The Shining


 

Prefácio

Apenas dois filmes, até hoje, tiveram a capacidade de polvilhar o meu sono com pesadelos. De realmente me fazer hesitar durante o percurso até ao quarto: O Exorcista e The Shining.

Antes de passar ao enredo, ainda duas notas.

 

1 – Livro de Stephen King vs. Filme de Stanley Kubrick

Ao longo dos anos, apesar de cada vez mais diluída, tem sido fértil a polémica mais ou menos irrelevante entre os defensores de cada uma das versões. Os indefectíveis do escritor argumentam que o filme «não é fiel» ao enredo original, tão-pouco às principais características dos protagonistas, a começar pelo próprio Jack Torrance, alter-ego mais ou menos assumido de Stephen King – ambos são alcoólicos em recuperação com tendência para se tornarem maridos e pais abusivos. No livro, sem surpresa, King constrói uma personagem intrinsecamente «boa», apenas adulterada pelo vício, que sem nunca tombar na loucura ou na crueldade sem remissão, termina de certa forma reabilitada com a ajuda do próprio filho (um desejo pessoal do escritor, presume-se).

No filme, também sem surpresa, Kubrick liberta-se de qualquer complacência ou natureza moralista – por não ter razões para tal – moldando narrativa e personagens a seu bel-prazer e sobretudo a bem da película que pretendia criar. Desse modo, Jack Torrance não se deixa apenas seduzir pela loucura, é antes um louco a tentar permanecer são. King desgostou da ideia. Kubrick era ainda um céptico e um cínico no que diz respeito ao sobrenatural, logo assume que todos os aspectos paranormais originam da mente dos personagens e não do Hotel ou da Natureza. King pensava exactamente o contrário – o Sobrenatural existe por si podendo a dada altura influenciar as vidas de personagens equilibrados.

Um último aspecto prende-se com a profundidade psicológica dos intervenientes – King deu-lhes um certo humanismo (por se basearem nele e em conhecidos seus). Como vimos, Jack é «reabilitável», a esposa Wendy é uma lutadora e o filho Danny tem já nele a capacidade do perdão. Com Kubrick, todos são mais arquétipos do que indivíduos. Jack é «Loucura Cruel», Wendy é «Medo Manietante/Confusão Triste» e Danny «Autismo Reservado».

Com King, temos seres humanos negativamente influenciados e atormentados pelo exterior hostil (protótipo da maioria das histórias de terror), com Kubrick temos seres humanos hostis que mediante contexto propício, libertam esse negativismo de diferentes maneiras – com ou sem visões fantasmagóricas.

Com King, os fantasmas estão dentro do Hotel Overlook, com Kubrick os fantasmas estão dentro da mente dos residentes do Hotel – podendo ou não ser colocados por estes no cenário que o Hotel oferece.

Numa cena do filme, Kubrick mostra um Volkswagen carocha vermelho esmagado por um camião, num acidente provocado por uma tempestade de neve. Há quem atribua forte ironia a essa imagem, mas deixamos tais considerações aos interessados nelas.

Oferecemos ainda derradeira sugestão: se lerem o livro, evitem ver o filme, se virem o filme não percam tempo com o livro (muito menos com a versão televisiva que King insistiu em criar e produzir). Sendo duas histórias tão diferentes a partir de uma mesma premissa, o que irão fazer ao conhecer ambas é arruinar ambas.

Escolham a vossa versão e sejam fieis.

 

2 – Teorias Históricas e Sociais

Quem quiser, encontra inúmeros raciocínios sobre teorias ocultas presentes no filme, baseados em infinitas pistas por ele espalhadas. Desde o «Massacre dos Nativos Americanos pelo Colonizador Branco» à «Missão Espacial Apolo 13» há para todos os gostos. Por estarmos a falar de Stanley Kubrick, nem todas elas são dispensáveis ou descabidas. Espreitem este documentário.

Este texto debruça-se menos sobre estes aspectos e mais sobre a narrativa em si – sobretudo o mundo privado da família Torrence.


 

O Filme

A primeira imagem que nos chega é a de um pequeno Volkswagen carocha amarelo a percorrer uma estrada labiríntica (anotem para mais tarde a cor do veículo) que atravessa uma montanha coberta de floresta primeiro, zonas áridas entretanto e neve depois – sugere-se desde logo a ideia de imersão em cenários (mentais ou não) progressivamente mais agrestes. O ângulo de visão é de cima para baixo, como um pássaro, um «deus» ou uma «presença» superior e perseguidor(a), desde logo em vias de atormentar o indefeso veículo.


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Nessa viatura está Jack Torrance, numa viagem de três horas e meia entre uma pequena cidade do Estado do Colorado (onde habita com a família) e o Hotel Overlook, isolado no topo de uma cadeia montanhosa. Este, um ex-professor a debater-se com antigas e persistentes questões de alcoolismo, procura o cenário ideal para realizar o sonho antigo de escrever um livro, pelo que vê com bons olhos a oportunidade de emprego temporário oferecida pela gerência do hotel: ser o zelador durante o Inverno. A função ocupa um período de cinco meses e exige muito pouco para além da sua presença nas instalações e uma vigilância rotineira dos equipamentos (aquecimentos, sistema de comunicações, etc.). Em troca, terá ao dispor uma ala residencial, a presença da família, alimento em abundância, o auxílio das autoridades locais em caso de emergência, mas sobretudo isolamento, silêncio e paz para escrever.

