sudamericana, com uma tiragem inicial de 10.000 exemplares. Nos dias de hoje já foram vendidos cerca de 50 milhões de exemplares em 35 idiomas.

Trata-se da história de sete gerações da Família Buendía na cidade de Macondo. O patriarca fundador de Macondo, José Arcádio Buendía, e Úrsula Iguarán, a sua mulher (e prima direita), deixam Riohacha, Colômbia, em busca de melhor vida noutro local. Numa certa noite, no decurso da viagem, estando acampados na margem de um rio, José Arcádio Buendía tem um sonho sobre «Macondo», uma cidade de espelhos que reflecte o mundo de várias formas. Ao acordar, decide fundar a cidade ali mesmo, à beira do rio, mas após dias a divagar pela selva, começa a temer que tudo não passe de uma utopia.

José Arcádio Buendía acredita que Macondo está rodeada por água, pelo que a partir desse sentimento de insularidade constrói o mundo que lhe é oferecido pelas próprias percepções. Logo após a criação, Macondo torna-se palco de um conjunto de eventos extraordinários e inusitados, tendo como protagonistas as diversas gerações da Família Buendía, incapazes ou sem vontade de quebrar o ciclo (muitas vezes masoquista) de infelicidade. Por fim, é um furação que destrói a cidade dos espelhos. Na conclusão do enredo, um membro da família consegue decifrar um conjunto de inscrições nunca compreendidas pelos elementos anteriores. Na mensagem revelam-se todos os eventos ocorridos nas diversas gerações.

Primeira Geração

 

José Arcádio Buendía

Patriarca da família Buendía e fundador da cidade de Macondo, casou-se com a sua prima Úrsula Iguarán, aos 19 anos. Homem empreendedor, de carácter forte, alimentado por sonhos extravagantes, interessava-se por física, alquimia e mecânica. O cigano Melquíades colocava-o a par das novidades que descobria ao longo das suas viagens pelo mundo. Após ter enlouquecido, foi amarrado a uma árvore na qual permaneceu preso, mesmo após ter sido libertado das cordas que o amarravam.

 

Úrsula Iguarán

Matriarca da família Iguarán-Buendía, prima e esposa de José Arcádio Buendía. Úrsula é uma mulher que batalha pela sua família sem medir esforços, possui um comportamento forte e procura constantemente o melhor para todos; por isso sofre ao ser a «voz da razão numa família de loucos», como ela própria afirma. É uma personagem marcante do livro, estando presente em todas as fases. Vive entre 115 e 122 anos.

Segunda Geração

 

José Arcádio

Filho mais velho de José Arcádio Buendía e Úrsula, é baptizado com o nome do pai. Mantém relações com Pilar Ternera, a quem abandona grávida. Foge com os ciganos devido à paixão repentina por uma cigana e só volta muito tempo depois. Quando reaparece, é um homem forte, com tatuagens, fala a língua dos marinheiros e gaba-se de ter navegado os quatro cantos do mundo. Casa-se com a sua irmã de criação, Rebeca. Morre assassinado com um tiro.

 

Coronel Aureliano Buendía

Segundo filho de José Arcádio Buendía e Úrsula – é baptizado com o nome do Avô – Pai de José Arcádio. Envolve-se com a política ao tentar impedir o Sr. Apolinar Moscote de pintar todas as casas de azul a mando do governo. Conhece Remédios Moscote e apaixona-se. Casam-se, apesar da grande diferença de idade. Mais tarde, torna-se no Coronel Aureliano Buendía, ao participar na guerra ao lado dos liberais. Morre sozinho em casa, muitos anos depois, fazendo peixinhos de ouro.

