(…) hoje não se lê, folheia-se; antigamente a ciência era uma pequeno campo que se percorria num instante, levemente, gastando pouco o olhar, sem atenção, com um doce estouvamento, e no fim saía-se letrado, sábio, homem de letras, entendedor, crítico, etc.
Hoje, que tudo é imenso e exagerado, nesta vida moderna, cujo verdadeiro nome é paroxismo, pouco se pode ler. Os livros sucedem-se: poemas, histórias, romances, críticas, ciências, dicionários, tudo nasce, passa, voa, é lido, estudado, esquecido e lançado ao monturo. Para colher uma ideia, para saber um facto, para escolher uma opinião, é necessário ir duns a outros, sem cessar, correndo, ler uma página, relancear a vista por um índice, colher na passagem o título de um capítulo.
Hoje há mais coisas a saber. O mais pequeno sábio não pode ter a sua pequena consciência satisfeita sem ter lido mil livros, aberto crédito a mil sistemas.
Quem sabe onde nos levará este abuso do espírito?
Eça de Queirós, 1867.