Truman Capote

100-best-novel-cold-blood-009Viveu entre 1924 e 1984. Romancista, contista, argumentista, dramaturgo e actor. Vários dos seus contos, romances e peças atingiram o estatuto de clássicos, onde se incluem a novela «Boneca de Luxo» (1958) e o romance policial A Sangue Frio (1966), que o autor considerou um «romance de não-ficção». Pelo menos 20 dos seus trabalhos redundaram em filmes e séries televisivas.

Capote ultrapassou uma infância perturbada por um divórcio, uma longa ausência da mãe e múltiplas viagens. Descobriu a sua vocação de escritor com a tenra idade de oito anos, tendo passado o resto da infância a tentar aperfeiçoar essa habilidade. Iniciou a carreira profissional através dos contos. O sucesso de uma dessas histórias, «Miriam» (1945), chamou a atenção de um editor da Random House e redundou num contrato para escrever um romance, «Outras Vozes, Outros Lugares» (1948). Contudo, a verdadeira fama surgiu com A Sangue Frio, um texto de cariz jornalístico acerca da morte de uma família de agricultores do Kansas, assassinados na própria casa. O autor passou quatro anos a escrever o livro com o auxílio da sua amiga de sempre, Harper Lee, autora de «Não Matem a Cotovia» (1960).

Um marco da cultura popular, A Sangue Frio foi o culminar da carreira literária de Capote. Manteve o estatuto de celebridade durante a década de 70, sobretudo através da frequente aparição em programas televisivos.

 

Nascido em Nova Orleães, Louisiana, Capote foi o fruto da relação entre uma adolescente de 17 anos, Lillie Mae Faulk, e um vendedor de nome Archulus Persons. Os pais divorciaram-se quando Truman tinha apenas quatro anos e este foi enviado para Monroeville, Alabama, onde foi criado durante os quatro ou cinco anos seguintes por familiares da mãe. Depressa ganhou afinidade com uma parente distante, Nanny Rumbley Faulk, que Truman tratava por «Sook».

Tinha um rosto admirável – (…) rugosa e marcada pelo sol e pelo vento.

É esta a descrição que Capote faz dela em «Um Natal» (1956). Em Monroeville, tornou-se vizinho e amigo da autora Harper Lee, que terá baseado a sua personagem «Dill» em Truman.

Criança solitária, Capote aprendeu a ler e a escrever sozinho ainda antes de entrar na escola. Era muitas vezes visto, com apenas cinco anos, com um dicionário e um bloco de notas na mão, tendo começado a aventurar-se na escrita de ficção com apenas 11 anos.

Aos Sábados, dava passeios frequentes até à cidade vizinha de Mobile e numa dessas vezes submeteu um conto «Old Mrs. Busybody», a um concurso infantil patrocinado pela imprensa local. Acabou por receber um prémio, em 1936.

Antes, em 1933, tinha-se mudado para Nova Iorque para viver de novo com a mãe e o seu segundo marido, José García Capote, um empresário oriundo das Ilhas Canárias. Este adoptou a criança e modificou-lhe o nome (nascido Truman Persons, transformou-se em Truman García Capote). Contudo, José foi em pouco tempo condenado por fraude e a família viu-se obrigada a partir.

O autor recorda que:

Comecei a escrever mesmo a sério por volta dos 11 anos. Quando digo a sério, faço a comparação com outros miúdos que vão para casa praticar no violino ou no piano ou qualquer coisa assim. Eu costumava ir para casa depois da escola e escrever umas três horas seguidas. Estava obcecado.

À conta das diversas mudanças da família, Truman frequentou inúmeros estabelecimentos de ensino entre 1935 e 1943, quando terminou os estudos. Em alguns destes lugares, escrevia para o jornal da escola.

Ainda no último ano, Capote começou a trabalhar no departamento de arte do jornal «The New Yorker», emprego que manteve durante dois anos antes de ser despedido por causa de um conflito interno. Recordando o caso anos depois, afirmou:

Não era um trabalho fantástico, resumia-se a organizar ficheiros e pouco mais. Apesar disso era uma boa oportunidade, já que estava decidido a não meter os pés numa Universidade. Achava que das duas uma, ou era um escritor ou não era, portanto não me podia deixar influenciar por professores. Continuo a pensar que foi a decisão correcta, pelo menos nas minhas circunstâncias.