 

Amaranta

Terceira filha de José Arcádio Buendía e Úrsula. Apaixona-se por Pietro Crespi, tal como a sua irmã de criação, Rebeca. Esta prepara o casamento, enquanto Amaranta tenta interrompê-lo. Rebeca desmancha o noivado e casa-se com o seu irmão de criação, José Arcádio. Pietro Crespi apaixona-se por Amaranta, que mesmo apaixonada, não lhe dá esperanças. Tem uma relação amorosa com Aureliano José, seu sobrinho (filho de Aureliano Buendía com Pilar Ternera). Por fim, mantém uma amizade com o Coronel Gerineldo Márquez, mas despreza-o. Morre virgem e com uma ligadura na mão que carrega por boa parte da vida, fruto de uma queimadura feita em penitência, após o suicídio de Pietro Crespi.

Terceira Geração

 

Arcádio

Filho de José Arcádio com Pilar Ternera. Morre a tentar fazer uma revolução liberal em Macondo. Tem três filhos com Santa Sofia de La Piedad: Remédios «A Bela» e os Gémeos Aureliano Segundo e José Arcádio Segundo.

 

Aureliano José

Filho de Aureliano com Pilar Ternera, é morto com um tiro nas costas ao sair a correr de uma peça teatral, depois de desacatar um coronel em plena guerra.

 

17 Aurelianos

Durante as suas 32 guerras civis, o coronel Aureliano Buendía tem 17 filhos com 17 mulheres diferentes, sendo que com cada uma passou apenas uma noite. A certa altura, a casa dos Buendía é visitada pelas 17 mulheres, que solicitam a Úrsula o baptismo dos filhos, o que ela faz, dando a todos o nome de Aureliano.

São todos assassinados por supostos inimigos do Coronel Aureliano, sendo os 17 identificados por uma cruz de cinzas na testa, que nunca borram ou apagam.

Quarta Geração

 

Remédios, «A Bela»

Filha de Arcádio, a mulher mais bonita que existiu no mundo, mesmo podendo ter qualquer homem para si, não se envolveu com nenhum dos que a seguiam ou que morreram por ela. É alguém que cresceu sem malícias ou pensamentos complexos. Queria apenas viver, comer, dormir. Não entendia por que razão as pessoas complicavam a vida. Achava natural andar nua e ria na cara dos homens que a pediam em casamento. Um dia, ascendeu aos céus.

 

José Arcádio Segundo

José Arcádio Segundo é irmão gémeo de Aureliano Segundo, filho de Arcádio e Santa Sofia de la Piedad. Úrsula crê que ambos foram trocados na infância, pois José Arcádio possui as características dos Aurelianos. Herdeiro do espírito anarquista do Coronel Aureliano Buendía, José Arcádio lidera uma greve geral dos trabalhadores da companhia bananeira. Nesse processo, os participantes são executados numa estação de comboios. Porém, José Arcádio sobrevive. Os fantasmas desse dia atormentam-no até à sua morte repentina. Influencia Aureliano Babilónia, com a história do extermínio, a tentar desvendar os pergaminhos de Melquíades.

 

Aureliano Segundo

Um esbanjador que promovia banquetes que duravam dias, tendo sido desafiado uma certa vez por uma mulher para ver quem aguentava comer mais, tamanha era a sua fama de glutão e festeiro. Era receptivo, mesmo para os forasteiros. Noutra altura, mandou cobrir as paredes da casa da família com notas. Apesar de casado com Fernanda del Carpio, embrenha-se num amor intenso com a amante Petra Cotes, que ele julgava ser a responsável pela fertilidade dos seus animais. A sua morte repentina dá-se em simultâneo com a do irmão gémeo, José Arcádio Segundo. No funeral, os corpos são trocados e um é enterrado na cova do outro.

Quinta Geração

 

Amaranta Úrsula

Filha de Aureliano Segundo e Fernanda del Carpio. Estudará em Bruxelas, onde se casará com um homem de posses chamado Gastón. Anos depois, volta a Macondo e apaixona-se por Aureliano Babilónia, sem saber que é seu sobrinho, e têm um filho, o último dos Buendía. Morre no parto de uma hemorragia.

