Nasceu em 1936. Escritor, jornalista, ensaísta, nobre e político, laureado com o Nobel da Literatura em 2010.
Nascido numa família de classe média, filho único. Os pais separaram-se após cinco meses de casamento. Devido a isso, não conheceu o pai até aos dez anos de idade. A sua primeira infância foi em Cochabamba, na Bolívia, mas durante o governo de José Luís Bustamante e Rivero, o avô obtém um importante cargo político em Piura, no norte do Peru, e a mãe regressa ao país.
Em 1946 muda-se para Lima, onde conhece o pai. Os pais reconciliam-se, e durante a adolescência a família continuará a viver ali.
Ao completar 14 anos, ingressa por vontade paterna no Colégio Militar Leôncio Prado em La Perla, como aluno interno, onde fica dois anos. Essa experiência será o tema do seu primeiro livro – A Cidade e os Cães.
Em 1953 é admitido na tradicional Universidade Nacional Mayor de San Marcos, em Lima, a mais antiga da América. Ali estudou Letras e Direito, contra a vontade do pai.
Aos 19 anos, casa-se com Júlia Urquidi, irmã da mulher do tio materno, e passa a ter vários empregos para sobreviver: trabalha como redactor mas também no catálogo de livros e até como revisor de nomes nos túmulos dos cemitérios. Em 1958 recebe uma bolsa de estudos e vai para Espanha, onde obtém o doutoramento em Filosofia e Letras na Universidade Complutense de Madrid. Vai depois para França, onde vive durante alguns anos. Em 1964 divorcia-se de Júlia e em 1965 casa-se com a prima, Patrícia Llosa, com quem tem três filhos.
A sua obra critica a hierarquia de castas sociais e raciais, vigente ainda hoje, segundo o escritor, no Peru e na América Latina. O seu principal tema é a luta pela liberdade individual na realidade opressiva do Peru. A princípio, à semelhança de outros intelectuais de sua geração, Vargas Llosa sofreu a influência do Existencialismo de Jean Paul Sartre.
Muitos dos seus escritos são autobiográficos, como A Cidade e os Cães (1963), A Casa Verde (1966) e A Tia Júlia e o Escrevedor (1977). Por A Cidade e os Cães recebeu o Prémio Biblioteca Breve da Editora Seix Barral e o Prémio da Crítica de 1963. A sua obra seguinte, A Casa Verde, mostra a influência de William Faulkner. O romance narra a vida das personagens num bordel, cujo nome dá título ao livro. O terceiro romance, Conversa na Catedral, publicado em quatro volumes e que o próprio Vargas Llosa caracterizou como obra completa, narra fases da sociedade peruana sob a ditadura, em 1950.
Há um encontro, num bar chamado «La Catedral», entre dois personagens: o filho de um ministro e um motorista particular. O romance caracteriza-se por uma sofisticada técnica narrativa, alternando a conversa dos dois e cenas do passado. Em 1981 publica A Guerra do Fim do Mundo, sobre a Guerra de Canudos, que dedica ao escritor brasileiro Euclides da Cunha.
Em 2006, Llosa publica o livro Cartas a um Romancista. A obra não literária é uma espécie de guia para jovens escritores, mas não se trata de um livro sobre as técnicas desse ofício, e sim sobre as técnicas do romance. Numa série de capítulos escritos como se fossem cartas a um jovem ávido por conhecimento da profissão, Llosa discorre sobre o que é imprescindível para a criação de um livro. O autor começa por dizer que todas as histórias se alimentam da vida do seu criador, como um «Catoblepas» que se devora a si mesmo, criatura que aparece num livro de Jorge Luís Borges. Llosa menciona ainda outras obras durante todo o livro. Aborda também o estilo, que deve ser coerente com a história contada e fazer o leitor viver a obra sem notar que está a ler. Aborda a relação entre narrador e espaço, afirmando que o primeiro é a personagem mais importante de todos os romances, pois dele dependem os demais, mas não deve ser confundido com o autor, já que o primeiro é um personagem fictício. O narrador pode ser um personagem, ser externo à trama, ou ambíguo, quando não sabemos se está dentro ou fora do mundo narrado. Além disso, várias obras possuem mais de um narrador. O ponto de vista espacial é a relação entre o espaço ocupado pelo narrador e o espaço narrado. Na narração de um personagem esses dois coincidem, quando o narrador é externo à trama, o mesmo não acontece. Já o narrador ambíguo pode assumir qualquer um desses papéis. Quanto ao tempo, Llosa afirma que o do romance não é igual ao da realidade, mas sim outro, que o autor pode usar para se desenvencilhar dessa realidade. Separa-o ainda em duas classificações: o cronológico e o psicológico. O primeiro existe independentemente da subjectividade humana, o segundo transforma-se de acordo com as nossas emoções. Outro capítulo trata dos níveis de realidade, a relação entre o plano de realidade em que se situa o narrador e aquele em que se desenrola a história narrada. Nesse caso, também, os planos podem coincidir ou não. Os planos mais claramente autónomos são o «mundo real» e o «mundo fantástico», mas também alterações em qualquer ponto de vista (espacial, temporal, ou de nível de realidade). E, por fim, Llosa fala sobre a Caixa Chinesa, narrativas que, tal como esses objectos, guardam similares (outras histórias) dentro de si. Conclui encorajando o leitor, afirmando que esforço, disciplina e leituras sistemáticas podem levá-lo a desenvolver seu próprio estilo.