Regressou ao Alabama para viver com familiares e começou a escrever o primeiro romance, «Travessia de Verão».

O autor baseou a personagem «Idabel», de «Outras Vozes, Outros Lugares» na sua vizinha e grande amiga Harper Lee:

Os pais de Harper Lee viviam muito perto. Ela transformou-se na minha melhor amiga. Alguma vez leram o livro dela, Não Matem a Cotovia? Eu sou uma personagem desse livro, cuja acção decorre na cidadezinha do Alabama onde vivíamos. O pai dela era advogado, pelo que costumávamos ir juntos assistir a julgamentos, quando éramos crianças. Em vez de irmos ao cinema, fazíamos isso.

Depois de Lee receber o Pulitzer em 1961 e Capote publicar A Sangue Frio, em 1966, os autores foram-se afastando progressivamente.

Truman começou a escrever contos por volta dos oito anos. Em 2013, um editor suíço descobriu nos Arquivos da Biblioteca Pública de Nova Iorque 14 destas histórias, nunca publicadas, que o autor escrevera na adolescência. A Random House acabou por editá-las em 2015, com o título «As Primeiras Histórias de Truman Capote» (edição portuguesa da D. Quixote).

Entre 1943 e 1946, Capote produziu um fluxo constante de textos, tendo sido premiado por um deles em 1948, com a idade de 24 anos. Viu diversas histórias publicadas em revistas literárias e formatos mais populares. Na Primavera de 1946, foi aceite numa conhecida colónia para artistas e escritores de Nova Iorque. (Mais tarde recomendará Patrícia Highsmith, que escreveu «O Desconhecido do Norte Expresso» nesse período).

Numa entrevista, em 1957, afirmará sobre a sua técnica de escrita:

Uma vez que cada história provoca um conjunto de problemas técnicos específicos, torna-se impossível generalizar sobre certas coisas, num estilo «dois mais dois igual a quatro». Encontrar a melhor forma de contar uma história é perceber a maneira mais natural de contar essa história. O teste final é tão simples como isto: depois de lê-la, consegue imaginar um formato diferente para o texto ou este consegue silenciar a imaginação de uma forma definitiva? Tem de ser como uma laranja. Uma laranja é algo que a Natureza aperfeiçoou até ao limite.

O sucesso literário de um dos seus contos, «Miriam» (1945), chamou a atenção de um editor da Random House, o que lhe valeu um contrato para produzir um romance. Recebido o adiantamento, Capote regressou a Monroeville e iniciou a produção de «Outras Vozes, Outros Lugares». Acabou por ser publicado em 1948. Este classifica o texto enquanto «explosão poética de emoções reprimidas». O romance é um reflexo semi-autobiográfico da sua infância no Alabama:

Outras Vozes, Outros Lugares foi uma tentativa de exorcizar demónios, algo de inconsciente e intuitivo, já que nunca me apercebi – aparte alguns detalhes e descrições – que se tratava de um trabalho autobiográfico. Ao reler agora o texto, considero imperdoável ter caído nesse logro.

O enredo baseia-se na vida de um adolescente de 13 anos, Joel Knox, que acaba de perder a mãe. Joel é enviado para Nova Orleães para viver com o pai, que o havia abandonado à nascença. Ao chegar ao novo lar, uma mansão enorme e decadente na província do Alabama, Joel conhece Amy, a antipática madrasta, um travesti chamado Randolph e a desafiadora Idabel, uma rapariga com quem faz amizade. Também vê por vezes a sombra de uma «estranha senhora» de cabelo encaracolado que o observa da janela de um primeiro andar. Apesar dos esforços de Joel, o destino do pai permanece desconhecido. Quando finalmente recebe autorização para vê-lo, fica atónito ao descobrir que este é de facto quadriplégico, ficando assim depois de cair de umas escadas ao ser atingido inadvertidamente por uma bala disparada por Randolph. Joel acaba por fugir na companhia de Idabel mas adoece com pneumonia e regressa a casa, onde recupera a saúde com o auxílio de Randolph. Fica implícito que a «estranha senhora» à janela é na verdade Randolph, no seu traje carnavalesco.

Alguns críticos consideram que:

Por fim, ao recorrer ao auxílio da «estranha senhora» da janela, Joel aceita a sua condição de homossexual, de pertencer a «outras vozes e outros lugares». Não se trata contudo de uma rendição, mas de uma libertação. «Eu sou eu», celebra. «Sou o Joel e somos todos iguais». Portanto, de certa forma, é Truman quem celebra e faz as pazes consigo mesmo.

