Sobre a Ausência de Palavras

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© Pedro Teias

É um assunto que recorrentemente me visita.

Todo aquele mundo que não precisa de palavras para se fazer entender. A partir do momento em que passámos a servir-nos da linguagem, nas suas diversas variantes, fomos enchendo o espaço percepcionado com essa tecnologia de ponta, esse modelo primeiro de comunicação.

Contudo, há que relembrar toda a restante dimensão comunicativa. Na verdade, a linguagem é extremamente sobrevalorizada, utilizada como um eucalipto na tentativa de secar tudo em seu redor. A melhor informação está porém contida nos casulos livres de tagarelice.

Mesmo entre humanos, elevadíssima percentagem de comunicação parte do não-verbal, de todo um teatro de posturas, gestos, acções, olhares e silêncios. E depois, existe o espaço entre as coisas. As múltiplas dimensões da Natureza.

Convivi algum tempo com um gato. Estava livre das locuções humanas, ainda que tenha percebido com rapidez que teria de se expressar sonoramente, como melhor sabia, de modo a chamar-me a atenção. A sua comunicação inata, feita de odores, expressões felinas, movimentos subtis e posturas corporais, era raras vezes interpretada. Apesar do esforço mútuo, a coabitação revelou-se difícil.

O que me ficou daquela breve epifania foi contudo irrepetível e inesquecível. Reforcei uma ideia antiga, que sugere a existência de uma enorme dimensão paralela, para além da humana. Apesar da força bruta, demasiadas vezes composta por um poder transformador de carácter aleatório e destrutivo, somos o elo mais fraco da cadeia.

Tudo o que é de facto importante está muito acima da palavra.

Aquele gato sabia disso. E o pombo que me visita todos os dias, na janela, também sabe.

 

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