 

Renata Remédios

Filha de Aureliano Segundo e Fernanda, estuda para agradar à mãe, que tem sonhos aristocráticos. Ao voltar para Macondo relaciona-se com Maurício Babilónia, um caso não aprovado pela mãe, que gerará Aureliano Babilónia. Fernanda manda-a para um convento, onde morre sem voltar a dar notícias.

 

José Arcádio

Vai estudar para ser padre, em Roma. Quando volta para ver a mãe Fernanda, encontra-a morta na cama à sua espera. Permanece em Macondo e transforma a casa num paraíso decadente. Dá festas nos aposentos, com jovens que tenta ajudar. Numa delas, irrita-se e expulsa-os à chicotada. Tempos mais tarde, estes afogam-no na caixa-d’água para roubar o ouro escondido desde os tempos da guerra, que só eles sabiam onde estava.

Sexta Geração

 

Aureliano Babilónia

Filho bastardo de Renata Remédios e Maurício Babilónia, é confinado a viver sem sair de casa, pois Fernanda não podia aceitar a existência de um filho bastardo na sua linhagem. É levado a casa por uma freira, vindo do convento onde Renata estava. Fernanda consegue convencer todos que ele foi deixado à porta numa cesta. Muitos anos depois, Aureliano tem um caso com a sua tia, Amaranta Úrsula. É ele quem traduzirá os pergaminhos de Melquíades e será o pai do último Buendía, «porque as estirpes condenadas a cem anos de solidão não teriam uma segunda oportunidade sobre a terra».

Sétima Geração

 

Aureliano

Último da linhagem dos Buendía, filho de Amaranta Úrsula e Aureliano Babilónia. Nasce com rabo de porco, concretizando-se assim a maldição de que duas pessoas da mesma família não poderiam ter filhos, pois estes nasceriam com alguma aberração. É devorado pelas formigas no fim do livro, como previsto nas profecias de Melquíades.

Personagens externos à família

 

Melquíades

Melquíades é um dos ciganos que visita Macondo, trazendo inventos e mercadorias de diversos lugares do mundo. Escreve os pergaminhos que prevêem a história da família Buendía, traduzidos por Aureliano Babilónia.

 

Pilar Ternera

Pilar é uma mulher alegre e decidida que habita Macondo. Transforma-se na concubina dos irmãos Aureliano e José Arcádio Buendía, acabando por ter um filho de cada um (Aureliano José e Arcádio). Pilar lê e prevê o futuro nas cartas e torna-se a dona de uma casa de prostituição.

 

Rebeca

Filha adoptiva de Úrsula e José Arcádio. Chega a Macondo procedente de uma cidade vizinha, tendo perdido pai e mãe, conhecidos de José Arcádio Buendía e Úrsula Iguarán, embora estes não se lembrem. Tal é afirmado na misteriosa carta que Rebeca trazia consigo na chegada a Macondo. Trouxe também da aldeia o estranho hábito de comer terra quando se sente aflita e desesperada. Torna-se namorada de Pietro Crespi, professor de boas maneiras, mas entretanto entrega-se à paixão por José Arcádio, seu irmão de criação, e do qual se torna esposa.

 

Pietro Crespi

É disputado por Rebeca e Amaranta. Inicia um namoro com Rebeca, mas esta troca-o pelo irmão de criação, José Arcádio. Em seguida, Amaranta declara o seu amor por Pietro, mas recusa-se a casar como vingança por ele ter preferido Rebeca. Devido a isto, Pietro suicida-se.

 

Maurício Babilónia

Maurício é um aprendiz de mecânico da companhia bananeira. Aparentemente é descendente dos ciganos e possui como peculiaridade o facto de ser seguido constantemente por borboletas amarelas. Maurício namora Renata Remédios, porém Fernanda descobre o romance e trata de colocar um fim na relação. Maurício continua a visitar a amada, mas um guarda solicitado por Fernanda dá-lhe um tiro, confundindo-o com um ladrão de galinhas, e fazendo com que passe o resto da sua vida inválido. Renata, que estava grávida de Maurício, dá à luz Aureliano Babilónia.