A 07 de Outubro de 2010 foi nomeado vencedor do Nobel da Literatura, «pela sua cartografia sobre estruturas de poder e as suas imagens vigorosas sobre a resistência, revolta e derrota individual».
Obra
Vargas Llosa publicou o primeiro livro, A Cidade e os Cães, em 1963. O enredo decorre no seio de uma comunidade de cadetes da escola militar, em Lima, e é baseado na experiência pessoal do autor. Este primeiro trabalho despertou grande atenção do público e sucesso imediato. A vitalidade do texto e o uso de sofisticadas técnicas literárias impressionaram imediatamente os críticos, o que lhe valeu o Prémio da Crítica Espanhola. No entanto, a crítica afiada à instituição militar do Peru provocou controvérsia no país. Foram vários os generais peruanos a atacar o romance, alegando que se tratava do trabalho de uma «mente perturbada» a afirmando que o autor estava «pago pelo Equador» para minar o prestígio do Exército Peruano.
Em 1965, Vargas Llosa publicou o segundo romance, A Casa Verde, referente a um bordel com o mesmo nome, onde se demonstra de que forma esta presença quase mítica afecta as vidas dos diversos personagens. A trama principal acompanha Bonifácia, uma rapariga prestes a receber os votos da Igreja, que depois se transforma na «Selvática», a prostituta mais famosa da «Casa Verde». O romance obtém mais uma vez um grande sucesso, confirmando o autor como voz importante das Letras do continente. Valeu-lhe a vitória na primeira edição do Prémio Rómulo Gallegos em 1967, em directa competição com o trabalho de veteranos como Juan Carlos Onetti e Gabriel Garcia Márquez. Sozinho, o romance acumulou prémios suficientes para colocar o autor entre as grandes figuras do «Boom». Alguns críticos continuam a considerar este como sendo o melhor e mais importante trabalho de Vargas Llosa.
O terceiro romance, Conversa n’A Catedral, foi publicado em 1969, tinha o autor 33 anos. Este enredo ambicioso aborda a história de Santiago Zavala, o filho de um ministro do Governo, e Ambrósio, o seu motorista. Um encontro fortuito num canil dá origem a uma conversa entusiasmante num bar local chamado «A Catedral». Durante o encontro, Zavala procura saber a verdade sobre a real influência do seu pai no assassinato de uma famosa figura da clandestinidade peruana, lançando com isto uma onda de luz sobre as actividades da ditadura. Infelizmente para Zavala, a sua busca termina num beco, sem respostas nem esperança no futuro. O romance é um ataque ao governo ditatorial da época, demonstrando de que forma um governo totalitário pode controlar e destruir vidas humanas. A permanente atmosfera de desesperança faz deste trabalho o mais amargo do autor.
Após isto, a atenção de Vargas Llosa afastou-se um pouco dos temas políticos e sociais. Alguns críticos descrevem esta fase da carreira literária do autor como «a descoberta do humor». A sua primeira abordagem ao texto satírico foi Pantaleão e as Visitadoras, publicado em 1973. Este curto romance cómico é composto por vinhetas de diálogos e documentos relacionados com as Forças Armadas Peruanas, e um regimento de prostitutas contratado para visitar postos avançados em áreas remotas. Estes elementos estão directamente relacionados com o argumento de A Casa Verde, embora com outros contornos. De certa forma, Pantaleão… é essencialmente uma paródia aos temas focados no romance em causa, tendo a motivação do autor surgido a partir de casos reais.