«Outras Vozes, Outros Lugares» entrou na lista dos mais vendidos do «The New York Times» e por lá permaneceu mais de dois meses, vendendo um total de 26 000 cópias. A promoção e controvérsia em redor deste livro catapultaram o autor para a fama. Uma fotografia tirada em 1947, usada na promoção, exibia um Truman recostado numa cadeira a mirar a câmara com ar desafiante. Foi dito que:

A famosa fotografia na capa do livro acabou por se tornar tão polémica quanto o texto. Truman alegou que tinha sido apanhado desprevenido, mas a verdade é que preparou a pose e planeou todos os contornos do golpe publicitário.

Muita da controvérsia centrou-se nas diferentes interpretações dadas à imagem, vista como provocadora por alguns. Conta-se que o assunto deu origem a grande «falatório», oferecendo a Capote «a imagem literária e pública que tanto procurava». Um dos mais impressionados foi um jovem de 20 anos chamado Andy Warhol, que se transformou num admirador.

No início da década de 50, o autor mergulhou no mundo do Cinema e Teatro, adaptando alguns textos que transformou em peças e musicais. Escreveu também alguns argumentos para Cinema.

Produziu ainda um ensaio autobiográfico para uma revista acerca da sua vida em Brooklyn Heights no final da década, intitulado «Brooklyn Heights: A Personal Memoir» (1959).

«Boneca de Luxo: Uma Novela e Três Contos» (1958) juntou num só livro a novela do título e três pequenos contos. A heroína da história principal, Holly Golightly, transformou-se numa das personagens mais famosas do autor e o estilo de linguagem utilizado valeu-lhe o epíteto de «melhor escritor da sua geração».

Para Capote, a obra revelou-se um marco:

Penso que tive duas carreiras. A primeira foi a do «jovem autor», que publica uma série de livros que tinham um certo valor. Pela minha parte, hoje em dia sou incapaz de lê-los e fazer-lhes uma crítica positiva, parecem-me o trabalho de um estranho. A segunda começa de facto com Boneca de Luxo. Trata-se de um outro ponto de vista, outro tipo de linguagem, de certa forma. É deveras uma evolução. Não é talvez tão evocativa como a anterior, nem sequer tão original, mas acaba por ser mais difícil. De qualquer forma não estou sequer perto do que pretendo fazer, do ponto a que pretendo chegar. É provável que o último livro esteja mais próximo disso, pelo menos ao nível da estratégia.

O «novo livro», A Sangue Frio (1966), foi inspirado por um artigo de 300 palavras publicado a 16 de Novembro de 1959 no «The New York Times». Referia-se ao misterioso assassinato da família Clutter, numa zona rural do Kansas, citando as declarações do chefe de polícia local: «Aparenta ser obra de um assassino psicopata». Fascinado por esta notícia, Capote deslocou-se ao local na companhia de Harper Lee. Nos anos seguintes, tornou-se íntimo de todos os intervenientes e envolvidos na investigação, bem como de grande parte dos residentes. Em vez de tirar notas durante as entrevistas, Truman decorava as conversas, anotando apenas breves citações. Alegava conseguir reproduzir ipsis verbis 90% dos diálogos. Lee ajudava-o na tarefa, tornando-se «amiga» das mulheres de todos os cidadãos que ele queria entrevistar.