 

Fernanda del Carpio

Nasceu numa cidade distante de Macondo, filha de uma família nobre, mas empobrecida. Na infância e adolescência dedicou-se aos estudos num convento, onde foi preparada para ser rainha. Casa-se com Aureliano Segundo, embora este continue a viver com a amante. A sua chegada à casa dos Buendía marca o princípio da decadência em Macondo. É muito perfeccionista e neurótica, sendo uma religiosa quase fanática. Vangloria-se de fazer as necessidades num penico de ouro, que afinal, só tinha ouro no brasão. Ao descobrir o romance da sua filha com Maurício, faz com que este seja baleado por uma autoridade, o que o torna inválido e para sempre temido como ladrão de galinhas. Nos seus últimos dias, vive sozinha em casa com Aureliano Babilónia, um neto nunca assumido. Morre quatro meses antes da chegada de Roma do filho José Arcádio.

 

Santa Sofia de la Piedad

Casa com Arcádio, filho de Pilar Ternera e José Arcádio. Dá à luz Remédios, «A Bela» e os gémeos José Arcádio Segundo e Aureliano Segundo. Personagem que segue a família Buendía, porém sem grandes feitos, sendo inclusive considerada como uma serviçal pela nora Fernanda del Carpio. Parte para morrer na sua cidade após a morte dos três filhos.


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Temas

 

Um tema dominante é a inevitável e incontornável repetição da história, em Macondo.

Os protagonistas são controlados pelo passado e pela complexidade do tempo. Ao longo do romance, muitos deles são visitadas por fantasmas, símbolos do passado e da atmosfera assombrada que paira sobre Macondo. Os espectros e a evidente repetição que evocam é algo particularmente vincado na história da América Latina. A transfiguração ideológica assegura que Macondo e os Buendía nunca deixam, até certo ponto, de ser fantasmas alienados e desconectados da sua própria história, não só vítimas de uma dura realidade de dependência e subdesenvolvimento, mas também das ilusões ideológicas que assombram e reforçam essa realidade.

O futuro de Macondo está amaldiçoado e pré-determinado desde o primeiro instante. O Fatalismo é uma metáfora para o papel essencial que as ideologias têm desempenhado na manutenção de uma dependência histórica, ao encerrar a história da América Latina numa interpretação única, cujos padrões negam a possibilidade de alternativas. O enredo aparenta validar esse fatalismo, de modo a ilustrar o sentimento de aprisionamento que a teatralização de uma ideologia pode criar.

García Márquez utiliza as cores enquanto símbolos. Amarelos e dourados são as mais frequentes, como símbolo do Imperialismo e do El Dourado Espanhol. O ouro é visto como a busca pela riqueza material, enquanto o amarelo representa a morte, a mudança e a destruição.

A cidade de vidro é uma imagem que surge num sonho de José Arcádio Buendía. É isso que justifica o local da fundação de Macondo, mas é igualmente um símbolo do destino azarado da urbe. Alguns analistas consideram: «Nas páginas finais, contudo, a cidade de espelhos é agora uma cidade de miragens. Macondo representa por isso o sonho de um admirável mundo novo corporizado pela América, mas tornado utópico pela história que se seguiu». Imagens como a cidade de vidro ou a fábrica de gelo ilustram o modo como a América Latina está presa a um certo destino, e por isso condenada à destruição.

Em resumo, podemos encontrar um padrão na história da América Latina, ilustrado no romance. Considera-se inclusive que este é um dos vários textos que a cultura latino-americana produziu na tentativa de se compreender a si mesma. Nesta perspectiva, podemos entender o enredo como sendo um arquivo linear. Este arquivo narra a história da América Latina, descoberta pelos exploradores europeus, cuja identidade histórica foi sustentada pela imprensa escrita. Este Arquivo é um símbolo da literatura enquanto criação e elemento descodificador da América Latina. Melquíades, o guardião do arquivo histórico no romance, representa em simultâneo o místico e o literário. Por fim, o mundo de Cem Anos de Solidão é um espaço onde crenças e metáforas se transformam em factos e onde as certezas básicas deixam de o ser.

