Viveu entre 1804 e 1876. Amantine Lucile Aurore Dupin, conhecida no mundo das Letras como George Sand, foi romancista e jornalista, tendo-se transformado numa das escritoras mais populares da Europa no seu tempo, obtendo inclusive maior fama do que nomes como Victor Hugo ou Honoré de Balzac em Inglaterra, durante os anos 30 e 40 do século XIX. Sand é hoje tida como um dos principais nomes do Período Romântico Europeu.
George Sand – tratada na sua intimidade por «Aurore» – nasceu em Paris e passou grande parte da infância com a sua avó, Marie-Aurore de Saxe, também conhecida por Madame Dupin de Francueil, na casa desta situada na aldeia de Nohant, província de Berry. A autora herdou a propriedade em 1821, após a morte da avó e serviu-se do cenário em muitas das suas obras.
O pai, Maurice Dupin, tinha linhagem aristocrática e a mãe, Sophie-Victoire Delaborde, era plebeia.
Sand incluiu-se no grupo de reputadas mulheres do século XIX que optou por se vestir de forma masculina em público. Em 1800, as autoridades implementaram uma lei segundo a qual uma mulher teria de obter especial autorização para usar vestimentas masculinas. Algumas foram autorizadas a fazê-lo por razões de saúde, profissionais ou de recreação (hipismo, por exemplo), mas outras decidiram usar calças e outras peças de vestuário masculino sem permissão oficial. Apesar de certas delas possuírem motivos práticos, outras faziam-no para subverter estereótipos dominantes.
Sand era das que dispensava autorização, justificando-se com o preço inferior das roupas masculinas e a sua maior resistência quando comparadas com o tipo de vestidos clássicos usados pelas mulheres nobres, na época. Para além do conforto, a roupagem masculina oferecia à autora maior liberdade de circulação nas ruas de Paris e facilitado acesso a diversos locais e eventos normalmente interditos às mulheres, ainda que privilegiadas. Outro gesto que escandalizava era o seu hábito de fumar em público.
Apesar de muitos criticarem a sua postura, outros tantos aceitavam-na, pelo menos até tomarem contacto com o estilo subversivo dos seus romances. Ainda assim, quem considerava a escrita admirável pouco se incomodava com a rebeldia ou ambiguidade da sua atitude pública. Victor Hugo, por exemplo, terá comentado:
George Sand não consegue decidir se é homem ou mulher. Tenho profunda estima por todos os meus colegas, pelo que não me cabe decidir se estou a falar da minha irmã ou do meu irmão de Letras.
Em 1822, com meros 18 anos, Sand casou-se com Casimir Dudevant, filho ilegítimo do Barão Jean-François Dudevant. Tiveram dois filhos: Maurice e Solange. Três anos depois, alimentou uma intensa mas decerto platónica ligação com um jovem advogado de nome Aurélien de Sèze. Nos princípios de 1831, abandonou o marido e mergulhou num período (de quatro ou cinco anos) que pode ser apelidado de «rebeldia romântica». Em 1835, separou-se legalmente de Dudevant e ficou com a custódia dos filhos.
A autora alimentou ligações com o romancista Jules Sandeau, o escritor Prosper Mérimée, o dramaturgo Alfred de Musset, Louis-Chrysostome Michel, o actor Pierre-François Bocage, o escritor Charles Didier, o romancista Félicien Mallefille, o político Louis Blanc e o compositor Frédéric Chopin. Numa fase mais adiantada da vida, trocou correspondência com Gustave Flaubert e apesar das diferenças de temperamento e gosto, acabaram por se tornar amigos íntimos. Arriscou ainda uma aventura amorosa com a actriz Marie Dorval.
Sand passou o Inverno de 1838/39 com Chopin, em Maiorca, no oficialmente abandonado mosteiro de Valldemossa. Essa viagem ficou registada na sua obra «Um Inverno em Maiorca», publicada pela primeira vez em 1841. Chopin estava já na fase inicial da sua doença (tuberculose), logo um Inverno frio e húmido, em alojamento impróprio, agravou em muito os sintomas. Separaram-se dois anos depois, por múltiplas razões.
No seu romance «Lucrezia Floriani», a autora baseia-se em Chopin para criar a personagem de um enfermo príncipe do Leste Europeu, de nome Karol. Este é auxiliado por uma actriz de meia-idade com a carreira em declínio, de nome Lucrezia, que sofre bastante à conta da sua afeição por Karol.
Apesar de Sand alegar que não pretendeu ridicularizar o compositor, a publicação do livro e consequente popularidade terá exacerbado o azedume entre ambos.
Porém, o golpe final na relação deveu-se à filha desta, Solange. Chopin manteve-se cordial com ela, mesmo depois desta (em conjunto com o marido) se ter incompatibilizado com a mãe, por questões financeiras. Sand considerou o apoio dele algo extremamente desleal, para além de «confirmar» a sua desconfiança de que Chopin sempre «amara» Solange de forma inapropriada.
O filho da autora, Maurice, também antipatizava com o compositor. Desejava transformar-se no «dono da casa» e afastar Chopin, pelo que este nunca mais foi bem-vindo em Nohant. Em 1848, o músico voltou a Paris depois de concluir uma digressão no Reino Unido e acabou por falecer no ano seguinte. George Sand foi ausência notada no funeral.
A autora morreu em Nohant, em 1876, com 71 anos. Foi enterrada no cemitério privado da capela local. Em 2003, a intenção de transladá-la para o Panteão, em Paris, originou controvérsia.