Em 1977, Vargas Llosa publica A Tia Júlia e o Escrevedor, em parte baseado no casamento com a primeira mulher, Júlia Urquidi, a quem dedica o romance. Esta publica mais tarde um livro de memórias, Lo que Varguitas no dijo, onde expressa a sua opinião sobre o relacionamento, fazendo notar que o autor exagera o lado negativo da interacção entre eles, minimizando o seu papel enquanto «assistente de escritor». A Tia Júlia… é considerado um dos melhores exemplos de como a linguagem e imaginação populares podem ser usadas em literatura.
O quarto romance, A Guerra do Fim do Mundo, sai em 1981 sendo a primeira abordagem ao romance histórico. É o início de uma mudança radical no estilo do autor, rumo a temas como o Messianismo e a Irracionalidade. Aborda a Guerra dos Canudos, um incidente ocorrido no Brasil do século XIX, no qual um grupo armado seguidor de um culto embarca num conflito com o Exército durante meses. À semelhança dos primeiros trabalhos, esta obra de Vargas Llosa adopta um tom sério e sóbrio, com uma atmosfera negra. A abordagem à propensão da humanidade para idealizar a violência, bem como o relato acerca de uma catástrofe provocada pelo homem à conta de um fanatismo transversal, granjeou-lhe grande reconhecimento. Devido à ambição e técnica do livro, alguns críticos dizem ser esta uma das grandes obras de Vargas Llosa.
Apesar de ser hoje reconhecido no Brasil, o romance foi inicialmente mal recebido devido ao facto de um estrangeiro abordar um tema brasileiro, sendo também visto como reaccionário e antissocialista. O autor, pelo contrário, considera ser este o seu livro favorito e o seu melhor trabalho.
Terminada esta obra, Vargas Llosa começa a escrever romances consideravelmente mais curtos. Em 1983, conclui História de Mayta, centrada numa insurreição de esquerda ocorrida a 29 de Maio de 1962 na cidade peruana de Jauja. Em 1986, sai o romance seguinte Quem Matou Palomino Molero?, baseado em diversos eventos associados ao Sendeiro Luminoso. Seriam também estes os acontecimentos que levariam a outro romance, mais tardio, Lituma nos Andes, publicado em Barcelona, em 1993.
Passam por isso quase vinte anos até Vargas Llosa regressar às obras de grande fôlego, com A Festa do Chibo, um thriller policial publicado em 2000. O autor volta a abordar temas como os efeitos do autoritarismo, violência e abuso de poder. Inspirado na ditadura de Rafael Trujillo, que governou a República Dominicana entre 1930 e 1961, ano do seu assassinato, o romance divide-se em três grandes linhas: a que se debruça sobre Urania Cabral, filha de um antigo político leal a Trujillo, regressada pela primeira vez ao país após o assassinato do ditador; a que se concentra no caso concreto, conspiradores, consequências, e afins; e uma terceira focada na vida do ditador, nos últimos tempos do seu regime. A obra é desde logo elogiada em Espanha e na América Latina.
Enredo, cenário e temas principais
O estilo de Vargas Llosa é uma simbiose entre material histórico e experiências pessoais. No seu primeiro romance, por exemplo, foi a sua estadia na escola militar Leôncio Prado que o inspirou a relatar a corrupção moral de uma instituição que ridicularizava os padrões morais que dizia defender. Para além disso, a corrupção desta é um reflexo da corrupção da sociedade peruana, à época. Vargas Llosa serve-se com frequência da escrita para abordar problemas sociais, tais como a opressão e desmoralização levada a cabo pelos poderosos para com aqueles que os desafiam. Um dos principais temas explorados na sua escrita é a luta individual pela liberdade, no contexto de uma realidade opressiva. Por exemplo, o seu romance em dois volumes Conversa n’A Catedral é baseado na ditadura implacável do presidente peruano Manuel Odría. O protagonista, Santiago, revolta-se contra o regime através da participação em actividades subversivas de grupos políticos de esquerda. Para além dos temas da corrupção e opressão, o segundo romance de Vargas Llosa, A Casa Verde, prende-se com a «denúncia das principais instituições peruanas», através da descrição dos abusos e exploração das trabalhadoras do bordel, por oficiais corruptos.
Muitos dos seus romances iniciais passam-se no Peru, mas trabalhos mais recentes decorrem noutras regiões da América Latina, como o Brasil e a República Dominicana. A sua agenda enquanto escritor e orador possibilitaram-lhe frequentes viagens e novos cenários. A Guerra do Fim do Mundo é o primeiro grande exemplo. Apesar do enredo abordar eventos históricos, como a revolta dos Canudos contra o governo brasileiro, o romance não é um retrato fiel, mas inspirado em relatos acerca do evento, publicados pelo escritor brasileiro Euclides da Cunha, em 1902. A Festa do Chibo, baseado na ditadura de Rafael Trujillo, decorre na República Dominicana. Para se preparar, o autor procedeu a um estudo exaustivo da história do país. O romance tem um carácter realista, e Vargas Llosa salienta que «respeitou os pontos básicos, sem exageros» embora admita que «é um romance, não é um livro de História, pelo que também improvisei bastante».
