É para mim indiscutível quem são os quatro grandes na Literatura Nacional.
Não vou ser original e esta escolha tão-pouco indica que tenha lido exaustivamente todos eles, ou que de todos seja admirador empedernido.
Contudo, há cumes que não se contornam.
Luís de Camões, Fernando Pessoa, Eça de Queirós e José Saramago estão acima de qualquer pequenez, que como se sabe é coisa abundante.
De momento, vou apenas focar-me no modo como deles nos despedimos.
A maneira como deixamos que os grandes morram revela o verdadeiro respeito que temos por eles. Pouco importa o sucesso temporário se o avançar do tempo e a preguiça da memória permitem que as antigas estrelas do firmamento se despenhem na indiferença geral.
Camões é o primeiro (nos dois sentidos da palavra) destes exemplos. Foi-lhe atribuída pela Corte da época uma pensão anual de 15 mil réis, o que não era exorbitante mas continha apesar de tudo alguma dignidade, uma vez que qualquer dama de honra do Paço recebia dez mil. O problema é que tal pensão tinha a triste validade de três anos, carecendo depois de uma renovação que chegava tarde e espaçadamente. Os registos dizem que terminou num quarto miserável, atacado pela fome e frio. De concreto, sabe-se que adoeceu logo após o desastre de Alcácer-Quibir e que os restos mortais desapareceram com o terramoto de 1755, para nunca mais serem descobertos. Aquilo que hoje se encontra na tumba do Mosteiro dos Jerónimos são as ossadas de um anónimo ou pura e simplesmente nada.
Concluí também a leitura da obra sobre Fernando Pessoa, escrita por Nuno Hipólito.
Conhecia o que todos (presumo) conhecem: a vida atribulada, a heteronímia principal, os cafés da Baixa, a «Mensagem», o «Livro do Desassossego».
Pouco surpreendente o facto de só ter publicado um único livro em vida, o supracitado «Mensagem» e mesmo esse apenas porque ganhou um concurso literário, organizado e manobrado por um amigo pessoal para que o único vencedor possível fosse ele.
De certa forma, oferece-nos uma perspectiva de como as coisas funcionam, até aos dias de hoje. Um dos maiores génios literários nacionais conseguiu viver 47 anos sem ver o talento reconhecido, ainda que se tenha desdobrado em inúmeros textos, criação de revistas literárias, editoras, gráficas, um sem número de tentativas, buscas e apelos, todos tornados inúteis. Tal como Camões, morreu sozinho, pobre e deprimido.
A Eça de Queirós, dir-me-ão alguns, foi feita justiça. Viveu uma vida prestigiante, foi publicado em vida com sucesso e à morte foi ofertada um funeral de Estado. Terão de facto existido um conjunto de circunstâncias que impediram o destino dos anteriores exemplos. Ainda assim, algo fez com que este, em conjunto com outros grandes dessa geração, se autodenominasse membro dos «Vencidos da Vida». Falharam no único objectivo sério a que se propuseram: mudar a sociedade portuguesa através da Literatura.
E por fim Saramago. O José Saramago que antes dos 60 anos era um «mero jornalista» associado negativamente ao Partido Comunista. Que quando optou, a meio do livro «Levantado do Chão», por dar início a uma forma de escrita tão inovadora e complexa que esta acabaria, entre outras razões, por lhe valer um Prémio Nobel – o primeiro e provavelmente o último alguma vez atribuído à Literatura Portuguesa – foi criticado por «não saber escrever». E, de uma forma geral, vítima de todo o tipo de provocações e disparates, campanhas infames e tresloucadas de gente que não suportava tudo aquilo que ele se atrevia a dizer nos livros que escrevia, fosse sobre Política, Sociedade ou Religião. Não se podia, de modo algum, ter em Portugal um escritor comunista, ateu convicto, a quem fosse dado qualquer espécie de mérito.
O que é lá isso de Nobel? Os estrangeiros que o levassem para a terra deles. Ali, no Portugal ainda tão orgulhosamente só, não.
Pelo que Saramago foi mesmo. Isolou-se numa vulcânica ilha espanhola e por lá permaneceu até à morte. Não faltou, depois do prémio, quem enchesse as prateleiras com os seus livros, mesmo que jamais os lessem ou compreendessem.
Não faltaram ateus que os compraram «porque sim» e católicos que juraram nunca os comprar «porque não».
Não faltaram comunistas, ou mesmo simpatizantes da esquerda moderada que os compraram «porque sim» e fascistas ou simpatizantes da direita moderada que juraram nunca os comprar «porque não».
Raramente se viu livre de todos os preconceitos, positivos ou negativos. Raramente foi apenas lido.
E é talvez isso que verdadeiramente faz falta, em geral.
Ler.