A estreia literária da escritora deu-se através de uma parceria com o autor Jules Sandeau. Publicaram diversas histórias, sob o pseudónimo Jules Sand. O primeiro romance dela, «Rose et Blanche» (1831) foi escrito em colaboração com Sandeau. Optou então por utilizar a identidade literária que a tornou famosa (George Sand) quando publicou o primeiro trabalho em nome individual, «Indiana» (1832).
Sand era o autor mais popular da Europa (masculino ou feminino) com meros 27 anos, ultrapassando nomes consagrados como Victor Hugo e Honoré de Balzac, sobretudo na Inglaterra dos anos 30 e 40 do século XIX. A fama prolongou-se pelo seu tempo de vida e muito depois da sua morte. No início da carreira, os seus livros tinham enorme procura e, por volta de 1836, a primeira de várias compilações do seu trabalho acabou por ser lançada, num total de 24 volumes. O processo repetiu-se por quatro vezes ao longo dos anos. Em 1880, os descendentes venderam os direitos literários por 125 mil francos, o equivalente a 1,3 milhões de euros, hoje em dia.
Baseando-se nas experiências bucólicas da infância, a autora escreveu os romances «La Mare au Diable» (1846), «François le Champi» (1847/1848), «A Pequena Fadette» (1849) e «Les Beaux Messieurs de Bois-Doré» (1857). «Um Inverno em Maiorca» reporta-se ao período que esta passou no local, na companhia de Chopin, entre 1838 e 1839. Outros romances são «Indiana» (1832), «Lélia» (1833), «Mauprat» (1837), «Le Compagnon du Tour de France» (1840), «Consuelo» (1842/1843), e «Le Meunier d’Angibault» (1845).
Peças teatrais e textos autobiográficos incluem «Histoire de ma vie» (1855), «Elle et Lui» (1859, acerca do romance com Musset), «Diário Íntimo» (publicado postumamente em 1926) e «Correspondence». Sand levava ao palco os textos dramáticos no seu pequeno teatro privado, na propriedade de Nohant.
A autora também fez crítica literária e artigos políticos. Na juventude, abraçou as causas dos pobres e das classes trabalhadoras, bem como os direitos das mulheres. Aquando da revolução de 1848, considerava-se uma fervorosa republicana. Chegou mesmo a levar ao prelo o seu próprio jornal, editado numa cooperativa operária.
Politicamente, tornou-se muito activa depois de 1841. Os líderes da época aconselhavam-se múltiplas vezes com ela e adoptavam as suas sugestões. Integrou o governo provisório de 1848, publicando variados e ardentes manifestos. Enquanto muitos republicanos terminaram presos ou exilados depois do golpe de estado de 1851, a autora ficou em França e manteve um relacionamento ambíguo com o novo regime, chegando mesmo a negociar perdões e reduções de pena para os companheiros de luta.
Sand ficou também conhecida pelo seu envolvimento e publicações acerca do governo provisório conhecido como «Paris Commune», em 1871, ao defender a posição da assembleia de Versailles contra os revoltosos, que deveriam ser «reprimidos pela força». Esta ficou chocada com a violência da «Paris Commune» que, segundo ela, «prosseguem com aquela horrorosa aventura. Chantageiam, ameaçam, prendem, julgam. Tomaram de assalto as câmaras, os edifícios públicos, roubam munições e mantimentos».
Sand obteve enorme respeito entre as elites literárias e culturais francesas. Victor Hugo, por exemplo, no discurso que preparou no funeral da autora, afirmou que esta «tinha uma lira na alma»:
Neste país, destinado a cumprir os desígnios da Revolução Francesa e a dar início à igualdade entre sexos, parte integrante da igualdade entre homens, era necessária a existência de uma grande mulher. Era preciso comprovar que uma mulher era capaz de possuir todas as qualidades masculinas sem perder nenhuma das suas angelicais características, ser forte sem abdicar da ternura…essa mulher foi George Sand.
Eugène Delacroix era amigo próximo e respeitador do seu talento literário. Flaubert, longe de ser considerado um crítico indulgente, admitiu a sua profunda admiração. Honoré de Balzac, que a conhecia pessoalmente, afirmou que se alguém considerava que ela escrevia mal, não sabia do que falava. Acrescentou que a mestria da autora no tratamento das metáforas e imagens na escrita era de uma subtileza impressionante, sendo capaz de «vestir a palavra com a imagem».
Contudo, nem todos os contemporâneos idolatravam a autora ou a sua obra. O poeta Charles Baudelaire foi um dos seus críticos:
É inculta, maçadora e tagarela. As suas opiniões sobre moralidade possuem a mesma densidade e clarividência revelada por uma lavadeira ou uma dona de casa…existirem homens que se confessam admiradores deste lixo prova apenas a fraca qualidade dos homens desta geração.
Publicado pela primeira vez em 1860, o romance descreve o regresso da personagem Jean de la Roche à terra natal, depois de concluir os estudos em Paris. Este é um jovem impetuoso e assume a gestão da propriedade que partilha com a mãe, viúva e distante. São vizinhos de uma família inglesa, os Butler. O pai é um erudito, a mãe faleceu alguns anos antes e a filha, Love, dedica-se de corpo e alma a cuidar do pai, cumprindo assim a promessa feita à mãe, no seu leito de morte. O filho, Hope, mais novo, controla de forma possessiva a irmã. Jean sente-se intimidado diante daquela família, mas apaixona-se por Love. O facto enfurece Hope, deixando-o louco de ciúmes…