A fazermos fé no que inferimos mais tarde – Jack perdeu o emprego e viu-se obrigado a aceitar trabalhos menores e frustrantes para garantir a sobrevivência da família – esta oportunidade é irrecusável. E verosímil, será?

Nada nos leva a duvidar disso, a não ser que prestemos inusitada atenção ao escritório onde decorre a entrevista. Bom, se queremos ser detalhistas, comecemos pelo Hotel em si: relativamente aprazível (e pequeno) visto do exterior; gigante, opressivo, misterioso, no interior – os arquitectos amadores intuirão desde logo que aquele interior não cabe de forma alguma na casca exterior que nos é mostrada. Sintam-se livres para ver nisto uma alegoria de Jack – pequeno (no sentido de inofensivo) numa primeira análise; intrigante, perturbador e potencialmente perigoso ao explorarmos os corredores da sua mente.

De volta ao escritório. É real ou não? A entrevista ocorre ou não? A família Torrance deslocou-se de facto a tal hotel, ou nem por isso? Mais sobre o caso adiante, por agora reparem apenas que o espaço interior onde decorre a entrevista não pode, arquitetonicamente, admitir uma janela. Mas ela está lá. Como está um auxiliar do gerente, algo parecido com Jack Torrance, que nunca intervém numa conversa demasiado literária e elaborada que carece de verosimilhança, tida num espaço onde a decoração da secretária de Stuart Ullman, o gerente, inclui a miniatura de um machado. Por que razão é isto relevante? Se não o for por mais nada, ao menos porque uma das desvantagens daquele trabalho temporário, informa-nos o simpático Ullman, é uma condição conhecida como «cabin fever» ou «febre da cabana», um transtorno mental comum em pessoas que são colocadas num espaço isolado e confinado durante demasiado tempo. Tal transtorno inclui nervosismo, agitação, claustrofobia, desorientação mental, alucinações e mesmo impulsos paranóicos e violentos. Para quem, como Jack, descrê do fenómeno, há sempre o caso que Stuart faz questão de lembrar: nos anos 70 (uma década antes), um outro zelador de nome Charles Grady, incumbido das mesmas funções, viu-se dominado pela condição, tendo por fim assassinado mulher e filhas com um machado antes de cometer suicídio.

Torrance brinca, dizendo que os funcionários em Denver (cidade do Colorado) que lhe fizeram chegar a proposta foram sensatos em não partilhar tal história, mas que esta não constitui qualquer estorvo. Torrance não receia o isolamento, pelo contrário, e a família «ficará absolutamente fascinada com a lenda urbana, afinal Wendy é uma admiradora inveterada e confessa de histórias de terror». Se consideram que este discurso e argumentação de Jack estão polvilhadas de estranheza, são espectadores atentos.

Por falar nisso, onde estão Wendy e Danny? Adivinharam, num condomínio isolado numa espécie de planalto. O filho confessa à mãe o seu desagrado. Não sabe (quer) explicar porquê, mas aquela partida para o dito hotel parece-lhe má ideia. Quem lho diz é o seu «amigo imaginário» Tony. Não é incomum crianças até aos sete anos terem amigos imaginários, que funcionam como projecções mentais com diferentes objectivos. Menos incomum em crianças que, de forma consciente ou não, sofreram algum tipo de trauma. Não sabemos ainda se Danny é um desses casos, mas talvez seja fácil adivinhar que um contexto de alcoolismo, desemprego e presumida violência verbal (no mínimo) se revele terreno fértil para isso.

Numa casa de banho com azulejos verdes listados de amarelo (anotem para mais tarde estas cores), Danny, ainda em diálogo com «Tony», sofre a primeira grande premonição, ou se preferirem, o primeiro «Shine». Na sua mente surgem imagens de um estranho elevador, cujas portas cerradas não conseguem conter uma torrente de sangue, pronta a afogar os mais incautos. Em alternância, surge-lhe ainda um par de irmãs (muito semelhantes sem de facto serem gémeas), cuja lógica ainda nos escapa – mas que podemos atrever-nos a associar à macabra história de Charles Grady, que inclui duas filhas assassinadas.

Com maior ou menor entusiasmo, a família Torrance parte rumo ao Hotel Overlook.

Será que o pai conseguiu o emprego?

Conseguiu, está agora a ligar-te para dar a novidade.

(Toca o telefone).

Na viagem, algum foco nas expressões de cada personagem insinua desde logo a sua personalidade.

2996Não foi por aqui que a expedição Donner se perdeu? – Wendy, confusa.

Acho que isso foi mais para Oeste. – Jack, aborrecido com as perguntas.

O que é a expedição Donner? – Danny, curioso e sério.

Um grupo de exploradores ficou retido numa tempestade de neve. Tiveram de recorrer ao canibalismo para sobreviver. – Jack, ligeiramente sarcástico.