 

A subjectividade da realidade e do Realismo Mágico

 

Os críticos citam frequentemente a obra de Garcia Márquez como um exemplo de Realismo Mágico, um estilo de escrita no qual o sobrenatural é visto como comum e o mundano como sobrenatural ou extraordinário.

O romance apresenta uma história fictícia num cenário fictício. Os eventos e as personagens fantásticas nele existentes são inventadas. Contudo, a mensagem que o autor pretende passar aborda factos reais. Garcia Márquez utiliza o fantástico enquanto meio para expressar a realidade. O mito e a realidade histórica são uma e a mesma coisa. O primeiro é o veículo utilizado para transmitir ao leitor os factos históricos. O romance pode ainda ser considerado antropológico, já que a verdade pode ser descoberta através da linguagem e do mito. Os elementos mitológicos presentes no romance são três: histórias tradicionais que aludem à fundação e origens, personagens que se assemelham a heróis mitológicos e elementos do sobrenatural. O Realismo Mágico é algo de inerente no romance – através da constante intersecção entre vulgar e fantástico. Existe claramente algo de mágico na realidade de Macondo. Mais do que um local geográfico, é um estado de espírito, já que acabamos por saber muito pouco acerca da real geografia e arquitectura locais. Uma vez ali mergulhado, o leitor terá de estar preparado para se deparar com qualquer coisa que saia da imaginação do autor.

Garcia Márquez chega a esta técnica através do estilo narrativo. Ao manter essa constância ao longo do romance, faz com que o fantástico se dilua no mundano. Esta técnica faz com que o extraordinário o pareça menos do que realmente é, algo reforçado pelo tom desassombrado que o autor mantém ao longo da narrativa. Isto faz com que o leitor se abstenha de questionar a veracidade dos factos ao longo do romance, forçando-o pelo contrário a questionar os limites do real. Por fim, a existência de um narrador único faz com que este se torne familiar, reforçando assim a «normalidade» da história.

A fluidez do tempo

 

Existem no romance várias ideias relacionadas com o tempo. Apesar da história poder ser lida de forma linear, quer na abordagem das diversas narrativas privadas, quer na abordagem geral a Macondo, Garcia Márquez abre espaço para diferentes interpretações:

 – Reitera a metáfora da História enquanto fenómeno circular, através da repetição de nomes e características nas diversas gerações da família Buendía. Ao longo de sete gerações, todos os «José Arcádios» possuem temperamentos racionais e inquisitivos, e uma enorme força física. Os «Aurelianos», por outro lado, preferem a insularidade e a quietude. Esta redundância ilustra a história de cada personagem e em traços gerais, a história da cidade enquanto repetição infinita dos mesmos erros, devido a uma suposta falha na natureza humana.

 – Explora também a questão da eternidade ou da ausência do tempo, ainda que dentro dos parâmetros da existência humana. Um dos principais símbolos desta questão é o laboratório de alquimia existente na casa da família Buendía. Este foi concebido por Melquíades logo no início da história, permanecendo praticamente inalterado ao longo do tempo. É um espaço onde as personagens masculinas da família podem alimentar o desejo de solidão, seja através de tentativas para explicar o mundo racionalmente, no caso de José Arcádio Buendía, ou através da sucessiva criação e destruição de peixinhos dourados, no caso do seu filho Coronel Aureliano Buendía. Para além disso, nota-se uma sensação de inevitabilidade ao longo de todo o texto, independentemente do modo como se olha para o tempo, sendo a sua verdadeira e única natureza, a sua progressão imparável.

 – É no entanto de salientar que o romance, apesar de fundamentalmente cronológico e «linear», exibe igualmente muitas flutuações temporais, quer rumo ao passado quer rumo ao futuro. Um exemplo é a relação juvenil de Renata e Maurício Babilónia, já em pleno andamento antes mesmo de nos ser dada a conhecer a sua origem.