Passei quatro anos, com alguns intervalos, naquela parte ocidental do estado do Kansas, a fazer pesquisa para o livro e depois para o filme. Como foi? Foi bastante solitário. E difícil, ainda que tenha feito bastantes amigos. Tinha mesmo de o fazer, de outro modo era impossível obter bons resultados. Embarquei no projecto porque queria experimentar algo relacionado com a escrita jornalística, mas utilizar um tema que fosse suficientemente interessante. É certo que já tinha escrito bastantes coisas deste género nos anos 50, para o The New Yorker, mas estava em busca de algo mesmo especial, que me abrisse horizontes. Tentei vários assuntos, mas todos eles acabaram em becos após muito trabalho. Até que um dia estava a desfolhar o jornal e deparei-me com aquele pequeno artigo. Dizia apenas: «Assassinato de família rural no Kansas. Família de quatro é encontrada morta». Uma coisa pequena. Claro, a comunidade estava atónita, as razões para aquilo estavam envolvidas em completo mistério, ninguém sabia de facto o que se passara. Não sei por que razão me despertou interesse. Talvez o facto de não saber nada sobre a região. Portanto pensei: «Bom, ao menos é algo de novo. Não perco nada em lá ir, dar uma olhadela e tentar perceber de que se trata». Pensei que podia ser de facto o que estava à procura, um crime deste tipo, numa pequena cidade. Ninguém tinha prestado muita atenção, fora tratado de forma quase corriqueira. Portanto pus-me a caminho e cheguei dois dias antes dos funerais. Estava tudo rodeado de mistério e assim permaneceu durante mais de dois meses. Nada se passou. Fui ficando, sempre a investigar, a tornar-me amigo das diversas autoridades e detectives. Apesar disso, acabava por ser difícil perceber se tinha ali algo de interessante ou não. Quer dizer, aquilo podia não dar em nada. Podiam nunca chegar a descobrir os assassinos e mesmo que os apanhassem, arriscava-se a ser algo bastante monótono. Ou podiam não querer falar e colaborar comigo. Mas enfim, acabaram por apanhá-los. O caso resolveu-se em Janeiro e até fiquei próximo dos dois rapazes, visitando-os com frequência nos quatro anos seguintes, antes de serem executados. A verdade é que mantive sempre a dúvida, mesmo quando já ia a meio do livro, quando já tinha ano e meio de trabalho acumulado, muito honestamente continuava a não saber se ia conseguir terminar, se tudo aquilo ia redundar em alguma coisa de útil, que compensasse todo aquele esforço. Porque não restem dúvidas que se tratou de um esforço tremendo.

A obra foi publicada em 1966. O «romance de não-ficção», como lhe chamou Capote, valeu-lhe o sucesso literário e transformou-se num fenómeno internacional de vendas. O autor não voltaria a escrever nenhum outro romance depois disto.

Apesar do sucesso, surgiram alguns a questionar a veracidade de diversos eventos presentes no livro. Certos jornalistas notaram discrepâncias entre o texto e a realidade depois de se deslocarem ao Kansas e falarem com algumas das pessoas entrevistadas por Truman. Ficou assente que:

Capote criou, em suma, uma obra de arte. Narrou de forma excelente uma história deveras aterradora, à sua maneira. Contudo, apesar do brilhantismo dos seus esforços auto-promocionais, cometeu um erro estratégico e moral, que poderá prejudicá-lo a curto prazo. Ao insistir que «cada palavra» do seu livro é verídica, colocou-se numa posição de fragilidade perante qualquer leitor que esteja disponível para examinar em detalhe a justeza de uma afirmação tão poderosa.

Capote assumiu-se abertamente como homossexual. Um dos seus primeiros parceiros sérios foi um professor de Literatura, a quem Truman dedicou «Outras Vozes, Outros Lugares». Contudo, o autor viveu a maior parte da vida adulta com Jack Dunphy, que também era escritor. Este tentou explicar em livro a duplicidade do amante, que alternava entre a postura reservada que mantinha na intimidade e a imagem da figura pública orientada para o sucesso e atormentada por diversos vícios, como o álcool e as drogas. Apesar da relação entre ambos se ter prolongado pela quase totalidade da vida de Truman, também é verdade que ambos tinham por vezes vidas independentes. O facto de terem quartos separados permitia uma certa autonomia a vários níveis, incluindo «poupar-me à infelicidade de assistir aos diversos consumos de Capote».

O autor ficou conhecido por um tom de voz característico, recheado de maneirismos, um guarda-roupa bizarro e diversos boatos. Alegava com frequência conhecer intimamente certas pessoas com quem nunca privara, como é o caso de Greta Garbo. Defendia ainda ter tido inúmeras ligações com homens que eram oficialmente heterossexuais, como era o caso de Errol Flynn. Divagava com uma heterogénea trupe de personalidades, que incluía autores, críticos, magnatas, filantropos, celebridades do Cinema e Teatro e ainda membros da alta sociedade, nacionais e estrangeiros. Manteve uma rivalidade pública e notória com o escritor Gore Vidal. A propósito disso, comentou Tennessee Williams:

Dir-se-ía que estavam numa corrida desenfreada para chegar ao pote de ouro.