Quer dizer que se comeram uns aos outros? – Danny, impressionado.

Exacto. – Jack, satisfeito.

Jack! – Wendy, preocupada e impressionada.

Não te preocupes mãe, sei tudo sobre canibalismo, vi na televisão. – Danny, tranquilizador e ainda mais entusiasmado.

Estás a ver? Não faz mal. O miúdo já viu tudo na televisão. – Jack, com um sorriso desconcertante.

Chegados, as primeiras apresentações. Apesar do cenário (ainda) aprazível, Ullman regressa ao baú de lendas urbanas para informar que o hotel foi construído nos terrenos de um antigo cemitério índio, nos idos de 1907.

Entretanto, Danny, que «descobriu uma sala de jogos», experimenta uma segunda visão, reencontrando agora «em pessoa» o par de irmãs de vestido azul claro. Nada dizem, mas parecem agradadas com a presença dos recém-chegados.

Questões: Terá Jack contado à família a lenda urbana acerca das irmãs assassinadas? Terá Danny, adepto de programas televisivos sensacionalistas, visto algum onde se recordava tal história? Se a resposta a alguma delas for sim, corrobora a ideia de Kubrick – os espectros estão dentro da mente dos humanos, podendo de lá sair ocasionalmente. Se a resposta for não, então King sai vencedor e Danny de facto vive uma experiência paranormal (porque os fantasmas estão no Hotel).

Eis o chefe de cozinha Dick Halloran para uma visita guiada, por entre a azáfama do conjunto de funcionários que pretende partir para férias o mais rápido possível. Entre eles, um par de mulheres loiras que Jack observa com interesse erótico (anotem isto para o futuro).

O simpático cozinheiro/guia afro-americano apresenta a Wendy e Danny os meandros da cozinha.

Podem comer aqui durante um ano inteiro sem repetir o mesmo menu duas vezes.

É tudo tão grande, para me orientar preciso de deixar um trilho de migalhas.

A partir das 17h de hoje, é como se nunca tivesse estado aqui ninguém.

Não me diga…tal como um navio fantasma?

Estas frases não surgem na conversa por acaso, ficando o convite para retirarem delas o oculto significado.

Halloran, aliás, é cheio de segredos. Sabe que a alcunha de Danny é «Doc» ainda que ninguém lhe tenha dito. Convida Danny «Doc» para um gelado apenas com o poder da mente. Entende-se com ele de um modo que os restantes não conseguem.

Porquê?


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Bem, porque – ficamos a saber – partilha com ele a capacidade de «Shine». Ou seja, de visualizar na mente imagens do passado, do futuro, receber premonições e conversar telepaticamente com outras pessoas que partilhem o mesmo dom.

Danny confessa-lhe então a existência de «Tony» e pergunta-lhe sobre o quarto 237. Halloran sabe muito sobre o quarto 237 e estão ambos – tal como nós – conscientes disso, mas claro que não se passa nada no quarto 237. Contudo, embora nada lá se passe, o melhor é ficar dele afastado, caso enfim, algo decida lá passar-se.

É que – explica Halloran – o Hotel, as suas paredes e recantos, foram testemunhas ao longo das décadas de tudo o que ali ocorreu. E naturalmente, nem tudo o que ali ocorreu foi positivo. Ullman já nos tinha alertado.

A família instala-se. Jack escolhe o salão principal enquanto local de trabalho, fazendo ecoar as teclas da máquina de escrever ao longo das arcadas e corredores. Nos intervalos – muitas vezes mais longos que os períodos criativos – atira uma bola de ténis amarela contra uma gigantesca tapeçaria índia que ocupa uma das paredes.

Wendy divaga pelas áreas menos soturnas – se existem – ou resguarda-se na ala que serve de apartamento, algo semelhante ao que habitam no condomínio. Danny percorre os corredores no seu pequeno triciclo – som, silêncio, som, silêncio – numa dicotomia assombrada.

Há espaço fértil para simbolismos. Quando vemos pela primeira vez Jack a dormir, julgamos estar a observá-lo directamente antes de concluirmos que estamos perante o seu reflexo no espelho. Torrance que por sinal acorda às 11h30, num sinal evidente de desmotivação – ou será consequência de ocultas tarefas nocturnas?

A simbologia dos espelhos atravessa com abundância toda a narrativa, porque quem diz espelhos diz reflexos, logo diz dualidade e disso há inúmeros sinais: o silencioso assistente de Ullman fisicamente parecido com Jack; o binómio «Danny-Tony» – será o nome completo da criança Daniel (Danny) Anthony (Tony) Torrance? A ideia de «amigo imaginário» como dupla personalidade; o par de irmãs; o elevador de duas portas.

Contudo, se queremos falar de simbologia, há poucas alegorias mais evidentes e importantes do que o labirinto. O que existe fora do Hotel (onde Wendy e Danny passeiam e por momentos se perdem), a réplica que existe dentro do Hotel, para a qual Jack olha com interesse e claro, o labirinto mental de todos eles.

