Prefácio
Eis um filme de Roger Corman, principal adaptador das obras de Edgar Allan Poe ao cinema. Data de 1962 e por fugir às modas que na altura se associavam ao género, é um dos menos reputados da série.
Falo de Premature Burial, (Sepultado Vivo na tradução portuguesa).
Quem leu o conto que lhe dá origem, sabe que este se resume a um monólogo do protagonista acerca do seu medo primordial, associado à condição de catalepsia. Estão ausentes as grandes sequências de acção, ou evidentes episódios do sobrenatural.
Existe apenas a descrição pormenorizada de casos verídicos de enterro prematuro, acontecimento bastante regular na época devido ao pouco avanço da Medicina, depois extrapolados para a categoria de mito urbano e folclore.
Poe manobra o facto com a mestria habitual, utilizando os estratagemas narrativos já conhecidos de outros contos. O autor rejeita de certa forma o concreto, ainda que falemos de um concreto «místico». Os seus textos vivem sobretudo de atmosfera. De psicológico. Daquilo que o leitor já hospeda e que depois invade o consciente.
No conto, o protagonista acaba vítima de um anticlímax, não sendo enterrado vivo como o longo preâmbulo podia sugerir. É nisso que reside o talento e sentido de ironia de Poe: O anticlímax é o verdadeiro clímax.
Não é este um filme de grande sucesso comercial, porque ausente dos lugares comuns ambicionados. A trama lida com a obsessão do protagonista, os artifícios que este arquitecta para a combater e o desastre final. É esse, o «vilão por trás do vilão».
Ou seja, o medo prematuro da morte e em simultâneo de estar vivo quando todos o julgarem falecido. Tal, fá-lo ausente à evidência: já está morto. Psicologicamente morto. É essa, a condição que despoleta tudo o resto.
Destruído o espírito, expiram também os bons sentimentos pelo seu portador.
Quando este «regressa dos mortos» para se vingar, não está afinal a desforrar-se «das maldades que lhe fizeram», uma vez que estas só surgiram à posteriori, está a revoltar-se (tarde demais) contra o facto de ter desistido de viver demasiado cedo.