Há uns tempos, apanhei umas frases soltas de um antigo colega de aventuras livrescas. Trabalhou comigo uns meses na venda de livros e desde então deixou Portugal em busca de horizontes e sucesso literário.
Não tenho possibilidade de afirmar se encontrou alguma destas coisas, mas quis o acaso que alguns anos depois soubesse dele. Confidenciou-me apressadamente que está à beira de concluir o quarto livro. Sem pudor, acrescentou que os três anteriores, escritos e publicados em Portugal, nunca o deveriam ter sido.
Dito de outra forma, escritos talvez. Publicados, nunca.
Não lhe perguntei as razões que o fizeram chegar a tal conclusão.
Contudo, voltei a pensar nele nos últimos dias, ao passar os olhos por um antigo e inocente projecto literário que andei a anunciar aos quatro ventos há coisa de dez anos. Notam-se algumas boas ideias e as sementes do que hoje são livros um pouco menos maus. Como todas as ingenuidades, quis na época que a mesma fosse partilhada por alguns dos que me rodeavam, que forneceram colaborações e entusiasmos.
Decidiu-se sobre a estrutura, o conceito, o estilo, os temas, a capa. Moeram-se as cabeças de críticos e outros adultos. De editoras e outras publicadoras.
Felizmente, o tempo passou sem que nada ocorresse. Ninguém foi louco ou cínico o suficiente para me colocar os textos no mercado.
Os amigos afastaram-se, desinteressados ou amadurecidos e os textos desmontaram-se, sendo hoje apenas fornecedores de sorrisos, como velhas fotografias de infância.
Não tenho por isso de me arrepender amargamente dos meus impulsos do ego.