Com excepção dos seus autores favoritos – Willa Cather, Isak Dinesen e Marcel Proust – Capote tinha pouca estima por outros escritores.

Apesar do autor nunca ter abraçado totalmente o movimento para os direitos dos homossexuais, a sua abertura nessa questão e as suas tentativas para que outros o imitassem nessa atitude transformam-no numa personagem de relevo no tema.

Cada vez mais famoso, mergulhou a fundo no mundo das celebridades. O rival Gore Vidal comenta a esse respeito que:

(Este) tentou com algum sucesso entrar num mundo do qual eu tentei, com algum sucesso, sair.

De facto, apesar de ter afirmado anteriormente que «perdemos dez por cento de inteligência por cada ano que passamos na Costa Oeste», o autor adquire uma propriedade em Palm Springs e entrega-se cada vez mais a um estilo de vida sem objectivos e regado a álcool. Tal resulta numa discussão séria com Dunphy, com quem tinha partilhado vida íntima desde a década de 50. Acabam por não se afastar, mas mudam a natureza da ligação, fazendo vidas totalmente independentes ao longo da década de 70.

Seguiram-se vários anos de projectos profissionais falhados, mal disfarçados com constantes presenças públicas – entrevistas, eventos, aparições. Alguns desses projectos surgiram sob a forma de livros nunca terminados, que pretendiam ser sucedâneos de A Sangue Frio no que diz respeito à forma – romance de não-ficção – mas que acabavam por ser uma mistura de mexerico e fantasia.

Tudo isto contribuiu para a progressiva ostracização de Capote enquanto figura pública. Por esta altura, muitos dos seus amigos – ora afastados pelo próprio autor, ora afastando-se dele – estavam já ausentes.

No final da década de 70, Capote passava grande parte do tempo em clínicas de reabilitação, com muitos dos seus problemas de saúde a serem tornados públicos. Já em 1978, o autor surge numa entrevista completamente intoxicado e confessa que está acordado há 48h. Quando questionado pelo apresentador:

O que vai acontecer, se não resolver este problema de saúde?

Capote replica:

A resposta óbvia é que mais cedo ou mais tarde vou matar-me…sem querer.

O caso fez manchete de jornais. Seguiram-se novas polémicas e questões menorizantes com diferentes pessoas, incluindo o rival de sempre, Gore Vidal.

Andy Warhol, que o considerava uma espécie de mentor, aceitou colaborar com ele num projecto, que incluía uma série de entrevistas para a revista de Andy. Estava previsto tratarem-se de conversas gravadas, mas Capote depressa transformou isso em «retratos dialogados», apenas parcialmente verídicos. O resultado foi «Música para Camaleões» (1980), que acabou por ser um sucesso comercial. Truman tentou um ligeiro renascimento, submetendo-se a várias operações estéticas e a uma dieta rigorosa. Apesar disso, foi incapaz de se curar das suas dependências e foi ficando cada vez mais farto de Nova Iorque, já no início da década de 80.

Depois de perder a carta de condução (por excesso de velocidade) e de sofrer um episódio delirante que o levou ao hospital, o autor recolheu-se da esfera pública. As alucinações continuaram a ser frequentes, até que diversos exames revelaram que o autor tinha perdido parte substancial da sua massa cerebral, à conta dos consumos ilícitos. Nos raros momentos em que estava lúcido, continuava a alegar que tinha manuscritos «à beira da conclusão».

Capote morreu em Bel Air, Los Angeles, em meados de 1984, um mês antes de completar 60 anos.

De acordo com a autópsia, a causa de morte foi «doença hepática agravada pelo consumo de drogas». Faleceu em casa da ex-mulher do apresentador televisivo Johnny Carson.

Gore Vidal reagiu à notícia, classificando-a «um bom passo na carreira».


250x (1)Romance de não-ficção publicado em 1966. Relata em detalhe o assassinato de quatro membros da família de Herbert Clutter, ocorrido em 1959 na pequena comunidade rural de Holcomb, no estado do Kansas.

