Gerações

A inevitável tragédia geracional, resumida por Fernando Namora neste excerto de «Sentados na Relva», irá estender-se por todos os séculos que ainda contiverem registos, tal como ecoaria em todas as mentes que precederam a sua feitura.


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«Pertenço a uma geração que, como todas as gerações enquanto jovens, hasteou a bandeira de um aguerrido inconformismo, por vezes impaciente, como lhe cumpria, por vezes sectário, mas sempre generoso. Encontrámos um mundo injusto e creio ser a injustiça, em todas as suas manifestações, o que mais fere a juventude. E em nada modera o fervor de quem sobe à arena da vida o saber-se que a injustiça e a luta contra ela vêm desde os confins dos séculos e decerto prosseguirão enquanto o homem permanecer o palco dos seus contrassensos, pois é da condição humana ser réu e juiz das suas causas. De qualquer modo, na época em que a minha geração se abriu ao mundo, a consciência da injustiça social, nunca aliás esmorecida, como que se reagudizara, talvez por se ter evidenciado, com uma acuidade acrescida e insuportável, que os homens continuavam a ser terrivelmente iludidos nas suas razões para a esperança. Era preciso modificar as coisas e modificá-las depressa; era preciso dizer onde e de que maneira os homens viviam infelizes porque a outros homens parecia indiferente essa desventura. E, então, já que a arte era o nosso veículo de protesto, impunha-se que os romances e os poemas que escrevíamos apaixonadamente fossem a voz desses homens cujo grito não era ouvido, fossem o registo de uma realidade iníqua que urgia denunciar e resgatar. Nessa exaltação, como em todas as salubres exaltações, houve alguma inocência, houve alguma intolerância, houve, enfim, a recusa a tudo o que se mostrasse alheio ou hostil à nossa verdade, pois bem sabemos que as verdades quando surgem, dificilmente aceitam que outras se lhe atravessem no caminho, mas houve também, repito, o pulsar de um coração receptivo às dores do mundo.

É da experiência de vário povos, sobretudo os de raiz latina, que um dos alvos da impetuosa intransigência das juventudes que têm algo de novo a propor e a impor são as instituições, símbolos do que parece acomodado, cediço e estéril. Símbolos do estatismo temeroso de todas as lufadas de ar remoçador».

 

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