Um dos seus trabalhos mais recentes, O Paraíso na Outra Esquina, é situado sobretudo em França e no Taiti. Retrata a vida de Flora Tristan, demonstrando como esta e Paul Gauguin se viram incapazes de encontrar o paraíso, tendo apesar de tudo inspirado outros a prosseguir a luta rumo à utopia socialista.
Modernismo e pós-modernismo
A obra de Mário Vargas Llosa é vista como uma mescla de modernismo e pós-modernismo. Apesar de existir ainda muito debate acerca do que distingue ambos os conceitos na Literatura, há quem afirme que a dificuldade e complexidade técnica exibida pelo autor nas primeiras obras, inserem-nas claramente no modernismo – nomeadamente devido à sua seriedade. Pelo contrário, os derradeiros trabalhos aparentam seguir uma linha pós-modernista, através de um tom mais leve e cómico. Comparam-se duas obras, A Casa Verde e Pantaleão e as Visitadoras: apesar de ambas explorarem o tema da prostituição, bem como as actividades do exército peruano, o primeiro é de uma extrema seriedade enquanto o último é absolutamente cómico.
Diálogo interligado
Estudiosos afirmam que o autor aperfeiçoou esta técnica no romance A Casa Verde. Ao mesclar dois diálogos que acontecem em alturas diferentes, acaba por criar a ilusão de um flashback. Vargas Llosa serve-se também desta técnica para melhor alternar cenários, misturando num só diferentes diálogos que decorrem em diferentes locais. Esta técnica é um dos marcos do seu reportório, usada pela primeira vez no final do seu primeiro romance. Não se serve desta, porém, sempre da mesma forma em todos os livros. Em alguns, é usada de forma séria, como meio de atingir um tom sóbrio e salientar a importância de acontecimentos separados no tempo e no espaço. Noutros, pelo contrário, a mesma estratégia é usada enquanto efeito cómico.
Influências Literárias
As primeiras influências passam por escritores peruanos relativamente desconhecidos. Enquanto jovem escritor, analisava estes romancistas revolucionários em busca de estruturas e técnicas narrativas, de modo a delinear uma imagem do Peru mais contemporânea e multifacetada. Procurava um estilo diferente das descrições tradicionais sobre a vida rural e campestre, tornadas famosas pelo mais conceituado romancista da época, José Maria Arguedas. Vargas Llosa referiu-se ao trabalho de Arguedas como «exemplo de um regionalismo ultrapassado, que já esgotou as possibilidades narrativas».
O autor procurou também inspiração em autores estrangeiros. Dois franceses, o existencialista Jean-Paul Sartre e o romancista Gustave Flaubert, fizeram parte das suas influências ao nível de técnica e estilo. O contributo de Sartre é mais notado no uso que Vargas Llosa faz do diálogo. A epígrafe do primeiro romance é igualmente baseada no trabalho de Sartre. A independência artística de Flaubert – o desprezo pela realidade e moralismos – foi algo sempre admirado por Vargas Llosa.
Outros autores com forte influência foram William Faulkner, Gabriel Garcia Márquez, Albert Camus e Ernest Hemingway.
Por entre o declínio económico – após um período de seca e o fim da escravatura – do estado da Baía no Nordeste do Brasil, a população pobre sente-se inspirada pela figura carismática e pelos elementares ensinamentos religiosos de António Conselheiro, um advogado. Este preconiza o iminente fim do mundo e atribui ao Diabo o caos político que levou ao fim do Império Brasileiro e à sua substituição pela República.
Tomando posse de uma fazenda situada numa área desfavorecida, os seguidores de Conselheiro erguem uma enorme cidade e derrotam de forma consecutiva cada uma das expedições militares que procuram desalojá-los. À medida que a violência para com eles aumenta, estes tornam-se cada vez mais implacáveis, ao ponto de conseguirem apoderar-se de um conjunto de armas modernas destinadas a destruí-los. Num final épico, todo um exército é enviado com o objectivo de exterminar Canudos, dando origem a uma terrível e sanguinária batalha, enquanto os políticos da velha ordem assistem à destruição do mundo.