Quando Capote tomou conhecimento do quádruplo homicídio, decidiu viajar até ao Kansas numa altura em que os assassinos ainda não tinham sido descobertos, de modo a escrever sobre o caso. Teve a companhia da sua amiga de infância e também escritora Harper Lee e juntos fizeram várias entrevistas aos residentes da zona, bem como aos investigadores responsáveis pelo caso, recolhendo no processo inúmeras notas que encheram milhares de páginas. Os culpados, Richard “Dick” Hickock e Perry Smith, acabaram por ser detidos seis semanas depois e mais tarde foram executados pelo Estado. Capote demorou cerca de seis anos a concluir o livro. Quando finalmente foi publicado, revelou-se um sucesso imediato, sendo ainda hoje a segunda obra mais vendida de sempre no seu género (apenas atrás do livro acerca dos crimes de Charles Manson).

Alguns críticos consideram a obra em causa a primeira do seu género, apesar de existirem outros trabalhos anteriores que cabem na mesma classificação. O texto foi elogiado pelo uso de uma linguagem eloquente, atenção ao detalhe e construção em tripla narrativa (vida dos criminosos, das vítimas e de outros membros da comunidade, em discurso alternado). É concedida especial atenção ao passado e perfil psicológico dos assassinos, bem como à complexa relação existente entre eles durante e após os crimes. Apesar de ter sido considerada uma obra pioneira, o autor confessou alguma desilusão por esta nunca lhe ter valido o Prémio Pulitzer. Concluiu-se mais tarde que certas partes do livro, nomeadamente alguns elementos de crucial importância, não correspondem à verdade dos factos.

 

Enredo

Herb Clutter era um fazendeiro próspero da zona oeste do Kansas. Chegou a empregar 18 trabalhadores nas suas terras, que tinham por ele estima e consideração à conta do seu sentido de justiça e generosos salários. As duas filhas mais velhas, Eveanna e Beverly, já tinham saído de casa e dado início à sua vida adulta. Nancy (16 anos) e Kenyon (15), estavam no Secundário. A esposa de Clutter, Bonnie, estava dada como incapacitada à conta de uma depressão e problemas físicos adquiridos nos vários partos, embora esta tese tenha mais tarde sido posta em causa.

Dois ex-presidiários, que tinham recentemente adquirido a liberdade condicional, Richard Eugene “Dick” Hickock e Perry Edward Smith foram os autores do assalto e consequentes assassinatos, nas primeiras horas do dia 15 de Novembro de 1959. Um antigo companheiro de cela de Hickock, Floyd Wells, tinha em tempos trabalhado para Herb Clutter e confessou-lhe que este guardava grandes quantidades de dinheiro num cofre. Hickock depressa planeou roubar o conteúdo do dito e começar uma nova vida no México. Segundo Capote, Hickock considerava o seu plano «o crime perfeito» e chegou à fala com Smith, outro ex-companheiro de cela, propondo-lhe uma parceria. Na verdade, Herb Clutter não possuía qualquer cofre e tratava de todos os negócios através de cheques.

Depois de guiarem centenas de quilómetros ao longo do estado do Kansas, o duo chega a Holcomb na noite de 14 de Novembro. Localizam a quinta dos Clutter e aproveitam uma porta destrancada para se introduzirem no seu interior, enquanto a família dormia. Depois de pressionarem os donos e concluírem que não existia qualquer cofre, amarram e amordaçam toda a família e continuam em busca de dinheiro, mas encontram pouca coisa valiosa no interior da casa. Determinados a não deixarem testemunhas, debatem rapidamente sobre o que fazer. Smith, dono de um temperamento instável e violento, muito dado a ataques de raiva repentinos, corta a garganta de Herb Clutter e depois dá-lhe um tiro na cabeça. Capote descreverá mais tarde a confissão de Smith:

Não queria fazer mal ao homem. Pareceu-me um senhor muito simpático. Bem-falante. Nunca mudei de opinião até ao momento de lhe cortar a garganta.

Kenyon, Nancy e por fim a Sra. Clutter foram também assassinadas, todas com um único tiro de caçadeira na cabeça. Hickock e Smith abandonaram o local na posse de um pequeno rádio portátil, um par de binóculos e pouco menos de cinquenta dólares em dinheiro.

Smith alegou mais tarde na sua confissão oral que tinha sido Hickock a matar duas das mulheres. Contudo, quando lhe pediram para assinar uma confissão escrita, recusou. De acordo com Capote, este preferia aceitar a responsabilidade pela totalidade dos crimes, pois alegava ter pena «da mãe do Dick». «É uma pessoa encantadora», acrescentou. Hickock, pelo contrário, manteve sempre a versão de que tinha sido Smith o autor de todos os crimes.

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