Anos 50-70 – Sophia de Mello Breyner

transferirViveu entre 1919 e 2004. Foi uma das mais importantes poetisas do século XX e a primeira mulher a receber o mais importante galardão literário da Língua Portuguesa, o Prémio Camões, em 1999. Desde 2014, está no Panteão Nacional.

Nasceu a 06 de Novembro de 1919, no Porto. Era filha de Maria Amélia de Mello Breyner e de João Henrique Andresen. Tem origem dinamarquesa pelo lado paterno. O seu bisavô, Jan Heinrich Andresen, desembarcou um dia no Porto e nunca mais abandonou a região, tendo o seu filho João Henrique comprado, em 1895, a Quinta do Campo Alegre, hoje Jardim Botânico do Porto. Como afirmou em entrevista, em 1993, essa quinta «foi um território fabuloso com uma grande e rica família servida por uma criadagem numerosa». A mãe, Maria Amélia de Mello Breyner, é filha do Tomás de Mello Breyner, conde de Mafra, médico e amigo do rei D. Carlos. Maria Amélia é também neta do conde Henrique de Burnay, um dos homens mais ricos do seu tempo.

Criada na velha aristocracia portuguesa, educada nos valores tradicionais da moral cristã, foi dirigente de movimentos universitários católicos quando frequentava Filologia Clássica na Universidade de Lisboa (1936-1939) que nunca chegou a concluir. Colaborou na revista «Cadernos de Poesia», onde fez amizades com autores influentes e reconhecidos: Ruy Cinatti e Jorge de Sena. Veio a tornar-se uma das figuras mais representativas de uma atitude política liberal, apoiando o movimento monárquico e denunciando o regime salazarista e os seus seguidores. Ficou célebre como canção de intervenção dos Católicos Progressistas a sua «Cantata da Paz», também conhecida e chamada pelo seu refrão: «Vemos, Ouvimos e Lemos. Não podemos ignorar!».

Casou-se, em 1946, com o jornalista, político e advogado Francisco Sousa Tavares e foi mãe de cinco filhos: uma professora universitária de Letras, um jornalista e escritor de renome (Miguel Sousa Tavares), um pintor e ceramista e mais uma filha que é terapeuta ocupacional e herdou o nome da mãe. Os filhos motivaram-na a escrever contos infantis.

Em 1964 recebeu o Grande Prémio de Poesia da Sociedade Portuguesa de Escritores, pela sua obra «Livro Sexto». Já depois da Revolução de 25 de Abril, foi eleita para a Assembleia Constituinte em 1975, pelo círculo do Porto, numa lista do Partido Socialista enquanto o seu marido navegava rumo ao PSD.

Distinguiu-se também como contista – «Contos Exemplares»e autora de livros infantis: «A Menina do Mar», «O Cavaleiro da Dinamarca», «A Floresta», «O Rapaz de Bronze», «A Fada Oriana», entre outros. Foi tradutora de Dante Alighieri e de Shakespeare e membro da Academia das Ciências de Lisboa. Para além do Prémio Camões, foi agraciada com um Doutoramento Honoris Causa em 1998, pela Universidade de Aveiro e distinguida com o Prémio Rainha Sofia, em 2003.

Faleceu aos 84 anos, no dia 02 de Julho de 2004, em Lisboa, no Hospital da Cruz Vermelha. O seu corpo foi sepultado no Cemitério de Carnide. A 20 de Fevereiro de 2014, a Assembleia da República decidiu homenagear por unanimidade a poetisa com honras de Panteão.

Desde 2005, no Oceanário de Lisboa, os seus poemas com ligação forte ao mar foram colocados para leitura permanente nas zonas de descanso da exposição, permitindo aos visitantes absorver a força da sua escrita enquanto estão imersos numa visão de fundo do mar.

 

Da sua infância e juventude, a autora recorda sobretudo a importância das casas, lembrança que terá grande impacto na sua obra, ao descrever as habitações e os objectos dentro delas, dos quais se lembra. Explica isso do seguinte modo: «Tenho muita memória visual e lembro-me sempre das casas, quarto por quarto, móvel por móvel e lembro-me de muitas casas que desapareceram da minha vida (…). Eu tento ‘representar’, quer dizer, ‘voltar a tornar presentes’ as coisas de que gostei e é isso o que se passa com as casas: quero que a memória delas não vá à deriva, não se perca».

Está também presente em Sophia uma ideia da poesia como valor transformador fundamental. A sua produção corresponde a ciclos específicos, com a culminação da actividade da escrita durante a noite: «não consigo escrever de manhã, (…) preciso daquela concentração especial que se vai criando pela noite fora». A vivência nocturna da autora é sublinhada em vários poemas («Noite», «O luar», «O jardim e a noite», «Noite de Abril», «Ó noite»). Aceitava a noção de poeta inspirado, afirmava que a sua poesia lhe «acontecia», como a Fernando Pessoa: «Fernando Pessoa dizia: ‘Aconteceu-me um poema’. A minha maneira de escrever fundamental é muito próxima deste ‘acontecer’. (…) Encontrei a Poesia antes de saber que havia Literatura. Pensava mesmo que os poemas não eram escritos por ninguém, que existiam em si mesmos, por si mesmos, que eram como que um elemento do natural, que estavam suspensos, imanentes (…). É difícil descrever o fazer de um poema. Há sempre uma parte que não consigo distinguir, uma parte que se passa na zona onde eu não vejo». A sua própria vida e as suas próprias lembranças são uma inspiração para a autora.

