De vez em quando, determinadas histórias atravessam o braço por entre o túmulo, ressuscitando do caixão onde haviam sido encerradas.
Por norma, esgotadas as funções iniciais, estas caem misteriosamente nos recantos de um passado que é apenas outro nome para a inexistência.
Contudo, em certos casos, um qualquer interesse obscuro alimenta a vontade arqueológica de peneirar os esqueletos. Com frequência, envolve a palavra lucro.
Um desses exemplos é a estafada história de Roman Polanski e Samantha Geimer.
A versão prevalecente afirma que, na década de 70, o famoso realizador terá atraído com vagas promessas de fama a menor de 13 anos à sua casa de Los Angeles. Nesse local, por entre champanhe e medicamentos, preparou o cenário para uma sessão de sexo sem o consentimento de Samantha. Esta diz que não existiu violência, mas que a sua rejeição terá sido enfraquecida pelos efeitos das drogas e medo do escândalo.
Polanski, sem grande surpresa, limita-se a dizer que tudo o que se passou naquela tarde foi fruto da vontade de ambos.
Existem várias perspectivas. Porque temos uma mãe, sedenta de protagonismo deslocado, que permite que o realizador (já famoso) fotografe a filha para uma revista de moda, exibindo uma nudez parcial. Porque temos um realizador que, paralelamente ao seu génio artístico, exibe facetas comuns com o mais banal dos pedófilos e predadores sexuais. Porque temos uma adolescente deslumbrada pela fama que afirma ter ficado encantada com a pretensa sessão fotográfica que ia ter lugar (já depois do episódio da nudez) não revelando qualquer constrangimento por estar a ser usada por um homem de quarenta anos, se isso a transportasse ao estrelato. Porque temos uma imprensa que sugou este caso (pouco tempo depois da tragédia com Sharon Tate, mulher de Polanski) da forma mais vampiresca possível, levando Samantha a afirmar preciosidades como:
Preferia ser violada outra vez a passar por aquele circo mediático.
E ainda:
Na altura pensei que se fizesse um escândalo não podia prever as consequências e assim, em dez minutos estaria em casa.
Enfim, não estamos a falar de uma palestra aborrecida ou de um puxão de cabelos por parte de colegas da escola, estamos supostamente perante uma adolescente de 13 anos, a ser possuída por um homem de 40, com sexo anal (para não arriscar gravidez, segundo consta) e que durante o processo pondera com toda a calma os prós e contras.
Em 2015, já depois de um estertor em 2009, o caso estrebuchou ainda outra vez. E que delícia para quem lucra com tudo isto.
Curiosamente, não foi o veterano realizador. Foi mais uma vez a imprensa de escândalos e a própria «violada» que, com 50 anos e mãe de três filhas, achou por bem escrever um livro sobre a questão. Surgiu em fotos promocionais de sorriso rasgado.
Recapitulemos: uma mulher que afirma ter sido violada aos 13, que ponderou os prós e contras durante o acto, que confessou preferir repeti-lo a passar pelo mediatismo que se seguiu, reaparece 40 anos depois com um livro que lhe trará sem dúvida novas e intensas doses daquilo que parece repugnar. Para além de zeros na conta bancária.
Ou de como a mente humana é intrinsecamente escura.