Assim decorre o primeiro mês. Quanto menos sucesso Jack encontra na escrita, mais agitado e enervado se torna. Danny prossegue os passeios de triciclo ao longo de corredores forrados por uma carpete com padrões estranhamente semelhantes aos de um labirinto. Pela primeira vez (julgamos) depara-se com o quarto 237. Não resiste a tocar na maçaneta da porta fechada, gesto que de imediato potencia o «regresso» das irmãs.

Wendy procura entreter-se, sendo no fundo ela a verdadeira zeladora do espaço – é esta que de facto verifica o estado das caldeiras ou das comunicações via rádio, deixando Jack entregue ao seu furioso martelar. Quando numa certa tarde se aproxima dele para lhe comunicar que as linhas telefónicas estão em baixo, à conta da vindoura tempestade de neve, procurando ao mesmo tempo animá-lo com gestos de interesse e carinho, provoca em Jack uma reacção intempestiva. Pode mesmo dizer-se que a única semelhança de Torrance com um génio criativo é essa: a sua irascibilidade.

Este momento é fulcral, pois representa um ponto de viragem na narrativa. Sabemos desde o início que Jack é excêntrico, impaciente com a família, insolente com o mundo exterior de uma forma geral. Agora, esses bruscos golpes de vento começam a ganhar a força de um temporal. Não só representam um primeiro sinal de extrema agressão verbal para com a mulher, como deixam adivinhar episódios semelhantes ou piores no passado da família Torrance.

Após a tradicional cena «O génio está a trabalhar, não o incomodes ou existirão consequências», o caminho para a verdadeira tormenta está livre. Mais tarde se perceberão as verdadeiras implicações deste comportamento e o que o mesmo procura ocultar, desde cedo.

hqdefaultO nevão chega em força. Wendy comunica uma última vez através do rádio com as autoridades mais próximas. Jack observa a janela. Halloran, o afável cozinheiro, aprecia o bom tempo da Flórida, onde decidiu passar as férias.

A família Torrance pode estar descrente ou inconsciente da «febre da cabana», mas esta pelo contrário, está bem consciente da família Torrance.

Danny, em mais uma ronda de triciclo, engana-se (talvez) na curva e desemboca numa ala sem saída. No fundo desse corredor, as irmãs.

Olá Danny. Vem brincar connosco. Vem ficar connosco para todo o sempre.

Para os que duvidavam que estas são as filhas de Charles Grady, por ele assassinadas, o que se segue é esclarecedor.

Danny tem medo, mas um medo que não inclui gritos, histerismos ou fugas desenfreadas. Apenas um ansioso: «Tony, estou assustado».

Não te preocupes. São apenas imagens, não é real. São apenas figuras num livro.

O espectador pode atribuir a esta frase a importância que quiser, mas como falamos de Kubrick, e tendo em conta a história aqui construída, eu atribuiria muita.

Para quem resiste a fazer a correlação, nada como presenciarmos logo em seguida uma cena mais perturbadora do que terna entre pai e filho, como quem diz, Jack e Danny.

A dinâmica entre os dois é algo semelhante à que vimos dentro do carro, na viagem até ao Hotel. Danny a obedecer timidamente aos pedidos do pai, ordens disfarçadas com falsa placidez. Danny com perguntas insistentes, embora receosas. Jack com a eterna impaciência abafada, agora mesclada com uma certa dose de perturbação. Parece suficiente para provar a disfuncionalidade dos Torrance.

Pai, nunca serias capaz de nos magoar, a mim e à mãe, pois não? (aqui se prova em definitivo que tal aconteceu no passado).

Danny, gostas de viver aqui?

Sim, pai (não, pai).

Quero que fiquemos aqui para todo o sempre. – Diz Jack. As irmãs, digo. Jack, digo.

Questões: Lembram-se da cor do Volkswagen carocha? Lembram-se do percurso até ao Hotel Overlook? Lembram-se da cor da bola de ténis? Lembram-se do labirinto? Lembram-se do padrão da carpete que forra os corredores percorridos por Danny, no triciclo? Lembram-se do quarto 237?

Pois tudo isso é essencial para que entendam o que se segue.

Danny brinca sozinho à porta do quarto 237, utilizando o padrão da carpete como estrada para um carrinho amarelo que sofre um acidente com um veículo longo (esta fica para depois). Entretanto, a partir de um ponto oculto (o espectador assume que ninguém lá se encontra sem disso ter provas), surge uma bola de ténis amarela, que se detém junto de Danny. Em simultâneo, abre-se a porta do quarto 237.

8280412364_a91136e3f4_oA escolha é simples: se queremos abordar uma história de fantasmas, sucedeu uma coisa. Se queremos abordar um drama familiar complexo, sucedeu outra.

Numa linha temporal difusa, Wendy ouve os gritos de Jack em plano de fundo. De imediato o procura, alarmada, encontrando-o tombado num sono doentio, à secretária. Ao acordá-lo, este demora algum tempo até situar-se no espaço e no tempo, acabando por confessar-lhe que experimentou um pesadelo «horrível» no qual matava a mulher e o filho com um machado.

