Sobre Original

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©Paul Stowe


Deparo-me várias vezes com a questão da originalidade.

Normalmente o tema divide-se em duas partes: até que ponto a ficção que crio se inspira nos outros e até que ponto esta se inspira em mim próprio.

Exemplos de tal dúvida passam pelos cenários, pelas personagens e por vezes até pelo próprio enredo. Perguntam-me se estou a ser autobiográfico, se estou a falar de um «eu» idealizado, se aquela é a minha cidade natal, se aquela outra é a capital onde vivi, se aquela mulher é alguém com quem estive, se enfim, aquele grupo de pessoas não será baseado nos amigos que um dia foram os meus.

Devo admitir que sempre me fez alguma confusão lidar com este tipo de construções mentais. Isto porque, todos os manuais o confirmam, não existe ficção sem base de sustentação. Ou seja, a inspiração não pode nascer do vácuo, estar tão fora do real que nada dele se veja. Até as formas mais encurraladas de poesia terão no seu interior algumas migalhas de algo entendido como realidade.

Toda a ficção tem algo de biográfico e até autobiográfico (no sentido em que nasce a partir da biografia do real) da mesma forma que proliferam hoje géneros e subgéneros de biografias e autobiografias amplamente ficcionadas, algumas tão rebuscadas que acabam expostas como autênticos logros. Portanto, as fronteiras entre o «verídico» e o «ficcionado» são impossíveis de traçar, um não existindo sem o outro.

Isto não quer dizer que quando construo uma história esteja a pensar especificamente em pessoas, eventos ou locais verídicos. As pessoas serão sempre pessoas, as cidades serão sempre cidades, os problemas que nos atormentam não escolhem entre o vizinho do lado ou a figura que tracejamos na mente.

A vida humana é algo que gostamos de descrever como original e individual, cada um de nós se julga extraordinário e «extra-ordinário» no sentido de estar à parte do ordinário, do comum, mas é tudo demasiado igual para que se tornem úteis tantos pudores.

Quando completo o esqueleto físico e psicológico de uma personagem, estarei decerto a escolher características semelhantes às de milhões de pessoas reais. Contudo, não as conheço todas nem nelas pensei para fazer a construção.

O mesmo é válido para os locais e (claro) para os enredos.

Caso não seja óbvio, já está tudo dito, analisado, ocorrido, contado. Existe um limite muito baixo de histórias.

O que tantos de nós fazemos é apenas mentir sem pudor, dizendo-nos originais.

 

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