Em Coimbra, assisti aos delírios mais variados – e de todos partilhei. Fizemos três revoluções: derrubámos reitores excelentes, só pelo prazer de derrubar e exercer a força demagógica; proclamámos uma manhã a libertação da Polónia, mandando um cartel de desafio ao Czar; penetrámos, em comissão, num cemitério para intimar a Morte a que nos revelasse o seu segredo; destruímos uma noite, através da cidade, todos os mastros e arcos de buxo e molhos de bandeira e obeliscos de lona, erguidos para celebrar não sei que glória nacional, porque eles contrariavam as leis da nossa estética; abandonámos a Universidade num clamoroso êxodo para ir fundar nos arredores do Porto uma civilização mais ou menos em harmonia com o nosso horror aos compêndios; atacámos e dispersámos procissões por não as considerar suficientemente espiritualistas, organizámos uma associação secreta para renovar a guerra dos Titãs e destronar Jeová…
Fomos medonhos – e quase todos os anos nos batemos com as tropas que o Governo mandava para nos manter dentro da decência e do raciocínio.
Cartas de Paris