Sem tempo para aprofundar o assunto, Wendy repara na presença do filho do outro lado do corredor, chegado da ala habitacional (e presume-se, dos corredores onde se situa o quarto 237).

Ao contrário do habitual, Danny não lhe obedece, indo para o quarto. Não só não obedece, como se aproxima cada vez mais. Enervada com isso de início, logo redobra as preocupações, pois é claro que a criança acaba de passar por algo traumático. Vem com o polegar na boca, – claro sinal de trauma que potencia a regressão à primeira infância – de roupa rasgada e marcas no pescoço.

Perante isto, Wendy de imediato assume que Jack foi o autor das agressões. Recolhe-o e fogem para o quarto.

A pergunta é obrigatória: que razões, num contexto familiar normal, teria Wendy para culpabilizar sem hesitação o marido? Apenas por serem os únicos habitantes do Hotel? Ou porque episódios destes já aconteceram antes?

Frustrado, Jack abandona-os, divagando por sua vez pelos corredores. Desagua no entanto noutra zona, menos frequentada, conhecida como Sala Dourada – um amplo espaço para festas, agora deserto. Senta-se ao balcão, desprovido de bebidas ou barista.

Era capaz de vender a minha alma por uma bebida. – Desabafa o nosso alcoólico em recuperação.

Seja feita a sua vontade.


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Que surjam as bebidas e o barista, um tipo afável de nome Lloyd. Todos os baristas são afáveis, especialmente quando não existem. Todos os baristas são uma espécie de terapeutas amadores, feitos para nos ouvirem lamuriar sobre a família, em especial sobre uma mulher ingrata que não nos deixa esquecer aquela vez em que – apesar de muito gostarmos dele – o querido Danny nos enervou ao ponto de não medirmos a força quando o puxámos por um braço. Os baristas existem para isto e para nos servirem whisky de alta qualidade, mesmo quando não temos notas na carteira, «o seu crédito aqui é excelente, muito obrigado».

Afinal, cada um recorre aos fantasmas mais convenientes. No caso de Jack é um barista chamado Lloyd, no caso de Wendy e Danny é uma mulher anónima no quarto 237, a verdadeira autora da agressão. Esta avisa o marido, já de taco de basebol em punho.

Questão: lembram-se do par de mulheres loiras que Jack observou com interesse à chegada? Lembram-se das cores da casa de banho no apartamento da família Torrance? Enfim, por esta altura já sabem como isto funciona.

Jack entra no famoso quarto, cuja decoração lança algumas pistas. Em especial, na casa de banho contígua, forrada a azulejos verdes listados de amarelo. Na banheira, uma atraente mulher loira. Sem uma palavra – como é comum em fantasias – esta ergue-se do banho, aproxima a nudez erótica e envolve o visitante num beijo gratuito. A não ser que nos foquemos – claro está – no espelho. Porque um homem como Jack, casado com uma mulher como Wendy, não atravessa a vida sem fazer o que não deve. Muito menos quando bebe. Muito menos quando talvez se esqueça, à conta desse alcoolismo, de certas coisas que faz, ou pelo menos tenha muita dificuldade em evitar fazer essas coisas. É para isso que servem os espelhos da consciência.

Neles, Torrance observa a fealdade do acto. E talvez a antiguidade do mesmo. A mulher ainda é uma mulher e ainda está nua, mas está longe de ser atraente, ou sequer incólume. Pecados que nos perseguem, eis tudo.

Neste ponto, é essencial sugerir que esta história é sobre muitas coisas, mas talvez seja sobretudo sobre Solidão. Não temos uma personagem que disso esteja livre.

Jack, Wendy, Danny e mesmo Halloran, o cozinheiro, confessam essa prisão em diferentes momentos, de diferentes modos. Notem como este último ocupa a noite: deitado, sozinho numa cama, absorto na televisão. Nas paredes atrás e diante de si, dois quadros, ambos de mulheres africanas nuas (ver atrás a referência sobre dualidade).

E o que acontece? Halloran passa por um momento de «Shine». Presume-se que nele pressinta o que pode acontecer no Hotel Overlook se ninguém fizer algo. Mas presume-se acima de tudo que os momentos de «Shine» são respostas à Solidão. Temos de a preencher com algo, nem que seja com espectros.

Enceta os primeiros esforços para contactar o Hotel, ou pelo menos dele saber notícias. Abre vias de comunicação com as autoridades, mas é improvável por esta altura que alguém escute os tíbios apelos da sala de rádio.

Jack regressa à ala habitacional. A porta está trancada, Wendy ainda segura o bastão, Danny (em princípio) adormecido. Obviamente, o marido «não viu ninguém», ou seja, não vai admitir o que viu/fez. Então como se explica o que aconteceu à criança? Se Jack não fez nada e se não há ocupantes anónimos no Hotel, só há uma resposta:

Fez aquilo a si próprio.

Esta conclusão é relevante não tanto neste episódio concreto, mas para resumir todo o filme. Ou seja, para tudo o que atormenta as personagens – tudo é originado por eles. Passado e Presente. Jack, Wendy e Danny criam as versões que entendem sobre os diferentes acontecimentos. O Hotel é apenas uma caixa-de-ressonância.