Fez-se poeta ainda na sua infância, quando, tendo apenas três anos, lhe foi ensinada «A Nau Catrineta» pela sua ama Laura:

Havia em minha casa uma criada, chamada Laura, de quem eu gostava muito. Era uma mulher jovem, loira, muito bonita. A Laura ensinou-me a ‘Nau Catrineta’ porque havia um primo meu, mais velho, a quem tinham feito aprender um poema para dizer no Natal e ela não quis que eu ficasse atrás… Fui um fenómeno, a recitar a ‘Nau Catrineta’ toda. Mas há mais encontros, encontros fundamentais com a poesia: a recitação da ‘Magnífica’, nas noites de trovoada, por exemplo. Quando éramos um pouco mais velhos, tínhamos uma governanta que nessas noites queimava alecrim, acendia uma vela e rezava. Era um ambiente misto de religião e magia… E de certa forma nessas noites de temporal nasceram muitas coisas. Inclusivamente, uma certa preocupação social e humana ou a minha primeira consciência da dureza da vida dos outros, porque essa governanta dizia: ‘Agora andam os pescadores no mar, vamos rezar para que eles cheguem a terra (…)’.

Alguns dos tópicos mais relevantes na sua criação literária:

A infância e juventude – constituem para a autora um espaço de referência («O jardim e a casa», em «Poesia»; «Casa», em «Geografia»; «Casa Branca», em «Poesia»; «Jardim Perdido», em «Poesia»; «Jardim e a Noite», em «Poesia»).

O contacto com a Natureza também marcou profundamente a sua obra. Era para Sophia um exemplo de liberdade, beleza, perfeição e mistério e é bastante citada na sua obra, quer pelas alusões à Terra (árvores, pássaros, o luar), quer pelas referências ao Mar (praia, conchas, ondas).

O Mar é um dos conceitos-chave na sua criação literária. O efeito literário da inspiração no mar pode-se observar em vários poemas, como «Homens à beira-mar» ou «Mulheres à beira-mar».

A autora comenta isso do seguinte modo:

Esses poemas têm a ver com as manhãs da Granja, com as manhãs da praia. E também com um quadro de Picasso. Há um quadro de Picasso chamado Mulheres à beira-mar. Ninguém dirá que a pintura do Picasso e a poesia de Lorca tenham tido uma enorme influência na minha poesia, sobretudo na época do Coral… E uma das influências do Picasso em mim foi levar-me a deslocar as imagens.

Outros exemplos em que claramente se percebe o motivo do mar são: «Mar» em «Poesia»; «Inicial» em «Dual»; «Praia» em «No Tempo dividido»; «Praia» em «Coral»; «Açores» em «O Nome das Coisas». Neles exprime-se a obsessão do Mar, da sua beleza, da sua serenidade e dos seus mitos. O Mar surge aqui como símbolo da dinâmica de vida. Tudo vem dele e tudo a ele regressa. É o espaço da vida, das transformações e da morte.

A Cidade constitui outro motivo muito repetido na sua obra Cidade» em «Livro Sexto»; «Há Cidades Acesas», em «Poesia»; «Fúrias», em «Ilhas»). A cidade é aqui um espaço negativo. Representa o mundo frio, artificial, hostil e desumanizado, o contrário da Natureza e da segurança.

Outro tópico acentuado com frequência é o Tempo: o dividido e o absoluto que se opõem. O primeiro é o tempo da solidão, medo e mentira, enquanto o tempo absoluto é eterno, une a vida e é o tempo dos valores morais («Este é o Tempo», em «Mar Novo»; «O Tempo Dividido», em «No Tempo Dividido»). Segundo Eduardo Prado Coelho, o tempo dividido é o tempo do exílio da casa, associado à cidade, porque a cidade é também feita pelo torcer de tempo, pela degradação.

Era admiradora da literatura clássica. Nos seus poemas aparecem frequentemente palavras de grafia antiga (Eurydice, Delphos, Amphora). O culto pela arte e tradição próprias da civilização grega são-lhe próximos e transparecem na sua obra. Além dos aspectos temáticos referidos acima, vários autores sublinham a enorme influência de Fernando Pessoa. O que os dois autores têm em comum é a influência de Platão, o apelo ao infinito, a memória de infância, o sebastianismo e o messianismo, o tom formal que evoca Álvaro de Campos. A figura de Pessoa encontra-se evocada múltiplas vezes nos poemas de Sophia.


250xDe um modo geral, o universo temático da autora é abrangente e pode ser representado pelos seguintes pontos resumidos:

 – A busca da justiça, do equilíbrio, da harmonia e a exigência da moral;

 – Tomada de consciência do tempo em que vivemos;

 – A Natureza e o Mar – espaços eufóricos e referenciais para qualquer ser humano;

 – O tema da casa;

 – Amor;

 – Vida em oposição à morte;

 – Memória da infância;

 – Valores da antiguidade clássica, naturalismo helénico;

 – Idealismo e individualismo ao nível psicológico;

 – O poeta como pastor do absoluto;

 – O humanismo cristão;

 – A crença em valores messiânicos e sebastianistas;

 – Separação.

A opinião sobre ela de alguns dos mais importantes críticos literários portugueses é a mesma: o talento da autora é unanimemente apreciado. Eduardo Lourenço afirma que Sophia de Mello Breyner tem uma sabedoria «mais funda do que o simples saber», que o seu conhecimento íntimo é imenso e a sua reflexão, por mais profunda que seja, está exposta numa simplicidade original.

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