Incesto

 

Um tema recorrente é a propensão da família Buendía para o incesto. O patriarca, José Arcádio Buendía, é o primeiro de diversos membros a casar dentro da família, ao unir-se à prima direita, Úrsula. É importante referir que este ato incestuoso pode ser visto como o «pecado original», apesar de estar longe de ser o último. Para além disso, o facto de ao longo do romance a família ser assombrada pelo terror de ser castigada com o nascimento de uma «criança monstruosa com rabo de porco» pode sem dúvida ser atribuído aos frequentes actos de incesto no seio dos Buendía.

Solidão

 

Sem dúvida o tema dominante do livro. Macondo foi fundada no coração das remotas selvas tropicais da Colômbia. A solidão da cidade representa o histórico período colonial da América Latina, no qual os postos avançados e as aldeias coloniais estavam, por diversas razões, isolados entre si. Isolados do resto do mundo, os Buendía transformam-se progressivamente em seres solitários e egoístas. Com cada membro da família embrenhado numa existência individual, esta torna-se um símbolo da aristocracia, da elite latifundiária que acabou por se tornar dominante no continente. Este egocentrismo é visível sobretudo em Aureliano, que vive num mundo à parte, e em Remédios, que destrói a vida de quatro homens enamorados pela sua beleza. Ao longo do romance, torna-se aparente que nenhum dos personagens é capaz de encontrar o verdadeiro amor ou escapar ao lado negro do ego.

O egoísmo dos Buendía é quebrado por um regenerado Aureliano Segundo e Petra Cotes, que descobrem um sentimento de solidariedade mútua, bem como a alegria de ajudar os outros durante a crise económica que assola Macondo. Acabam mesmo por encontrar o amor um no outro, e tal padrão é depois repetido por Aureliano Babilónia e Amaranta Úrsula. Mais tarde, Aureliano e Amaranta têm um filho e este é visto como um símbolo da regeneração moral da pecaminosa família Buendía. Porém, a criança revela ser o eternamente receado monstro com rabo de porco.

Apesar de tudo, o surgimento do amor representa um ponto de viragem em Macondo, ainda que acabe por levar à sua destruição. A emergência do amor no romance, que desaloja o egoísmo estrutural dos Buendía simboliza o surgimento dos valores socialistas enquanto força política na América Latina, força essa que irá arrasar a família e a ordem por eles representada. O final da obra pode ser visto como uma previsão optimista por parte do autor, um conhecido socialista, em relação ao futuro do continente.

Ao longo do romance, Garcia Márquez parece ter a capacidade de misturar o quotidiano com o miraculoso, o histórico com o fantástico, e o realismo psicológico com laivos de surreal. Trata-se de um romance revolucionário que fornece uma imagem clara dos pensamentos e crenças do autor, cuja intenção foi oferecer uma voz literária à América Latina, um continente que não só não quer, como não demonstra qualquer motivo para ser visto como um peão sem vontade própria. Não se trata de uma utopia pensar que o seu desejo de independência e originalidade pode obter o apoio do mundo Ocidental.

Apesar de se tratar de um romance muito rico, Garcia Márquez consegue definir temas claros, à medida que cria personagens independentes, através de diferentes técnicas narrativas como narradores na terceira pessoa, pontos de vista específicos, e fluxos de consciência. Faz também uso de técnicas cinematográficas, tais como a ideia de montagem e planos aproximados, que acabam por mesclar o cómico e o grotesco com o dramático e o trágico. Para além disso, misturam-se realidades políticas e históricas com o mundo mítico e mágico da América Latina. Por fim, através da comédia humana, são revelados os problemas de uma família, de uma cidade, de um país.

As personagens são vagamente definidas, e nunca saídas de um molde. Em vez disso, desenvolvem-se ao longo da narrativa. São todas individuais, com inúmeras características diferenciadoras. Em suma, é um romance de rica imaginação, ritmo, técnica narrativa, criação de personagem, combinando o político, o histórico, o anedótico e o mundano.

 

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