Solução? Cada um encontra aquela que melhor reflecte o seu carácter. Wendy quer fugir, na companhia do filho, Jack quer ficar. No exterior, mãe e filho serão livres e (mais) fortes, Torrance será fraco e irrelevante. No interior, dá-se o inverso. Jack dominará (a família) e estes perecerão.

Danny não dorme. Recebe um «Shine» com a expressão encriptada «redrum».

Jack volta a enervar-se – por esta altura o seu estado natural – e retorna ao Salão Dourado, depois de semear a confusão pelas diferentes alas. O crescente caos exterior mimetiza o crescente caos interior.

Para o acalmar, nada melhor que termos um Salão rejubilante, recheado de gente festiva – embora mais adequados à década de 20 do que de 80. Jack divorciou-se da família e do Presente para se entregar nas mãos do Hotel e do Passado. Não é o que todos fazemos? Sonhar com vidas alternativas num passado glorioso, onde a aceitação é plena e os problemas nulos? Lloyd, mais simpático que nunca, serve whisky a rodos, sugerindo que Torrance guarde as fantasiosas notas na carteira (na primeira visita não as tinha, agora já as «tem», prenunciando a assimilação do Hotel e dissociação mental crescentes).

Efusivo, «embriagado», Jack choca com um empregado, que entorna sobre ele um conjunto de bebidas.

Peço imensa desculpa, venha comigo aos lavabos.


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Uns lavabos convenientemente pintados de vermelho. (Os mais pacientes podem tentar identificar ao longo do filme onde e quando aparece a cor vermelha, para melhores e maiores associações).

Na estranha conversa que se segue – assumindo que existem aqui conversas que não são estranhas – o criado apresenta-se como Grady. Mas notem bem, não como Charles Grady, o zelador dos anos 70, mas como Delbert Grady, o empregado de bar dos anos 20. Este precioso detalhe esclarece a discrepância no diálogo, no qual Jack – apenas preocupado com o apelido – insiste que Delbert Grady foi o zelador enquanto este nega veementemente (já que o zelador foi Charles). O que fica por revelar é assim o mais importante: Delbert e Charles Grady são da mesma família? Existiu uma geração de Grady’s empregada no Hotel? Ou mais uma vez é a mente confusa de Torrance que mistura nomes e versões?

O final da conversa é ainda mais encriptado. Delbert, passado o período de maior timidez e cortesia, confronta Torrance:

Tenho a certeza que não sou o zelador. Pelo que me consta, o senhor é o zelador. E não há muito espaço para dúvidas, já que eu sempre estive aqui e o senhor foi sempre o zelador.

Nada disto faria sentido a não ser que:

1 – Delbert Grady considere que Jack Torrance é Charles Grady;

2 – Jack Torrance esteja convencido que é Charles Grady.

A acrescentar a isto, Delbert toma para si a loucura de Charles, ao informar Jack que «mulher e filhas também não gostavam do Hotel a princípio, mas depois de castigadas, acabaram por mudar de ideias».

Sem dificuldade se desconfia que Torrance – aprendiz de escritor enlouquecido – misturou na mente a lenda urbana recordada por Ullman e diferentes versões de Grady. Se por outro lado quisermos fazer fé nestes relatos, então depreende-se que Grady, Jack e outros, são diferentes manifestações/encarnações da mesma entidade. Delbert é Charles que é Jack. A mulher de Grady é Wendy. As filhas de Grady são Danny, que é Tony.

Logo, o que Jack/Charles tem a fazer é castigar mulher e filhas/filho.

De passagem, «Delbert» informa «Jack» que o filho tem grandes talentos (Shine) que usa para contactar com o exterior, nomeadamente Halloran. Se acham inverosímil que um Jack desprovido de «reais» contactos com o Sobrenatural esteja de posse destas informações, basta reflectirmos sobre os motivos que Torrance teria para maltratar o filho. O torpor alcoólico, claro, mas é sabido que este apenas resgata para a superfície frustrações amordaçadas. Quais seriam? A consciência que Danny é de certa forma sobredotado em comparação consigo, escritor falhado? E nesse contacto com o exterior, porquê pensar especificamente em Halloran? Bem, não seria difícil recordar que foi este quem fez a visita guiada e ofereceu gelado a Danny.

Delbert refere-se ao outro como «um cozinheiro preto». Utiliza a palavra «nigger», a mais ofensiva possível. Apesar desta crónica escolher não abordar em detalhe questões sociais, não descurar isto quando quisermos construir o retrato social de Jack Torrance: um branco oriundo de um estado sulista.

Falemos então um pouco de Dick Halloran. Um chefe cozinheiro em férias na Flórida que, à conta de um «Shine», é capaz de encetar uma demorada e desagradável viagem de regresso – que inclui avião e carro – apenas para se certificar que a família Torrance está em segurança, falhada a tentativa de contacto através do rádio.

Podemos aceitar que o generoso cozinheiro é capaz disto, deixando a alternativa para mais tarde.

Nesse retorno e relativamente perto do destino, Halloran depara-se com um acidente na estrada, causado pela tempestade de neve. Esse acidente envolve um Volkswagen carocha vermelho e um veículo pesado.

Questões: Lembram-se da brincadeira de Danny à porta do quarto 237? Com um carrinho e um veículo longo, que simulavam um acidente?

Uma coisa no entanto, difere. O carrinho de Danny era amarelo, este é vermelho. Esperemos mais um pouco.

Esperemos, pois Wendy encontra por fim uma oportunidade de espreitar o trabalho de Jack. O extenso manuscrito que este tem dactilografado ao longo de semanas e semanas. O mesmo que exigia o seu afastamento permanente.

Recordem esta observação, noutro ponto do texto:

«Mais tarde se perceberão as verdadeiras implicações deste comportamento e o que (Jack) procura ocultar, desde cedo».

A questão sobre o manuscrito é que não existe manuscrito. Centenas de páginas foram gastas com uma única e famosa frase:

 

All work and no play makes Jack a dull boy.

 

Esta é retirada de uma espécie de aforismo na língua inglesa que destaca os méritos de intercalarmos ócio e trabalho. Demasiado de uma coisa só, revela-se pernicioso. Acrescentemos, demasiado seja do que for: isolamento, por exemplo.

Entretanto, Torrance regressa decidido a resolver todos os problemas, leia-se, o problema da família. Enquanto Danny escuta o episódio (ou será imagina) através da sua capacidade adivinhadora, os pais manobram uma interacção a todos os títulos perturbante. Wendy recua, insistindo que o filho precisa de ajuda. Jack questiona o carácter dessa ajuda. Sair dali, ser visto por um médico, explica ela. Isso agora é que não pode ser, contesta ele, então e o «contrato que celebrei com estas pessoas?». Fala de Ullman ou dos espectros? Talvez seja irrelevante nesta altura.

O confronto culmina com uma tentativa de agressão de Torrance, rebatida pelo espasmo de Wendy, que atinge o marido na cabeça com o bastão que ainda segurava. Jack tomba das escadas e perde os sentidos.

É absolutamente fulcral, para entendermos o que se segue, manter em mente que Danny está neste momento a adivinhar/imaginar tudo isto, através do «Shine».

Assim sendo, Wendy tem a brilhante ideia de arrastar o marido desacordado através da cozinha, rumo à despensa. É lá que o abandona e aprisiona.

A fragilidade deste é de pouca dura, no entanto. A mulher mal consegue escapar e depois de resistir a uma débil tentativa de manipulação emocional por parte de Torrance, anuncia a partida na companhia de Danny. Nessa altura, Jack corta de uma vez as poucas amarras que ainda detinham a sua loucura latente, soltando gargalhadas doentias e desafiando-a a tentar essa fuga. Fica claro que depois da «conversa» com Grady e antes do encontro com Wendy, Jack esteve ocupado.

Nomeadamente, a inutilizar o rádio e o veículo limpa-neves, únicos meios de contacto com o mundo exterior.

Sugestão: se acreditarmos que a sequência de acções dos diferentes membros da família Torrance se resume ao que nos é mostrado, estaremos perante uma narrativa contraditória e inexplicável. Contudo, se concedermos que nos intervalos do que nos é dado a ver cada uma das personagens esteve activa, as partes em branco são preenchidas.

Senão vejamos: As horas passam. Jack dorme, trancado na despensa e sem qualquer possibilidade realista de escapar. Wendy dorme na ala habitacional, bloqueada na sua tentativa de fuga. Danny, por sua vez, deveria estar a dormir no seu quarto, mas estará?

Não esqueçamos que este «sabe» que o pai está trancado na despensa. Sabe que a fuga na companhia da mãe é impossível. Não é contudo certo que saiba que Halloran vem a caminho, em seu auxílio. Solução? Bem…

Jack desperta. Quem o acorda, do outro lado da porta, é Grady. Delbert Grady, presume-se. «Então o que é isto, foi manietado pela sua família?» «Mil perdões senhor Grady, se me der uma segunda oportunidade…». «Mas agora é a sério, agora tem de ser implacável, vamos lá». «Com certeza senhor Grady, agora é que é».

A porta abre-se.

Os que preferem a explicação (e existência) do Sobrenatural, encontram aqui a sua prova definitiva. A partir deste momento, a «porta», a «passagem» do mundo real para o sobrenatural foi aberta. Grady teve esse gesto, portanto os espectros são reais, o Hotel está assombrado, a família Torrance é vítima de tudo isso.

Porém, foi anunciado desde o início que esta crónica escolhia a outra explicação possível. A de que tudo se passa na mente da família Torrance. Logo, apenas um membro dessa família podia abrir a porta. O único que não está a dormir. O único ágil, rápido e pequeno o suficiente para abrir a tranca e de imediato se escapulir, deixando apenas uma porta aberta e um corredor vazio aos olhos de Jack, que encheu essa impossibilidade com mais um devaneio conveniente e sobretudo coerente com a «sua» narrativa.

3TzIaKUPortanto, quando vemos Danny a aproximar-se da cama da mãe, este não saiu do quarto, como todos admitimos numa primeira análise, antes regressou da cozinha depois de libertar Jack. Acto contínuo, serve-se do batom para escrever «redrum» na porta da casa de banho, obedecendo à premonição recebida algum tempo antes. Depois, de faca em punho, acorda a mãe gritando essa mesma expressão.

Wendy, sobressaltada, repara no reflexo do espelho que soluciona o breve mistério: invertida para a sua ordem correta, o conjunto de letras significa «murder» ou seja, «assassinato».

Mais uma vez se assume o óbvio, esquecendo o improvável embora possível. Esse alerta de «assassinato» refere-se à intenção de Jack: matar mulher e filho.

Mas…

E se pudesse referir-se também às intenções de Danny para com o pai? E se Danny, violentado de diferentes formas e em diferentes momentos por Jack – nomeadamente no quarto 237 – tivesse decidido matar o progenitor, de modo a salvar-se na companhia da mãe? Improvável? Talvez. Mas não impossível.

Eis Jack. Wendy tranca-se na casa de banho referenciada com o filho, já depois de Torrance desfazer a porta principal. Vem aí o «lobo mau».

Machadada após machadada, a barreira quebra-se, embora Danny tenha conseguido escapar para o exterior através da minúscula janela, em parte bloqueada pela neve.

Here’s Johnny!

De pouco lhe serve, pois Wendy defende-se com a faca que Danny lhe facultou e por entre toda a agitação, Halloran chega por fim, no seu limpa-neves.

Se ainda acham implausível a teoria de que Danny abriu a despensa e planeia a morte do pai, notem que este, livre e no exterior não se esconde noutro local, como a garagem ou o recém-chegado veículo de Halloran. Depreende-se que uma criança assustada e confusa assim o faria.

Mas Danny, pelo contrário, regressa ao interior do Hotel através da porta deixada aberta pelo cozinheiro. E regressa porque tem um plano.

Desprovido de plano parece estar Halloran. Tudo o que faz é avançar receosamente pelos corredores, chamando sem sucesso por uma presença amigável. Essa caminhada termina de forma fatal, no golpe assassino de Jack.

Esta morte liberta enfim todos os demónios, dentro e/ou fora da mente dos Torrance. Jack é Charles e Delbert e todos os outros de corpo inteiro, Wendy é a esposa de Grady que pereceu queimada na banheira quando as filhas do zelador/Danny decidiram incendiar um dos quartos (237?) num acto de rebelião. Parecerá agora mais aceitável o acto de rebelião de Danny contra o pai?

Este parece lançar a ratoeira. Esconde-se num armário da cozinha e deixa-se observar a fugir do mesmo no momento certo. Wendy, por sua vez, lida com os seus próprios fantasmas e com a eventual morte de Halloran. De notar que é ela e não Danny quem confirma a alucinação da torrente de sangue através das portas do elevador. Este detalhe é relevante, porque se nos primórdios foi Danny quem teve esse «Shine», por que razão é agora a mãe a experimentá-lo? Terá Wendy a mesma capacidade (daí o desfile de espectros)? Terá Danny herdado a dita da mãe? Quem lidera de facto a narrativa, quem influencia quem no quê? São livres de especular.

Jack é ludibriado pelo filho, seguindo-o através do labirinto. O mesmo que de forma extremamente útil foi desvendado por mãe e filho em momento anterior.


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Se por outro lado falarmos de labirinto mental, então Danny vai aqui resolver um trauma chamado Jack Torrance.

Essa conclusão é evidente quando vemos a criança a sair da construção rumo ao abraço carinhoso da mãe, deixando o pai entregue à sua loucura desesperada, que culminará na sua morte (real ou figurada).

O limpa-neves/veículo desbloqueador de tempestades (emocionais), parte rumo à liberdade, deixando o trauma envolto em neblina gelada.

A imagem final mostra-nos Jack/Charles num retrato datado de 1921 e muitos dirão que isto prova a absorção de Torrance pelo Hotel.

Nesta crónica, onde se defende a inexistência de Sobrenatural, sugere-se que:

1 – A família Torrance pode nunca ter chegado a sair do seu condomínio habitacional (lembram-se das cores semelhantes na(s) casa(s) de banho? Lembram-se do inverosímil comportamento de Halloran?).

2 – Tendo saído, Jack (nos segmentos de quotidiano ocultos) pode ter-se inspirado em toda a mitologia associada ao Hotel Overlook e ter escrito a história que vemos a partir do momento em que acorda na secretária. «Sonhei que vos tinha assassinado». Isso ajudaria a explicar não só todo o sobrenatural associado, como também a ausência de narrativa nos papéis encontrados por Wendy – já que o enredo está a ser vivido por todos e portanto não pode ser lido. Ainda, lidámos antes com um carrinho amarelo e um Jack de casaco beije e depois com um carrinho vermelho (esmagado) e um Jack de casaco vermelho tinto. Coincidência?

Existindo elementos válidos para todas as hipóteses levantadas ao longo do texto, considera-se mais verosímil a noção de que a família Torrance vive todo este drama em casa, sendo o Hotel Overlook uma imensa hipérbole da tragédia.


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